OPINIÃO – Mudança na jurisprudência do TRF-3 sobre amortização de ágio

Pedro Simão

Como é de amplo conhecimento, o ágio representa o sobrepreço usualmente pago na aquisição de sociedades em virtude da diferença a maior entre o valor pago e o valor justo dos ativos, podendo se embasar na rentabilidade futura da sociedade adquirida.

Conforme disposição da Lei nº 9.532/1997, seria permitido o registro do ágio como uma despesa no balanço, e seu valor seria amortizado para a redução da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Não obstante, com a entrada em vigor da Lei nº 12.973/2014, a amortização do ágio interno passou a ser vedada. Esse cenário normativo intensificou o contexto de autuações fiscais direcionadas a diversos contribuintes, relativamente à amortização fiscal do ágio em períodos anteriores.

Desde então, as autoridades fiscais têm desafiado operações envolvendo as “empresas veículo”, ou partes relacionadas, sem necessariamente construir a acusação fiscal pautada em fraude, dolo ou simulação. A ausência de diretrizes claras da Receita Federal tem gerado grande contencioso, além de problemas no momento da apresentação de laudos de avaliação dos ativos.

Em setembro de 2023, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado pela Fazenda Nacional, relativamente ao Caso Cremer (REsp 2026473-SC). Nessa ocasião, restou decidido que não cabe ao Fisco impedir a dedutibilidade do ágio na base de cálculo de IRPJ e CSLL simplesmente por ser decorrente da relação entre partes dependentes (ágio interno) ou materializado por meio de empresa veículo.

Em dezembro de 2023, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) emitiu decisão de notável importância no contexto da discussão acerca da amortização fiscal do ágio. A corte reconheceu a ausência de vedação, anterior à promulgação da Lei 12.973, para a amortização de ágio formado entre partes relacionadas, bem como para a utilização de empresa veículo com a finalidade de viabilizar essa amortização, afastando, com isso, a autuação discutida na Ação Anulatória n° 5024068-10.2018.4.03.6100.

Tal entendimento assume significativa importância na referida corte, que compreende os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, contrariando a jurisprudência anterior com posicionamentos desfavoráveis aos contribuintes.

Aquisição do controle da CTEEP

Em nossa opinião, a deliberação em favor da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica (ISA CTEEP), afastando a autuação fiscal, está alinhada com entendimento trazido no julgamento do Caso Cremer pela 1ª Turma do STJ.

A litigância da ISA CTEEP envolve a gradual aquisição do controle acionário da CTEEP entre 2006 e 2007, gerando ágio contábil. Posteriormente, a ISA foi incorporada pela CTEEP por meio de uma subsidiária, devido a restrições normativas e regulatórias da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que impediam a incorporação de pessoas jurídicas com dívida de aquisição existente.

AGU

Por esse motivo, para compatibilizar as normas regulatórias com a legislação fiscal, a ISA precisou constituir uma subsidiária — ISA participações —, que adquiriu ações da CTEEP através de aumento de capital, tendo registrado o ágio nas contas de investimento. Por fim, em 2008 a ISA foi incorporada pela CTEEP.

Apesar dos procedimentos adotados, a sociedade enfrentou autuação fiscal por amortização indevida do ágio e pelo uso de intermediária sociedade na incorporação. Diante disso, a empresa ingressou com ação anulatória para contestar o débito mantidos quando do julgamento administrativo, alegando ter cumprido todos os requisitos básicos para a amortização de ágio, além de atender às exigências das agências reguladoras. Argumentou, ainda, que a escolha por esse formato foi mais onerosa do ponto de vista fiscal, indicando uma opção correta, embora mais custosa.

A decisão do TRF-3 indicou que, até a vigência da Lei nº 12.973/2014, não existia proibição legal para a amortização de ágio entre partes relacionadas. Além de referenciar o precedente do STJ, a decisão faz menção a posicionamentos semelhantes do TRF da 4ª Região.

O desembargador relator Nery da Costa Júnior considerou que: “é plenamente viável a utilização de empresa veículo na reorganização societária, sobretudo no caso, em que restou comprovada a impossibilidade, por restrição da Aneel e CVM, na incorporação direta da ISA Capital pela CTEEP. Ademais, inexiste indícios de ocorrência de fraude à lei ou simulação na reestruturação em análise“.

Crítica à autuação do Carf

Além de reforçar a viabilidade legal da amortização do ágio em situação como a exposta, o acórdão do TRF-3 também criticou a confirmação da autuação pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) por meio de voto de qualidade.

Segundo o desembargador, seria ilegal que um mesmo membro do órgão colegiado votasse duas vezes, por ser uma afronta à isonomia entre as partes. Sua decisão foi acompanhada por todos os demais desembargadores da 3ª Turma, resultando em uma votação unânime, composta por Consuelo Yoshida, Carlos Delgado, Adriana Pileggi e Rubens Calixto.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) interpôs recurso contra a decisão, salientando que o entendimento do TRF-3 não constitui jurisprudência consolidada. A temática do ágio figura, inquestionavelmente, entre as mais litigiosas no país, com diversas decisões no Carf, além dos processos em andamento no judiciário.

Enfatizamos que o precedente do TRF-3 é relevante ao se basear na legislação vigente à época da operação, bem como ao refletir a posição da 1ª Turma do STJ. Pontuou-se, ainda, que a recente decisão do STJ impacta debates há mais de 15 anos no Carf, desmistificando requisitos não previstos em lei exigidos pela Receita Federal.

Apesar da ausência de um entendimento vinculante definitivo, a tendência favorável nos tribunais federais destaca o enfoque na legalidade e ampara as decisões em favor dos contribuintes que tenham agido nesse sentido.

A prática da dedução do custo de aquisição por meio da amortização fiscal do ágio foi estabelecida durante o contexto das privatizações, em que a utilização de “empresas veículo” era validada por órgãos reguladores. No caso analisado pelo TRF-3, alegou-se que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) impediram a operação direta, reforçando a necessidade da empresa veículo.

A jurisprudência dos TRFs está se desenvolvendo, e a tendência é serem observadas decisões judiciais mais alinhadas com as expressas disposições legais. O Poder Judiciário, ao fundamentar suas decisões, avalia as teses sustentadas pelas autoridades fiscais, tendendo a não validar a jurisprudência do Carf que não esteja respaldada nas previsões legais vigentes na época das operações.

A decisão do TRF-3, em conjunto com outras de igual teor, fortalece a segurança jurídica ao confirmar os efeitos fiscais de operações societárias realizadas por contribuintes com base nas disposições legais então vigentes.

Fonte: Consultor Jurídico

Posts relacionados

Deixe um comentário