DIREITO DA INSOLVÊNCIA – Falência sem ativos: reflexões sobre as inovações trazidas pela Lei nº 14.112/20

Por Maria Rita Rebello Pinho Dias

Uma interessante inovação trazida pela Lei nº 14.112/20 foi a inserção do artigo 114-A na Lei nº 11.101/05 (LRF), o qual previu a possibilidade de extinção da falência se constatada a insuficiência de ativos. Não se trata, propriamente, de medida inovadora, visto que disposição semelhante era prevista no artigo 75 do Decreto-Lei 7.661/45. Contudo, desde a entrada em vigor da nova legislação em 2005, não havia previsão semelhante na legislação falimentar vigente.

Prevê o artigo 114-A que é possível o encerramento a falência tanto se não forem encontrados bens para serem arrecadados, como, também, aqueles que forem insuficientes para arcar com as despesas do processo. Essa situação deve ser informada imediatamente pelo administrador judicial.

Trata-se de medida salutar, na medida em que confere racionalidade e economicidade aos feitos falimentares, posto que injustificável o seu prosseguimento sem que haja adequada capacidade da massa falida de arcar com os custos mínimos, inerentes ao seu processamento, como por exemplo o pagamento dos honorários do administrador judicial.

Por outro lado, as alterações trazidas pela reforma permitem ao empresário insolvente uma via para ter rápida, formal e regular liquidação de seu negócio, em processo público e transparente, sob a fiscalização do Ministério Público, e, assim, com o encerramento do feito falimentar, beneficiar-se, adicionalmente, da declaração de encerramento das suas obrigações não tributárias, conforme se infere do disposto no artigo 158, VI da LRF.

Como medida de racionalização do processo falimentar de empresas insolventes sem ativos, trata-se de solução que atende aos princípios elencados no artigo 75, III da LRF, uma vez que consiste em via que permite o encerramento de negócio insolvente e, ao mesmo tempo, fomenta o empreendedorismo, ao viabilizar, pela declaração do encerramento das obrigações, o retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica.

O dispositivo reflete, também, opção pragmática do legislador, a qual reconhece a ausência de propósito no prosseguimento de processo que não trará nenhum resultado útil aos envolvidos.

São notórios os altos custos incorridos por todos os envolvidos com o acompanhamento processual, tanto por parte do falido e de seus credores, para manutenção de seus consultores, quanto da própria Justiça, que segue processando feito que já se sabe, de antemão, que não trará qualquer resultado útil. A abordagem pragmática sinaliza para a necessidade de que um processo seja instrumental, ou seja, efetivo e que atenda às finalidades elencadas no artigo 75 da LRF, não sendo um fim em si mesmo. Destaca-se que a solução do artigo 114-A da LRF também é aderente aos princípios positivados no parágrafo §1º do mesmo dispositivo, que declaram que o processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual.

Um aspecto inovador na disciplina da falência sem ativos, após a reforma de 2020, é a mitigação da possibilidade de questionamentos à sua aplicabilidade diante da informação pelo administrador judicial quanto à inexistência/insuficiência de ativos, reduzindo, assim, a litigiosidade interna do processo.

O legislador admitiu que os credores que porventura se sentirem prejudicados pela informação trazida pelo administrador judicial, ou que acreditarem que há ativos a serem localizados, possam opor-se ao encerramento da falência — e, consequentemente, à declaração de encerramento da obrigação do falido —, desde assumam o custeio das despesas consideradas essenciais no processo falimentar.

Trata-se de disposição interessante na medida em que, ao impor ao credor opoente o custeio de parte das despesas do processo, fomenta litigância responsável, assegurando, ainda, que agentes indispensáveis para o processamento da falência, como é o caso do administrador judicial, sejam remunerados de forma justa pelo trabalho que desempenham no processo.

Interessante observar o § 1º do artigo 114-A da LRF dispõe que os honorários do administrador judicial serão considerados essenciais nos termos estabelecidos no inciso I-A do artigo 84 da LRF. É preciso, contudo, observar que por força do mesmo dispositivo tais despesas deverão ser pagas pelos credores. Parece depreender, portanto, do texto legal, que foi criada condição de procedibilidade do processo falimentar na hipótese em análise. Não havendo o custeio pelo credor opoente, a consequência deverá ser a impossibilidade do prosseguimento da falência.

A previsão legal que classifica as despesas definidas como essenciais no art. 114-A como crédito extraconcursal e que as alocam na classe do inciso I-A do artigo 84 não parece poder ser compreendida como orientação para que seu pagamento ocorra em hipótese de eventual e futuro rateio. Para compatibilizar ambas as previsões, a interpretação que se mostra mais razoável é entender que os valores que forem pagos por credores deverão ser classificados como créditos extraconcursais na classe prioritária do artigo 84, I-A.

Necessário destacar, nesse ponto, que o legislador expressamente sinalizou que a consequência para a insuficiência/ausência de bens não é o deferimento ao empresário ou à empresa do benefício da justiça gratuita, para permitir o prosseguimento com profissionais nomeados pelo juízo a esse título. Ao contrário, reconheceu que o custeio de despesas definidas como essenciais é exigível senão do devedor mas sim do credor interessado no prosseguimento do feito e que, inexistindo qualquer uma dessas hipóteses, a única solução deve ser o encerramento do processo com a declaração do encerramento da falência e a extinção das obrigações do falido.

Por fim, parecer existir, ainda, outro aspecto que decorre da disposição do artigo 114-A da LRF. Não havendo recursos para custear os honorários do administrador judicial, nem, tampouco, existindo credor disposto a assumir esse ônus, deve-se refletir sobre a existência de interesse no prosseguimento dos incidentes de habilitação de crédito.

O administrador judicial desempenha papel fundamental na fase de verificação de crédito, recebendo impugnações e administrações de crédito na etapa administrativa, e, após, na fase judicial, apresentando manifestações e cálculos. Não existindo recursos para arcar com seus honorários, mostra-se impossível a tramitação das impugnações de crédito ou mesmo a apresentação e consolidação de QGC, por falta de profissional que desempenhasse essa função. 

Logo, constatada a ausência ou insuficiência de ativos pelo Administrador Judicial, outra consequência que parece se impor é que não se pode condicionar o encerramento da falência à conclusão da fase de verificação de crédito. A uma, porque não foi feito tal condicionamento em lei, e, a duas, porque o prosseguimento desses incidentes se mostra inviável diante da inexistência de recursos para arcar com honorários do Administrador Judicial.

É de se aguardar se a nova disciplina trazida pela reforma de 2020 permitirá tornar o processo de falência mais acessível a agentes econômicos, permitindo que o instituto falimentar produza os resultados esperados pelo legislador e pela doutrina, que é o de permitir a rápida liquidação de negócios insolventes e o retorno do empreendedor ao mercado.

Fonte: Consultor Jurídico

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