OPINIÃO – Ágio fiscal entre antecipações mensais e bases efetivas de IRPJ e CSLL

Por Rodrigo Medeiros Bezerra de Melo

Muito se discute acerca de uma série de controvérsias relacionadas ao aproveitamento fiscal do ágio, antes e depois da Lei nº 12.973/2014: ágio interno, empresa veículo, transferência de ágio, propósito negocial, aquisição de empresa com patrimônio líquido negativo, dentre outras inúmeras discussões.

A problemática do presente artigo está longe dos holofotes e, em primeiro momento, nem parece ser propriamente um ponto controvertido: o limite quantitativo e temporal de aproveitamento do ágio.

O artigo 22 da Lei nº 12.973/2014 estabelece que o direito à exclusão do ágio das bases do IRPJ e CSLL deverá ser exercido à razão de 1/60 do valor do ágio (goodwill) para cada mês do período de apuração, no máximo. A legislação anterior tinha previsão semelhante (artigo 7º, III da Lei 9.532/97).

A princípio não parece haver maiores problemas: considerando o benefício econômico de se excluir o ágio do lucro tributável, os contribuintes costumam levantar mês a mês balancete de suspensão ou redução para desembolsar o mínimo possível a título de antecipações mensais.

Diante dessa prática, costuma-se olhar para a limitação quantitativa e temporal como se aplicável mensalmente: em cada antecipação mensal, exclui-se 1/60 avos do ágio apurado.

O presente artigo chama atenção para a leitura que entende ser mais apropriada: a proporção importante é aquela excluída anualmente, à razão de 12/60 avos.

Como visto acima, o texto legal não limita a exclusão a 1/60 avos “por mês” ou “em cada mês”, e sim “para cada mês”. A sutil diferença é extremamente relevante. Nem poderia ser diferente, uma vez que a antecipação mensal não se confunde com o tributo efetivamente devido, cujo fato gerador ocorre tão somente no último momento do período de apuração.

Com base na primeira interpretação, por exemplo, um contribuinte que antecipa o tributo com base em estimativas não poderia jamais excluir o ágio, uma vez que os meses se passaram e a proporção de ágio que poderia ser excluída não o foi.

Por sua vez, a leitura de que a parcela do ágio a excluir é 1/60 avos “para cada mês” permite que esse mesmo contribuinte aproveite o ágio em sua declaração de ajuste, a despeito de não ter utilizado os valores para reduzir suas antecipações ao longo do período de apuração.

Não seria — tecnicamente — adequado que a legislação submeta a tributação efetiva àquilo que o contribuinte fez ou deixou de fazer em suas antecipações. Se excluiu 1/60 avos do ágio em cinco das 12 antecipações, só poderia excluir 5/60 avos do ágio das bases do IRPJ e CSLL? Nessa situação, apenas o contribuinte que excluiu valores nos 12 meses poderia excluir integralmente a parcela do ágio possível no ano calendário? Não parece ser a intenção do legislador.

Agora imagine a situação em que um contribuinte levantou balanço de redução ou suspensão todos os meses do ano, mas aproveitou apenas 1/120 avos do ágio em cada mês, totalizando a redução das bases de antecipação em 12/120 avos. Já na apuração das bases efetivas do IRPJ e CSLL anual resolveu valer-se do limite máximo permitido pela legislação: 12/60 avos. O contribuinte poderia fazer isso? Na interpretação adotada por este artigo, sim.

O raciocínio se mantém: a obrigação de mera antecipação mensal não tem o condão de repercutir com definitividade sobre a apuração dos débitos tributários do IRPJ e da CSLL. Se a legislação permite a exclusão de 1/60 avos “para cada mês” do período, nada que aconteceu “em cada mês” de antecipação não é relevante.

Acrescente-se agora o caso em que o contribuinte excluíra 1/120 avos do ágio nas antecipações até o mês de novembro e resolveu “compensar” o valor que deixou de ser excluído na antecipação do mês de dezembro, de modo a diminuir ao máximo eventual saldo negativo por ocasião da declaração de ajuste.

Analisado proporcionalmente, o valor excluído em dezembro corresponderia a 1/60 avos para cada mês do ano. No entanto, individualmente identificado, o valor excluído extrapolaria bastante a razão de 1/60 naquele mês. O contribuinte poderia fazer isso?

Mais uma vez esse artigo dá razão ao contribuinte e a justificativa segue a mesma. Se a limitação fosse “em cada mês”, a análise deveria ser individualizada. No entanto, considerando que o limite é 1/60 avos “para cada mês”, a exclusão em maior razão no mês de dezembro não é indevida se respeitar a proporção de 1/60 avos para cada um dos doze meses que compõem a sua base de antecipação.

Embora não seja um tema recorrente, o Carf já se manifestou sobre situação. É o caso do acórdão 1401-003.043. Após acórdão da DRJ que registrou que “Para o mês de dezembro de 2012 […], o contribuinte desrespeitou os limites de dedução previstos no inciso III do art. 386 do RIR/99 ao excluir valor superior à 1/60 avos de seu ágio total”, o acórdão do Carf entendeu que “no mês de dezembro de 2012, quando foi deduzido o ágio de R$ 20.254.853,59, deve ser desconsiderado tal valor e considerado apenas o valor máximo de R$ 3.240.776,58 […]”.

No precedente mencionado, o contribuinte havia deduzido (na sistemática da legislação anterior) valores muito menores do que o permitido dos meses de janeiro a novembro. Deduziu R$ 506.371,34 por mês, quando poderia ter deduzido R$ 3.240.776,58. Compensou no mês de dezembro o que deixara de deduzir no restante do ano. Ao assim proceder, agiu corretamente e amparado na legislação.

Não se espera que o tema aqui abordado ganhe escala nas discussões no âmbito do Carf e Judiciário, mas certamente é relevante para os planos dos contribuintes no cumprimento de suas obrigações tributárias: seja a obrigação principal e definitiva de recolher o tributo, seja no exercício da melhor opção de procedimento nas antecipações mensais, na busca por indisponibilizar o menor volume possível de recursos.

Portanto, o presente artigo pretende abrir os olhos dos contribuintes para os seus direitos e possibilidades. Por mais que a prática muitas vezes aponte para o benefício de levantar os balancetes mês a mês para aproveitar o ágio já nas antecipações (e na razão máxima), o contribuinte deve estar ciente de que há outras opções caso suas peculiaridades apontem para um caminho diferente.

Fonte: Consultor Jurídico

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