OPINIÃO – Condomínio de ações nas SAs

Por Rubens Bezerra Filho e Jéssica Costa

Por muito tempo, o empresariado brasileiro optou pelo tipo societário “sociedade limitada” em detrimento da “sociedade anônima”. Os motivos para tanto centravam-se, em regra, em uma suposta formalidade excessiva e no consequente custo mais elevado que era atrelado às sociedades anônimas, mesmo as de capital fechado, que não possuíam ações negociadas em bolsa de valores ou mercado de balcão.

Nos últimos anos, contudo, a legislação inovou ao flexibilizar a normativa imposta às sociedades anônimas, tornando este tipo societário uma alternativa mais viável ao empresário brasileiro. Permitiu-se, a título de exemplo, que a diretoria das companhias seja composta por um único membro, que o administrador das companhias seja residente ou domiciliado no exterior, desde que constitua representante no país, e que companhias fechadas com receita bruta anual de até R$ 78 mil realizem suas publicações obrigatórias de forma eletrônica, na Central de Balanços do SPED, ou substituam seus livros societários por registros mecanizados ou eletrônicos.

Deste modo, ante a possibilidade de uma crescente opção pela sociedade anônima, em especial a de capital fechado, é importante que a normativa da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, também conhecida como “Lei das S.A.”, que rege as sociedades por ações, esteja clara àqueles que desejam se valer deste tipo societário para desenvolvimento de suas atividades.

Um aspecto relevante trazido pela Lei das S.A. é a indivisibilidade das ações, isto é, o fato de que as ações são consideradas indivisíveis em relação à companhia e que impede, por exemplo, que uma única ação seja partilhada entre dois acionistas diferentes, para que cada um usufrua de metade dos direitos conferidos pela ação. Nada impede, entretanto, que duas ou mais pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, detenham esta única ação em conjunto, utilizando-se do instituto do condomínio de ações. No mesmo sentido, um lote de ações, a rigor divisível, pode tornar-se indivisível por vontade das partes, se instituído o condomínio sobre o lote de ações.

O condomínio de ações, apesar de ainda pouco utilizado, é admitido expressamente pela Lei das S.A. Esse instituto permite que as ações em condomínio pertençam a mais de uma pessoa, na proporção entre elas pactuada, sujeitando-se à normativa prevista no Código Civil que regula o Condomínio Voluntário (artigos 1.314 a 1.326). Desta forma, os direitos conferidos por tais ações somente poderão ser exercidos pelo representante do condomínio informado à companhia, que poderá ser um dos condôminos ou um terceiro por eles eleito.

Quem optar pelo condomínio de ações, portanto, precisará estar ciente de que o direito de voto não poderá ser exercido de forma individual por nenhum dos condôminos, em sede de assembleia geral, com relação ao seu quinhão, pois somente quem poderá fazê-lo é o representante do condomínio. Ressalta-se, contudo, que o representante do condomínio, para proferir seu voto, precisará observar as deliberações tomadas entre os condôminos quando definidas por um quórum de maioria absoluta, considerando-se o quinhão de cada condômino.

É possível, ainda, que os condôminos, na relação que possuem entre si, estabeleçam regras relativas ao voto a ser emitido pelo representante do condomínio na deliberação de determinadas matérias, mas estas regras serão estranhas à companhia. Além disso, na inexistência de prévia convenção ou manifestação por parte dos condôminos, o representante do condomínio estará livre para exercer o voto nas assembleias gerais da companhia a seu único e exclusivo critério.

À participação de cada condômino no condomínio dá-se o nome de “fração ideal”. A legislação admite que os condôminos alienem sua fração ideal no condomínio de ações, tanto para os outros condôminos, quanto para terceiros; contudo, para que o façam, a exigência que se impõe é que a fração ideal seja ofertada, primeiramente, aos condôminos remanescentes, nas mesmas condições em que seria ofertada a terceiros, pois aqueles teriam direito de preferência na sua aquisição.

De acordo com o artigo 1.320 do Código Civil, condôminos podem acordar que a coisa em comum fique indivisa por um prazo de até cinco anos, cuja prorrogação é admitida; todavia, transcorrido o prazo em questão, a consequência não seria a extinção automática do condomínio, mas sim a possibilidade de os condôminos exigirem, inclusive judicialmente, a divisão ou a alienação do bloco de ações. Em se tratando de condomínio instituído com relação a uma única ação, por não ser viável a divisão, restaria apenas a possibilidade de alienação judicial da ação. Ainda, importante mencionar que, não havendo definição quanto ao prazo, o direito de exigir a divisão ou alienação do bloco de ações poderá ser exercido a qualquer tempo por qualquer dos condôminos.

O condomínio de ações pode constituir alternativa interessante, no âmbito empresarial, em cenários dos mais diversos. O instituto pode demonstrar-se útil, por exemplo, no aspecto sucessório, para evitar que conflitos entre herdeiros impactem o desenvolvimento das atividades da companhia, já que eventuais conflitos poderiam ser resolvidos em deliberações dos condôminos. Na mesma esteira, o instituto pode viabilizar a atração de investidores sem que estes estabeleçam uma relação direta com a companhia e com os demais acionistas, propriamente, pois os investidores estariam isolados na relação condominial travada com determinado(s) acionista(s) da companhia.

Em razão, contudo, das particularidades inerentes a cada caso, recomenda-se que haja uma consulta prévia a profissionais especializados para instituição do condomínio de ações. Apesar da legislação vigente admitir a formatação de diferentes desenhos mais ou menos apropriados a cada caso, é preciso que os limites legais sejam observados para que se alcance o objetivo pretendido sem que se incorra em qualquer invalidade e sem exposição a riscos indesejados pelas partes envolvidas.

Fonte: Consultor Jurídico

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