OPINIÃO – CNJ e a necessidade de escritura em alienações fiduciárias de imóveis

Por Henrique Rodrigues Anders

Apenas entidades integrantes do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), Cooperativas de Crédito e Administradoras de Consórcio de Imóveis têm permissão para celebrar contratos de alienação fiduciária de bens imóveis por instrumento particular, conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em caso específico do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ-MG), Procedimento de Controle Administrativo — 0000145-56.2018.2.00.0000.

Por esse entendimento, instituições, incluindo empresas em geral, necessitam formalizar tais contratos por meio de escrituras públicas. Essa decisão está alinhada com as diretrizes do TJ-MG, expressas nos Provimentos nº 260/CGJ/2013 e nº 93/PR/2020, válidas no estado de Minas Gerais, assim como é a abrangência da decisão do CNJ.

No entanto, a decisão do CNJ parece não levar em consideração a própria legislação relativa tanto à exigibilidade de utilização de escrituras públicas para a prática de atos jurídicos, como relativa à alienação fiduciária de bens imóveis.

O artigo 108 do Código Civil Brasileiro (Lei Federal nº 10.406/2002) estabelece que “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país”.

Logo, a regra geral, no Brasil, é de que atos que transfiram direitos reais sobre imóveis, tal como a alienação fiduciária, na qual a propriedade fiduciária é transmitida ao credor, em garantia de uma dívida, devem ser praticados por meio de escritura pública.

Contudo, a alienação fiduciária sobre bem imóvel, no Brasil, foi criada e é regida por lei específica, a Lei Federal nº 9.514/97, a qual dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências.

O artigo 22 e seu parágrafo primeiro da Lei que conceituam a alienação fiduciária de bem imóvel e estabelecem: “A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.

“§1º  A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:” (…).

Já pelo parágrafo segundo do artigo 22 da Lei Federal 9.514/1997 temos que a alienação fiduciária não é exclusiva das entidades que operam o SFI, daí, temos o esclarecimento trazido pelo parágrafo segundo do artigo 5 da mesma Lei, nas seguintes palavras:

“§2º As operações de comercialização de imóveis, com pagamento parcelado, de arrendamento mercantil de imóveis e de financiamento imobiliário em geral poderão ser pactuadas nas mesmas condições permitidas para as entidades autorizadas a operar no SFI.”

Finalmente, o artigo 38 da Lei Federal 9.514/97 estabelece: “Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública”.

Portanto, há autorização legal clara para a celebração de contrato de alienação fiduciária, por meio de instrumento particular, com efeitos de escritura pública, exatamente como prevê o artigo 108 do Código Civil Brasileiro.

Ora, conforme levantamento realizado pelo próprio CNJ, constante da decisão mencionada acima, 20 dos 25 Tribunais de Justiça estaduais do Brasil admitem a celebração de contratos de alienação fiduciária de imóveis por instrumento particular, por entidades fora do âmbito do SFI, sendo os estados que não admitem os do Pará, Maranhão, Paraíba, Bahia e Minas Gerais.

A maioria dos Tribunais de Justiça segue a interpretação do artigo 108 do Código Civil, que estabelece a exigência de escritura pública apenas quando a lei não dispuser de forma diferente, aplicável a negócios jurídicos que envolvam direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 vezes o maior salário mínimo do país. No caso da alienação fiduciária de bens imóveis, o artigo 34 da Lei 9.514/97, que regula esse tipo de alienação, é claro ao permitir a utilização de escritura pública ou instrumento particular com efeitos equivalentes para a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis nos termos da referida lei.

Em seu voto, a senhora conselheira Candice Lavocat Galvão Jobim (relatora) ancora seu entendimento de que: “Em função disso, é defeso ao TJMG impor limites não previstos na norma primária”.

Ou seja, a própria decisão do CNJ reconhece que a posição do TJ-MG impõe limite não previsto em lei. Ora, ainda que o TJ detenha função de regulamentar os procedimentos e complementar os atos legislativos e normativos referentes aos serviços notariais e de registro do Estado de Minas Gerais, não compete ao Poder Judiciário alterar determinação de lei regularmente posta, como é o que se observa.

O CNJ reconhece que sua intervenção nesse assunto poderia afetar contratos já firmados em Minas Gerais, gerando potenciais disputas judiciais sobre a validade desses contratos.

Caso essa interpretação do CNJ prevaleça, contrariando o Código Civil e a Lei 9.514/97, haverá um aumento da burocracia e dos custos associados à alienação fiduciária de imóveis fora do SFI, o que prejudicaria o ambiente de negócios no país, já que a alienação fiduciária é amplamente utilizada como forma de garantia, representando um retrocesso significativo à instituição.

Fonte: Consultor Jurídico

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