OPINIÃO – CVM emite parecer de orientação sobre criptoativos: e agora?

Por Isac Costa

Em 11/10/2022, a CVM editou o Parecer de Orientação nº 40/22 intitulado “Os CriptoAtivos e o Mercado de Valores Mobiliários”. Apesar de reações iniciais que mesclam frustração e resignação, por não se tratar de uma norma, a autarquia não poderia inovar sobre o tema.

O parecer menciona tecnologias de registro distribuído e “criptoativos” e não “ativos virtuais” do PL nº 4.401/22. Nas ofertas de tokens que venham a ser reguladas, há um rol mínimo de informações a serem fornecidas, tais como mecanismos de consenso, gestão do ciclo de vida do software (caso de forks, por exemplo) e controles de estabilidade de preços, que são aspectos típicos de criptoativos.

É bem-vinda a classificação funcional que segrega tokens de utilidade de tokens de pagamento e, especialmente, de tokens referenciados em ativos. Essa última categoria é a que mais interessa a quem deseja emitir tokens como investimento e sua adoção desestimulará narrativas mirabolantes como a de afirmar que a “utilidade” é o retorno do investimento realizado. Nesse contexto, afirma o parecer, são exemplos de asset-backed tokens “os ‘security tokens’, as stablecoins, os non-fungible tokens (NFTs) e os demais ativos objeto de operações de ‘tokenização'”.

De acordo com o parecer, se o benefício econômico oferecido ao adquirente de token ofertado publicamente decorrer diretamente de “participação ou resgate do capital, acordos de remuneração e recebimento de dividendos” e esse benefício resultar “preponderantemente do esforço do emissor (ou de terceiro)”, estaremos diante de um valor mobiliário – este esforço pode ser “a criação, aprimoramento, operação ou promoção do empreendimento”.

A CVM manteve ainda a impossibilidade de fundos investirem diretamente em criptoativos, frustrando a expectativa de muitos, mas sinalizando que o assunto será enfrentado após análises adicionais.

Um ponto adicional do parecer é a caracterização de ofertas públicas por meio da internet mesmo em idioma estrangeiro, com exigência de login e senha e com mecanismos para facilitar o acesso a investidores brasileiros (vale revisitar, diante dessa orientação, o caso de oferta de derivativos da Binance em português de Portugal, mas não em português brasileiro).

Apesar das orientações contidas no parecer e da evolução da compreensão do tema pelo regulador brasileiro, quem empreende na criptoeconomia ainda não conta com um nível mínimo de segurança jurídica, especialmente pela falta de critérios para excluir certos grupos de tokens mais comuns do conceito de valor mobiliário.

Por exemplo, devemos afastar a natureza de security token se o risco de recebimento do ativo subjacente não for transferido ao investidor? Se a resposta for positiva, então abre-se espaço para tokenização de títulos de responsabilidade de instituição financeira, precatórios, cotas contempladas de consórcio, recebíveis do mecanismo de solidariedade da Fifa, créditos de carbono, créditos dos mercados de energia elétrica e outros produtos já lançados por tokenizadoras brasileiras, desde que essas assegurem o pagamento aos investidores de alguma forma.

Igualmente, não resta claro se um token deixa de ser valor mobiliário se não prevê o pagamento direto de algum tipo de dividendo ou benefício econômico (como se discute no caso XRP na disputa entre SEC e Ripple nos EUA).

Nas duas situações indicadas, se estivermos diante de asset-backed token que não seja security token, o regime aplicável será o de ativos virtuais, quando a respectiva lei for aprovada, com potencial redução de custos regulatórios de novos projetos.

O escopo de atuação de uma tokenizadora é um híbrido entre companhia securitizadora, gestora de carteira de direitos creditórios e plataforma de crowdfunding, pois envolve várias atividades, tais como a emissão do token enquanto fração de um ativo subjacente, uma espécie de administração fiduciária do ativo subjacente, a infraestrutura do controle da propriedade do token (decisões de tecnologia e de formalização do vínculo contratual), a disponibilização de um ambiente multilateral de negociação, cadastro dos investidores (KYC), controle do fluxo de recursos, eventual contratação de seguros para a operação e outras.

Ao exercer a intermediação de ativos financeiros, uma tokenizadora encontra-se em uma posição privilegiada em termos de assimetria de informação e pode ser conveniente, como opção regulatória, estabelecer deveres fiduciários e de transparência, além de vedações para mitigar conflitos de interesses.

Apesar do esforço prévio na originação de créditos que são tokenizados, a análise da qualificação jurídica do token pode considerar ainda a atividade de seleção do crédito e administração da operação mediante remuneração como um “esforço do empreendedor ou de terceiros”, com riscos aos investidores e ao mercado. Resta saber se esse risco justifica uma regulação do calibre da do mercado de valores mobiliários e se aceitamos o efeito colateral da criação de uma reserva de mercado, nesse caso. Afinal, está em discussão a liberação de fundos de investimentos em direitos creditórios para investidores de varejo e gestoras e distribuidoras podem considerar a tokenização em massa como obstáculo nesse novo nicho de mercado.

Um derradeiro ponto não abordado pelo parecer, mas realidade do mercado há alguns anos, é a gestão discricionária de recursos mediante operações com criptoativos. Se esses não forem valores mobiliários, esta atividade estaria sujeita a autorização prévia? Isto é, se uma empresa como a GAS, em vez de oferecer rentabilidades exageradas, cobrasse taxa de administração ou até mesmo taxa de desempenho, deveria ter autorização como gestora de carteira?

O parecer de orientação é mais um passo importante na construção da regulação cripto no Brasil, que se mantém conectado ao debate internacional. Resta saber como será a aplicação das regras vigente à luz dessas novas orientações e o tempo e a profundidade das respostas a consultas que os agentes de mercado venham a fazer à CVM.

Fonte: Consultor Jurídico

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