OPINIÃO – Direito a crédito de ICMS sobre operações com álcool etílico adquirido com diferimento

Por Deonísio Koch

Está em julgamento no Supremo Tribunal Federal, no RE 781.926, o direito ao crédito do ICMS sobre as operações diferidas de álcool etílico anidro adquirido das usinas e destilarias para ser misturado na gasolina. O pleito é das distribuidoras de combustíveis, que pretendem utilizar este crédito no sistema de compensação, com fundamentos no princípio da não cumulatividade, nos termos do artigo 155, § 2º, I, da Constituição[1].

Até o momento do fechamento deste artigo, o ministro Dias Tóffoli havia votado pela negativa deste crédito, argumentando que a inexistência de cobrança do tributo na etapa anterior (operação diferida) não autorizaria o creditamento no destinatário da mercadoria, fundamentando a sua conclusão na Constituição que instituíra o princípio da não cumulatividade do imposto, sendo seguido no voto pela ministra Cármen Lúcia, propondo a seguinte tese para o tema nº 694 de repercussão geral:

“O diferimento do ICMS relativo à saída do álcool etílico anidro combustível das usinas ou destilarias para o momento da saída da gasolina C das distribuidoras (Convênios ICMS nº 80/97 e 110 /07) não gera o direito de crédito do imposto para as distribuidoras.”

O julgamento foi interrompido por conta do pedido de vista do ministro André Mendonça.

Parece que a solução encaminha pela tese está alinhada com os fundamentos do princípio da não cumulatividade.

Ainda que o diferimento represente apenas uma postergação do pagamento do imposto, o que permite dizer que a operação diferida não afasta a ocorrência do fato gerador, ou da materialidade de incidência tributária, o fato é que o não recolhimento na operação diferida parece não dar suporte jurídico para reivindicar o crédito pelo destinatário. Melhor explicando, nessa técnica de arrecadação, que consiste em deslocar o critério temporal do recolhimento para uma operação subsequente, subsume-se o pagamento do tributo devido na operação tributada seguinte dentro do mesmo estado. Ou seja, havendo operação tributada seguinte, considera-se recolhido o ICMS diferido referente à etapa anterior; não havendo essa operação seguinte tributada, o destinatário deve recolher o imposto anteriormente diferido, como responsável tributário. Por isso não é correto qualificar a operação diferida como não tributada, pois que o comando normativo incide somente sobre o dever de recolhimento, não sobre a hipótese de incidência do imposto.   

No entanto, o que se pretende enfocar nesse artigo são duas questões relacionadas ao tema diferimento do ICMS, e suas repercussões na apuração do imposto devido, bem no creditamento.

Na primeira abordagem pretende-se reafirmar que uma operação diferida deve ser havida como operação tributada para determinados fins, mesmo que não tenha a aptidão para a transferência de crédito. Uma operação diferida não representa nenhum benefício fiscal, no sentido de renúncia fiscal pelo ente tributante [2]; é apenas o deslocamento do critério temporal do recolhimento do tributo. Isso tem reflexo no dimensionamento do crédito a ser auferido na proporção das operações tributadas pelo estabelecimento. Na regulamentação da apropriação do crédito do ICMS, as legislações estaduais determinam que o crédito relativo à aquisição de bens para o ativo imobilizado deve ser apropriado na proporção das operações ou prestações tributáveis pelo estabelecimento. Pois bem, para este cálculo proporcional, as operações e prestações diferidas devem ser consideradas como tributadas. Porque de fato assim o são. Não se trata de isenção, de não incidência ou imunidade, mas apenas de um deslocamento temporal do recolhimento.

Um segundo ponto relacionado ao crédito decorrente das operações diferidas diz respeito à possibilidade ou não de transferência do crédito acumulado pelo contribuinte que tem as suas operações sujeitas ao diferimento do imposto. E aqui se propõe extrapolar essa análise para além do caso em julgamento. A discussão serve para todas as situações semelhantes, com operações diferidas sem direito ao crédito pelo destinatário.

Melhor explicando: o contribuinte remetente das mercadorias, cujas operações são sujeitas ao diferimento do ICMS (no caso em julgamento, a usina remetente do álcool etílico anidro), ao adquirir os insumos para a fabricação do produto a ser vendido com o ICMS diferido, (o que pode também ocorrer na atividade comercial), acaba registrando o crédito do imposto referente a estas aquisições. Sendo as suas operações seguintes de venda diferidas, não terá oportunidade para fazer a efetiva apropriação desses créditos na compensação com o débito, resultando no fenômeno do crédito acumulado, inútil, sem valor real.

A questão é: teria esse contribuinte que acumulou crédito direito a uma forma de sua transferência, visando dar-lhe um aproveitamento econômico? Entendemos que sim, sob pena de enriquecimento sem causa do estado do valor correspondente ao montante acumulado. Este crédito acumulado, sem aproveitamento, representa a quebra no ciclo da compensação da não cumulatividade do imposto. Se há um crédito solto, inútil, registrado numa conta gráfica por conta da interrupção do sistema de compensação, há uma vantagem do estado e prejuízo do contribuinte na cadeia de circulação das mercadorias no tocante à não cumulatividade.

Necessário lembrar que não se trata de hipótese de vedação do crédito em razão da isenção ou não incidência das operações seguintes, nos termos do artigo 155, §2, II, alíneas “a” e “b”, da Constituição Federal. No caso de diferimento, enfatizamos, as operações subsequentes são tributadas, não havendo razão para vedação ou estorno de crédito relacionado às operações anteriores.

Portanto, se o direito é inafastável, cabe ao estado disciplinar esta forma de transferência para dar fiel cumprimento ao princípio constitucional, que não pode ser violado por nenhuma norma de estatura subalterna e nem por regimes de arrecadação, que resultem em descarte de crédito que pelo regime normal seria aproveitado na conta de compensação.


[i] Artigo 155 […], § 2º […], “I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.

[2] Pelo fato de não ser benefício fiscal, não se sujeita às regras da LC 24/74 e das deliberações do Confaz.

Fonte: Consultor Jurídico

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