OPINIÃO – Benefícios de ICMS: aspectos contábeis e seu impacto econômico

Por Pedro de Mello Martins Teixeira e Renata Guimarães

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará, sob a sistemática dos recursos repetitivos, os Recursos Especiais nº 1.945.110 e nº 1.987.158, que tratam sobre a possibilidade de excluir-se, da apuração do IRPJ e da CSLL pelo Lucro Real, os valores correspondentes aos chamados benefícios negativos do ICMS.

Nos recursos, que foram escolhidos como representativos de controvérsia, discute-se a possibilidade de aplicar o racional que embasou o acórdão proferido no EREsp nº 1.517.492/PR, ocasião em que o STJ entendeu que a tributação dos créditos presumidos de ICMS pelo IRPJ e CSLL violaria o pacto federativo, aos casos em que o benefício do ICMS se dá por meio de isenção, aplicação de alíquota reduzida, redução de base de cálculo, ou mesmo diferimento do imposto (benefícios negativos). No entendimento dos contribuintes que buscaram provimento jurisdicional, os benefícios negativos devem ser tratados como subvenções para investimento e, como tal, deduzidos do Lucro Real, como prevê o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014.

Sob a perspectiva estritamente jurídica, o argumento tem amparo em nossa legislação e jurisprudência sobre o tema [1]. No entanto, a combinação de aspectos contábeis fundamentais a essa discussão resultam em impactos significativos em eventuais benefícios econômicos advindos de tal discussão. Ou seja, ainda que a discussão jurídica seja bem-sucedida, há a possibilidade de se instaurar um clima de “ganhou mas não levou”. É o que se buscará demonstrar a seguir.

A decisão do STJ no EREsp nº 1.517.492/PR, assim como as proferidas em outros precedentes, se ateve à análise da necessidade de exclusão dos créditos presumidos da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a renda. Nesses casos, quando da venda de um determinado produto o contribuinte registra em seu passivo o valor total do imposto a pagar, registrando sua contrapartida na despesa com esse mesmo tributo.

Assim, como forma de reduzir o referido passivo por força do crédito presumido, o contribuinte promove um lançamento devedor em seu passivo, para reduzir sua dívida com o fisco, e, como contrapartida, registra ou uma receita de subvenção ou uma redução de sua despesa com o imposto em referência.

No caso ora ilustrado, existem dois aspectos fundamentais para a forma de registro contábil acima: 1) a obrigação tributária do vendedor decorrer de tributo destacado no documento fiscal, e, portanto, tanto o passivo como a despesa com esse tributo serão reconhecidos pelo valor integral; e 2) será registrada uma redução desse passivo tributário tendo como contrapartida um lançamento credor no resultado da empresa (conforme disposto no CPC 07), visto que o benefício em questão resulta em uma diminuição da obrigação tributária a ser suportada pelo contribuinte.

Assim, quando os estados, buscando incentivar determinado contribuinte ou setor, outorgam créditos presumidos de ICMS, o contribuinte beneficiado registra em seus livros contábeis uma receita, que irá, por óbvio, acarretar o aumento da receita bruta da empresa.

O aproveitamento de créditos presumidos impacta diretamente no resultado da empresa e, portanto, altera a base de incidência do IRPJ e CSLL, que ficará majorada. É por esse motivo que o STJ julgou favoravelmente aos contribuintes no EREsp nº 1.517.492/PR: caso se permitisse a tributação dos créditos presumidos pelo IRPJ e CSLL, a desoneração do ICMS seria acompanhada de um aumento do IRPJ e da CSLL devido pela empresa, o que reduziria substancialmente o impacto financeiro do benefício concedido pelo Estado. Assim, a União estaria, ao considerar os créditos presumidos como lucro da empresa, retirando, “por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou”. Daí decorreria a ofensa ao princípio federativo.

