OPINIÃO – ICMS-antecipação em SP: inconstitucionalidade do artigo 426-A do RICMS

Por José Luis Ribeiro Brazuna e Edward Shindy Toma

As mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária, referidas nos artigos 313-A a 313-Z20, do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo, também estão sujeitas à sua subespécie denominada “ICMS-antecipação”, prevista no artigo 426-A, do RICMS/00[1], segundo a qual, na entrada no território paulista, o contribuinte que constar como destinatário no documento fiscal deverá recolher antecipadamente o imposto correspondente: (i) à sua operação própria de saída (ICMS-próprio); e (ii) às operações subsequentes, na condição de sujeito passivo por substituição (ICMS-ST).

A exigência desse imposto não segue a ordem tradicionalmente vista na substituição tributária para frente, em que se exige a antecipação do imposto na saída da mercadoria do estabelecimento do substituto, na medida em que o artigo 426-A impõe que o ICMS-próprio e o ICMS-ST sejam recolhidos: (i) pelo destinatário paulista que constar no documento fiscal; e (ii) na entrada da mercadoria no território desse estado.

Ambos os recolhimentos devem ser feitos de forma conjunta, sem distinção entre a parcela relativa ao ICMS-próprio e ao ICMS-ST, e em guia de recolhimentos especiais[2], o que inviabiliza, na prática, o pagamento desse imposto com o saldo credor controlado em Guia de Informação e Apuração do ICMS (GIA), sendo o dinheiro, em espécie, a única forma aceita para recebimento do valor correspondente.

Não é de se admirar, portanto, que esse tipo de recolhimento venha sufocando o fluxo de caixa das empresas paulistas. Afinal, o imposto deverá ser recolhido na entrada da mercadoria no estabelecimento, o que impossibilita a utilização do produto da venda para pagamento do tributo correspondente, além de incidir sobre um fato gerador presumido que pode não se realizar, sujeitando os contribuintes à tortuosa via do ressarcimento do imposto retido por sujeição passiva por substituição, prevista nas Portarias CAT 17/1999 e 42/2018.

Para além dos problemas de ordem prática, parece-nos que artigo 426-A, do RICMS/00, carece também de fundamento jurídico, sendo inconstitucional a sua exigência.

No dia 17/8/2020, foi concluído o julgamento do RE nº 598.677/RS, por meio do qual o STF apreciou o Tema nº 456 de repercussão geral e reconheceu a inconstitucionalidade da antecipação tributária do ICMS, sem substituição, no estado do Rio Grande do Sul.

 Para o Supremo, o que se antecipa, nesse tipo de regime, é o critério temporal da hipótese de incidência, sendo inconstitucionais a regulação da matéria por decreto do Poder Executivo e a correspondente delegação genérica contida em lei, já que o momento da ocorrência do fato gerador é um dos aspectos da regra matriz de incidência, estando assim submetido à reserva legal.

Apesar de o julgamento tratar de norma editada pelo Rio Grande do Sul, parece-nos que a fundamentação se aplicaria de forma idêntica à norma paulista, diante da delegação absolutamente genérica que consta no artigo 2º, § 3º-A, da Lei nº 6.374/89[3], que acaba por macular de inconstitucionalidade o inciso I do artigo 426-A.

E não apenas o ICMS-próprio, exigido por antecipação, careceria de fundamentação legal.  Segundo entendimento firmado pelo Supremo neste mesmo julgado de repercussão geral, a antecipação do fato gerador do ICMS-ST demandaria previsão em lei complementar, o que também não existe, de forma que o inciso II, que prevê a antecipação das operações subsequentes, também seria inconstitucional.

Daí porque a maioria dos casos apreciados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) vem sendo julgada de forma favorável aos contribuintes[4], afastando-se a exigência contida no artigo 426-A, do RICMS/00.  Isto já foi feito, inclusive, em sede de juízo de conformidade (artigo 1.040, inciso II, do CPC), o que abre margem para o pedido provisório fundado em tutela de evidência[5], além de demandar que o mérito seja apreciado na forma dos artigos 927, inciso III[6], e 932, inciso IV, alínea “b”, do CPC[7].

Parece-nos, portanto, ser inconstitucional a exigência antecipada do ICMS-próprio e do ICMS-ST, do modo como é feito pelo Estado de São Paulo, no artigo 426-A, do RICMS/00, o que ocorre em razão da delegação genérica contida na Lei nº 6.374/89, para a cobrança do ICMS-próprio, e da ausência de lei complementar, para a exigência do ICMS-ST.

O afastamento dessa obrigação tributária, além de privilegiar o entendimento do STF no julgamento do tema 456 de repercussão geral, representa importante alívio ao caixa das empresas submetidas a essa forma de tributação antecipada, as quais estão impedidas de utilizar o saldo credor e o produto da venda para pagamento do tributo correspondente, o que ofende o princípio da não-cumulatividade.


[1] Artigo 426-A – Na entrada no território deste Estado de mercadoria indicada no § 1°, procedente de outra unidade da Federação, o contribuinte paulista que conste como destinatário no documento fiscal relativo à operação deverá efetuar antecipadamente o recolhimento (Lei 6.374/89, art. 2°, § 3°-A):

I – do imposto devido pela própria operação de saída da mercadoria;

II – em sendo o caso, do imposto devido pelas operações subsequentes, na condição de sujeito passivo por substituição.

§ 1° – O disposto neste artigo aplica-se às mercadorias sujeitas ao regime jurídico da substituição tributária referidas nos artigos 313-A a 313-Z20, exceto se o remetente da mercadoria tiver efetuado a retenção antecipada do imposto, na condição de sujeito passivo por substituição, conforme previsto na legislação.

[2] § 4° – O imposto calculado nos termos do § 2° será recolhido por meio de guia de recolhimentos especiais, conforme disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda:

[3] Artigo 2º – Ocorre o fato gerador do imposto: (…) § 3º-A – Poderá ser exigido o pagamento antecipado do imposto, conforme disposto no regulamento, relativamente a operações, prestações, atividades ou categorias de contribuintes, na forma estabelecida pelo Poder Executivo.

[4] Segundo levantamento feito até 20.6.2022, dos 12 (doze) casos que tratam da matéria, 8 (oito) foram integralmente favoráveis, 3 (três) desfavoráveis e 1 (um) parcialmente favorável, com o afastamento do ICMS-próprio, mas não do ICMS-ST.

[5] Art. 311. A tutela de evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: (…) II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

[6] Art. 927. Os juízes e tribunais observarão: (…) III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

[7] Art. 932. Incumbe ao relator: (…) IV – negar provimento a recurso que for contrário a: (…) b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos.

Posts relacionados

Deixe um comentário