OPINIÃO – Contraprestação pela atividade econômica como condição de incidência do PIS/Cofins

Por Aurélio Longo Guerzoni e Odassi Guerzoni Filho

Essa questão pode impactar diversas discussões em curso, como, por exemplo, as que tratam da tributação, pelo PIS e Cofins, 1) dos juros recebidos na repetição de indébito, 2) do perdão de dívidas concedido em determinadas anistias (por exemplo, Pert), 3) das receitas financeiras das reservas técnicas das seguradoras, 4) do rateio de despesas de serviços compartilhados (cost sharing agrements), 5) dos créditos presumidos de IPI, 6) das receitas financeiras propiciadas pelos excedentes das provisões técnicas da atividade de previdência complementar etc.

Em nossa visão, a Constituição, a legislação infraconstitucional e manifestações da própria Receita Federal sinalizam que a incidência do PIS e da Cofins alcança apenas o produto representado pelo preço recebido em razão do oferecimento de utilidade a terceiro.

De acordo o artigo 195, I, “b”, da Constituição, é possível exigir contribuições sociais sobre a “receita” da “empresa”. Por sua vez, o §9º do artigo 195, da Constituição, autoriza a calibração das respectivas alíquotas em razão da “atividade econômica” da empresa.

Desse modo, o Constituinte parece ter entrelaçado os conceitos de “empresa”, “atividade econômica” e “receita”. Afinal, se o desenvolvimento da atividade econômica justifica a diferenciação de alíquotas, essa mesma atividade econômica parece representar adequada medida para sustentar a incidência das respectivas contribuições sociais, inclusive pela perspectiva da capacidade contributiva.

E a “atividade econômica” está fundamentalmente ligada à promoção de utilidade a terceiros, mediante amplo oferecimento de bens e serviços, condicionado ao recebimento do preço. Por essa lógica, a “atividade econômica” capaz de suportar a tributação demanda a exteriorização de algo próximo ao sinalagma, caracterizado pela existência de vínculo entre o fornecimento de utilidade e a contraprestação representada pelo pagamento do respectivo preço.

É por isso que, pela perspectiva constitucional, os valores decorrentes de fatos desprovidos do binômio utilidade/contraprestação parecem não atrair a incidência do PIS e da Cofins.

Esse olhar foi externado pelo ministro (atualmente aposentado) Cezar Peluso ao, na condição de relator do RE 400.479, cujo julgamento foi finalizado em 14.06.2023, apontar que “a atividade empresarial só se concebe, explica e entende enquanto voltada ao mercado no propósito de entregar-lhe utilidades, conveniências, valores e benefícios”.

É certo que esse julgado analisou a amplitude do termo “faturamento” constante do artigo 195, I, “b”, da Constituição, mas não há razões capazes de afastar a adoção de idêntica conclusão ao termo “receita”, igualmente constante do artigo 195, I, “b”, da Constituição.

Ainda, para as empresas submetidas à apuração cumulativa do PIS e da Cofins (Lei nº 9.718/98), a análise da legislação infraconstitucional também provoca a adoção da mesma conclusão.

De acordo com o artigo 3º da Lei nº 9.718/98, a base de cálculo do PIS e da Cofins consta do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77, que, em seus incisos, estabelece a incidência sobre: 1) o produto da venda de bens nas operações de conta própria; 2) o preço da prestação de serviços em geral; 3) o resultado auferido nas operações de conta alheia; 4) as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica.

Ou seja, todas as bases de tributação do PIS e da Cofins representam atividades econômicas marcadas pelo binômio utilidade/contraprestação (sinalagma). Não há previsão de tributação sobre valores obtidos por meio distinto do desenvolvimento da atividade econômica (oferecimento de utilidade e recebimento do preço).

Tanto por isso que a Solução de Consulta Cosit nº 97/2018 assentou que a tributação alcança apenas as “receitas provenientes do giro normal do negócio, geradas em sua atividade empresarial, ainda que, por hipótese, a atividade desenvolvida não conste formalmente como objeto social em seu instrumento de constituição, tudo isso em conformidade ao artigo 12 do Decreto nº 1.598, de 1977”.

Ainda mais incisiva foi a Solução de Consulta Cosit nº 30/2019, segundo a qual “o fator relevante para determinar se há a incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins no regime de apuração cumulativa sobre determinada receita (inclusive receita financeira) é a existência de vinculação dessa receita à atividade negocial/empresarial desenvolvida pela pessoa jurídica nos termos de seus atos constitutivos ou de sua prática econômica”.

É por isso que, pela perspectiva infraconstitucional e da própria Cosit, os valores recebidos em razão de circunstâncias desprovidas do binômio preço/contraprestação encontram-se fora do alcance do PIS e Cofins.

A mesma conclusão pode ser adotada para as empresas submetidas ao regime não-cumulativo de apuração do PIS e da Cofins (Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03).

De acordo com o caput do artigo 3º de ambas as leis que tratam da não-cumulatividade, a incidência ocorre sobre “o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil”.

A amplitude do caput do artigo 3º foi delimitada pelo seu §1º, segundo o qual “o total das receitas compreende a receita bruta de que trata o artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os seus respectivos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do artigo 183 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976“.

Quanto à parte da regra que trata da incidência sobre as bases estabelecidas pelo artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77, foi demonstrado acima que a tributação é restrita aos valores derivados de atividades econômicas marcadas pelo binômio utilidade/contraprestação.

Na parte em que a regra versa sobre a incidência sobre todas as demais receitas com os seus respectivos valores de ajuste a valor presente (artigo 183, VIII, da Lei das S/A), parece-nos que a tributação igualmente está limitada ao produto do desenvolvimento da atividade econômica.

Afinal, a expressão “todas as demais receitas” foi atrelada ao “ajuste a valor presente” de que trata o artigo 183, VIII, da Lei das S/A, segundo o qual os “elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo serão ajustados a valor presente”. Ou seja, mais uma vez, a lei projetou a tributação sobre as “operações” econômicas da entidade, marcadas pelo oferecimento da utilidade e pagamento do respectivo preço (contraprestação).

Aliás, essa interpretação é a única condizente com a Constituição (artigo 195, I, “b”, e §9º), que irradia a lógica de que a receita deve refletir os valores recebidos a título de contraprestação (preço) em razão da prestação de determinada utilidade.

Desse modo, a solução das remanescentes controvérsias sobre o PIS e a Cofins demanda reflexões sobre a presença de contraprestação da atividade econômica, o que pode inviabilizar a tributação dos valores alheios ao binômio utilidade/preço.

Fonte: Consultor Jurídico

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