OPINIÃO – Licitação e a possibilidade de transferência de acervo técnico entre PJs

Por Bruno Cardoso Maia

Nas contratações públicas é comum que seja exigido do licitante a demonstração de sua capacidade técnica-operacional [1], que consiste na comprovação de que a empresa (pessoa jurídica), como unidade jurídica e econômica, tem experiência anterior na execução de objeto similar aquele da licitação em que pretende concorrer [2].

Dúvida recorrente entre os licitantes diz respeito à possibilidade ou não de transferir para outra pessoa jurídica seu acervo técnico, ou seja, transferir para outra empresa sua experiência anterior e seu know-how, adquirida ao longo dos anos.

A resposta à pergunta é positiva: sim, é possível a transferência de acervo técnico entre pessoas jurídicas.

Essa transferência de acervo técnico pode ser operacionalizada por meio da reestruturação empresarial e societária, especialmente por meio da cisão (total ou parcial) da pessoa jurídica.

Para isso, o empresário deve observar uma série de requisitos e medidas formais e materiais indispensáveis para que seja considerado como válida a transferência de sua capacidade técnica-operacional.

O Tribunal de Contas da União, no julgamento do Acórdão nº 2.444/2012 [3], estabeleceu que a validade da transferência de acervo técnico entre pessoas jurídicas deve observar as seguintes premissas:

1) A ocorrência de transferência do patrimônio tangível (ativos da empresa) juntamente com parcelas do conjunto subjetivo de variáveis que concorreram para a formação da cultura organizacional da empresa “cedente”;

2) A existência de total compatibilidade entre os responsáveis técnicos que constam do acervos transferidos e o responsável técnico da empresa “cessionária”.

3) A existência de tratamento expresso, no negócio jurídico que tenha formatado a operação reestruturante, quanto à divisão do acervo técnico da empresa;

É fundamental, dentre outras medidas, que seja realizada a integralização do acervo técnico no capital social da empresa que irá recebê-lo.

Além disso, a validade da transferência do acervo técnico passa também pela transferência da cultura organizacional da empresa, com a transferência de recursos humanos entre as pessoas jurídicas, especialmente de funcionários, gerentes e responsáveis técnicos vinculados aos atestados de capacidade técnica.

Para a validade da cessão do acervo técnico é importante também que haja a transferência de equipamentos, máquinas e instalações físicas entre as pessoas jurídicas.

Observadas essas premissas e requisitos, torna-se possível que a nova pessoa jurídica participe de licitações e demonstre sua capacidade técnica-operacional por meio do acervo técnico transferido pela pessoa jurídica cedente.

Por fim, importante alertar que pode ser considerada fraudulenta a transferência do acervo técnico quando a empresa está na iminência de punição que inviabilize sua atividade, conforme decidido pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 1246/2020 [4].

[1] Art. 30, inciso II, da Lei 8.666/1993 e art. 67, inciso II, da Lei 14.133/2021.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 693-694.

[3] Acórdão n.º 2444/2012-Plenário, TC-003.334/2012-0, rel. Min. Valmir Campelo, 11/9/2012.

[4] Acórdão nº 1246/2020 – Plenário, TC 005.520/2019-3, Representação, rel. min. Benjamin Zymler, Benjamin Zymler, 20/5/2020.

Fonte: Consultor Jurídico

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