OPINIÃO – Importância de regras claras nos contratos de dissolução parcial e apuração de haver

Por Ana Lúcia Alves da Costa Arduin

Ao contratar uma sociedade de pessoas, fazemos votos para o seu sucesso. Porém, é, justamente, neste momento mais empolgante, que devemos nos conscientizar da importância de investir tempo, debatendo e definindo as regras que serão aplicadas, no caso do desfazimento da sociedade.

A sociedade simples pura, antigamente conhecida por sociedade civil, está regulada no artigo 997 e seguintes, do Código Civil. Nele, estão previstas as cláusulas essenciais do contrato social, admitindo-se as quotas de serviços e as quotas patrimoniais.

São sociedades nas quais o vínculo entre os sócios é preponderantemente pessoal, ficando realçado o intuitu personae da sociedade. Este caráter pessoal é facilmente percebido nos artigos que regem este tipo de sociedade.

Por exemplo, o artigo 999, do Código Civil, estabelece que as modificações do contrato social, que visem mudar qualquer matéria prevista no artigo 997 (cláusulas essenciais), exigirão a aprovação unânime dos sócios. Tal exigência recairá, portanto, sobre qualquer alteração da composição societária, da denominação, do capital, do objeto social, da sede, do prazo de vigência, do número de quotas de cada sócio, da forma de integralização da quota, da responsabilidade dos sócios, do critério de participação em lucros e nas perdas etc.

O artigo 1.002, por sua vez, prevê que o sócio não poderá ser substituído em suas funções sem o consentimento dos demais sócios, expresso em modificação do contrato social.

Por outro lado, o artigo 1.006, estabelece que o sócio, cuja quota consista em serviços, não pode empregar-se em atividade estranha à sociedade, salvo mediante o consentimento dos demais sócios, sob pena de ser privado de seus lucros e ser excluído dela.

Já o artigo 1.003 do Código Civil estabelece que “a cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social, com o consentimento dos demais sócios não terá eficácia quanto a estes e a sociedade”.

Percebe-se que o legislador assumiu o caráter pessoal das sociedades simples, ao dispor que todos os sócios deverão aprovar e assinar, em conjunto, o instrumento contratual que dispuser sobre a cessão de participação societária. Depreende-se daí o caráter pessoal do vínculo. 

Nas sociedades limitadas não é muito diferente. Como regra, é considerada uma sociedade de pessoas, e não de capital.  Isto quer dizer que o vínculo societário entre as partes está, também, fundamentado, de forma preponderante, nos respectivos atributos pessoais. 

São sociedades nas quais a dedicação do sócio, pessoalmente, ao negócio assume maior peso ou relevância. O aporte de capital, ou de outros recursos materiais, torna-se irrelevante ou até mesmo dispensável para o sucesso da atividade.

O artigo 1.057, do Código Civil, dispõe, no caso de Sociedades Limitadas, que, “na omissão do contrato, o sócio poderá ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente da audiência de outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social”.   

Apesar do legislador admitir que as partes poderiam prever regras distintas, optou por trazer um regramento geral, no qual o caráter pessoal da sociedade é, novamente, afirmado. 

As sociedades profissionais, tais como a de contadores, de arquitetos, de médicos, de advogados, de prestadores de serviços, são, portanto, sociedades de pessoas, pois os atributos pessoais e profissionais das partes envolvidas são essenciais para o nascimento e manutenção do vínculo societário. 

Reconhecemos, portanto, que, nestas sociedades, a dedicação pessoal do sócio é fator determinante para a execução e cumprimento do objetivo social.

Desta forma, quando a sociedade é de pessoas, e não de capital, deve-se ter maior preocupação com o regramento contratual de uma série de matérias, pois a eventual mudança na composição societária afetará, inegavelmente, a sua estrutura. De fato, se um sócio pretender desvincular-se, tornar-se impedido, doente, ou até mesmo vir a falecer, haverá um impacto notável no negócio.  

Os eventos acima citados podem desencadear duas situações distintas:

1) A primeira situação seria aquela em que os sócios remanescentes consideram que a mudança na composição societária, em virtude do desligamento de um dos sócios, inviabiliza a manutenção da sociedade e, diante disso, decidem encerrar a sociedade. Neste caso, teríamos a dissolução total da sociedade. 