Não é o que ocorre quando o Estado concede uma isenção ou prevê a aplicação de uma alíquota reduzida, dentre outras formas de desoneração. Nessas hipóteses, o contribuinte não registra no seu passivo o montante integral do ICMS que seria devido não fosse o benefício estatal, mas registra tão somente o montante do imposto efetivamente devido. E nem poderia registrá-lo de outra forma, visto que o valor em questão não representa uma obrigação do contribuinte decorrente de um fato pretérito e que gere um provável desembolso de caixa futuro. Ou seja: a parcela do tributo que será dispensada pela autoridade fazendária estadual não atende ao conceito de passivo previsto pelo CPC 00 [2].

No caso de isenção, por exemplo, um eventual registro contábil de uma obrigação tributária inexistente se mostra um cenário ainda mais esdrúxulo, visto que o valor a ser pago a título de ICMS pelo contribuinte será zero. Já na hipótese de redução de base de cálculo, estaríamos diante de uma isenção tributária parcial, assim, tal qual na isenção total, a diferença entre a base de cálculo normalmente exigida e a reduzida, aplicável à transação, também não atende à definição de passivo.

Em outras palavras — e visando simplificar o exposto — os benefícios negativos de ICMS representam uma mera redução do passivo da empresa, inexistindo o registro de uma receita tributável pelo IRPJ ou pela CSLL. Como, então, excluir da base de cálculo do IRPJ e da CSLL valores que sequer a integram?

Esse foi o entendimento do STJ no julgamento do REsp nº 1.968.755/PR, que analisou o caso das isenções e reduções da base de cálculo e decidiu que, diferente dos créditos presumidos, esses valores não são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, justamente em razão da inexistência de contabilização de receita tributável. No julgado, chegou-se a afirmar que, pela lógica sustentada pelo contribuinte, “todas as vezes que uma isenção ou redução da base de cálculo de ICMS for concedida pelo Estado, automaticamente a União seria obrigada a  reduzir o IRPJ e  a  CSLL da empresa em verdadeira isenção heterônoma vedada pela Constituição Federal de 1988 e  invertendo a  lógica do precedente desta Casa julgado nos. EREsp nº 1.517.492/PR”.

Sem entrar no mérito dos argumentos exclusivamente jurídicos que estão sendo discutidos nos autos dos Recursos Especiais nº 1.945.110 e nº 1.987.158, vê-se que o contribuinte, apesar de investir seus esforços na discussão de um tema juridicamente possível, poderá não ser recompensado financeiramente ao final.  A contabilidade, como já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, não se sobrepõe aos dispositivos legais que versam sobre temas tributários, no entanto, é ferramenta fundamental para a quantificação dos valores que estão sendo discutidos a partir de critérios jurídicos.

Diante de tal contexto, temos que apesar de as isenções e reduções de base de cálculo atenderem aos critérios legais e contábeis para serem classificados como subvenções governamentais, não atendem aos critérios contábeis que permitam atribuir a essa discussão uma oportunidade de recuperação pelos contribuintes de um tributo pago a maior.

[1] O artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 prevê que as subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, não serão computadas na determinação do lucro real (caput), além de especificar, em seu §4º, que os benefícios de ICMS devem ser tratados como subvenções para investimento. Assim, do ponto de vista legal, pode-se defender a exclusão, do Lucro Real, dos valores decorrentes de isenções, diferimento, etc. Há outras discussões jurídicas envolvidas nos processos em comento (a Fazenda Pública argumenta, por exemplo, que benefícios concedidos sem a exigência de contrapartidas não configuram subvenção para investimento). No entanto, o presente artigo se aterá aos pontos que, em nossa visão, tornam a tese inócua.

[2] O Pronunciamento nº 00 do CPC prevê que, para que determinado valor seja caracterizado como passivo, deve existir a obrigação de transferir o recurso econômico. Não é esse o caso quanto aos valores de ICMS desonerados.

Fonte: Consultor Jurídico

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