2) A segunda situação seria aquela em os sócios optam pela dissolução parcial da sociedade, isto é, realizam o desfazimento de vínculo societário com a parte que deu causa ao evento, mantendo a sociedade ativa com os sócios remanescentes. 

Nos casos acima, é imprescindível redigir cláusulas contratuais que confiram às partes soluções adequadas e objetivas para enfrentar os eventos de crise, pois o destino da sociedade estará sendo desafiado.   

Tais cláusulas possuem o objetivo de determinar, de antemão, o que acontecerá com a sociedade, com os sócios e com os eventuais herdeiros do sócio falecido, nos casos especificamente previstos, evitando conflitos desnecessários, litígios, custos, paralizações da atividade fim, entre outros efeitos negativos. 

Entre as cláusulas mais importantes, destacamos:

1) a possibilidade ou não de penhora de quotas, em caso de dívidas pessoais dos sócios;

2) a possibilidade ou não de cessão de quotas a terceiros ou a outro sócio, e em quais condições;

3) a possibilidade de ingresso de herdeiros, inclusive cônjuges, ex-companheiros, ex-cônjuges em caso de divórcio ou partilha de bens;

4) apuração de haveres, participação em perdas, repartição de lucros futuros, se for o caso; e

5) a necessidade de fixar matérias societárias que exigirão maioria qualificada para aprovação e a possibilidade de recesso do sócio divergente.

Outro ponto que merece atenção das partes, é o regramento do direito de retirada. Trata-se de um direito potestativo, incondicionado, que se baseia na premissa de que não existem compromissos eternos.

No entanto, é importante regular no contrato social o procedimento que deverá ser seguido, caso um sócio decida, voluntariamente, se retirar, haja vista que a retirada unilateral do sócio poderá comprometer, frontalmente, o destino da sociedade.

Além disso, é importante tratar, no contrato social, da forma de implementação do direito de retirada, sob pena de não surtir os efeitos desejados. Isto é, devem as partes prever, contratualmente, os direitos que possuirão, até mesmo, por meio de cláusulas mandato, para permitir a plena execução do direito de desligamento, possibilitando o registro do ato de modificação do contrato social, em todos os órgãos públicos pertinentes, por iniciativa da parte retirante, evitando, assim, a eventual prorrogação indesejada do vínculo societário, ante a eventual desídia dos sócios remanescentes. 

Finalmente, é importantíssimo discutir os critérios para apuração dos haveres do sócio que estará se desligando. O critério predominante na jurisprudência atual é o do valor patrimonial real, baseado em balanço de determinação, ou seja, aquele levantado na data do evento de dissolução parcial.  Os bens do ativo e do passivo devem, portanto, ser avaliados a valor de mercado, isto é, segundo o seu preço de saída ou venda.

No entanto, nas sociedades de pessoas, existem particularidades que devem ser observadas.  A primeira delas é que, nas sociedades de pessoas, normalmente os ativos físicos, tangíveis, possuem menor importância ou valor para a atividade e seu patrimônio.  Em segundo lugar, o ativo intangível, representado pelo valor incorpóreo atribuído à própria capacidade do sócio de gerar renda para a sociedade, pertence a ele mesmo, não devendo ser computado para fins de apuração de haveres.  No entanto, rendas futuras advindas de contratos de execução continuada, contratos a prazo certo, bem como honorários ad exitum, verbas sucumbenciais, entre outras, devem compor o quantum a ser apurado, à vista da rescisão dos vínculos societários. 

As partes devem buscar definir um critério de mensuração do patrimônio, sem causar benefícios ou vantagens indevidas para um dos lados, levando em conta as circunstâncias específicas da sociedade em questão.

Diante das considerações acima, é importante que os sócios, antes de contratarem suas sociedades, disponham-se a negociar, abertamente, as regras que determinarão as bases para o desfazimento dos vínculos societários, mitigando riscos de conflitos futuros e custos desnecessários.

Fonte: Consultor Jurídico

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