OPINIÃO – Nova regra de tributação de incentivos do ICMS pode ser questionada?

César Chinaglia/Mateus Nicacio/Gustavo Henrique da Silva

A Lei nº 14.789/2023, publicada no final de 2023, estabeleceu significativas mudanças quanto à sistemática de tributação dos benefícios fiscais de ICMS (subvenções), tanto pelo IRPJ/CSLL quanto pelo PIS/Cofins.

Antes da entrada em vigor da referida lei, o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 classificava todos os benefícios fiscais de ICMS como “subvenções para investimento”, bem como afastava a tributação desses incentivos pelo IRPJ e pela CSLL.

Para tanto, os contribuintes deveriam observar algumas regras, especialmente o registro das subvenções em reserva de lucros, que somente poderia ser utilizada para (1) absorção de prejuízos ou (2) aumento do capital social.

Além disso, por expressa disposição legal, as subvenções para investimento também não integravam a base de cálculo do PIS e da Cofins [1].

Entendimento do STJ

Em 2017, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou o EREsp nº 1.517.492/PR, decidindo que os “créditos presumidos” de ICMS não poderiam ser tributados pelo IRPJ/CSLL, sob pena de violação ao pacto federativo (artigo 150, VI, “a”, da Constituição) [2].

Frisa-se que, nesse julgamento, o STJ não trouxe nenhuma outra condição (a exemplo do registro em reserva de lucros) para que as subvenções relativas aos créditos presumidos de ICMS não fossem tributadas.

Isto é, a Corte Superior apenas afastou a tributação, sob o fundamento de que exigir IRPJ/CSLL sobre créditos presumidos seria forma indireta de a União reduzir benefícios concedidos pelos Estados (em violação ao Pacto Federativo, repita-se).

Benefícios fiscais negativos

Buscando mitigar a amplitude da vitória dos contribuintes, a União passou a defender que o entendimento da 1ª Seção do STJ não seria aplicável aos demais benefícios fiscais de ICMS, tais como redução de base de cálculo ou de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros (denominados benefícios “negativos”). Assim, novamente o STJ precisou se debruçar sobre a temática, agora no Tema nº 1.182, da relatoria do ministro Benedito Gonçalves.

Após conturbada sessão de julgamento, inclusive com a discussão sobre a interrupção da apreciação do tema em razão de liminar proferida pelo ministro André Mendonça, do STF, o STJ definiu que aos benefícios fiscais negativos não se aplicaria o mesmo tratamento fiscal dado aos créditos presumidos de ICMS.

No caso, embora a Corte Superior tenha reconhecido a possibilidade de exclusão dos referidos benefícios das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, o fez condicionando aos requisitos dos artigos 10 da LC 160/17 e 30 da Lei nº 12.973/14, a saber: (1) necessidade de registro dos benefícios em reserva de lucros, bem como (2) a utilização dessa reserva para absorção de prejuízos ou aumento do capital social da empresa.

Lei nº 14.789

Ocorre que a Lei nº 14.789/2023 revogou o artigo 30 da Lei nº 12.973/14, além do inciso X do §3º do artigo 1º da Lei nº 10.637/2002 e inciso IX do §3º do artigo 1º da Lei nº 10.833/2002, que afastavam a tributação das subvenções de investimento pelo IRPJ, CSLL, PIS e a Cofins. Isto é, desde janeiro de 2024, as subvenções de ICMS passaram a integrar a base de cálculo dos mencionados tributos.

Em contrapartida, a Lei nº 14.789/2023 possibilita que o contribuinte requeira a habilitação de “crédito fiscal de subvenção para investimento” (artigo 1º), correspondente ao “produto das receitas de subvenção e da alíquota de 25%” do IRPJ (artigo 6º), passível de ressarcimento ou de compensação com outros tributos administrados pela Receita Federal (artigo 2º, III).

Ao dispor sobre o crédito fiscal, a legislação prevê uma série de requisitos e dificuldades que não existiam anteriormente, tais como a previsão de que:

  • a subvenção deverá ser decorrente de “implantação ou expansão do empreendimento econômico subvencionado por ente federativo” (artigo 2º, III, “a”);
  • a habilitação da pessoa jurídica dependerá de ato concessivo da subvenção “anterior à implantação ou à expansão do empreendimento econômico” e “que estabeleça expressamente as condições e as contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico” (artigo 4º, II e III);
  • na apuração do crédito fiscal, somente poderão ser computadas as receitas “relacionadas às despesas de depreciação, amortização ou exaustão ou de locação ou arrendamento de bens de capital, relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico” e “que tenham sido computadas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL” (artigo 8º, I e II).

Como se não bastasse, de um lado, as receitas de subvenções serão tributadas pelo IRPJ (25%), CSLL (9%) e PIS/Cofins (9,5% — regime não cumulativo); de outro, o crédito fiscal corresponderá a apenas 25% das referidas subvenções.

Ou seja, simples cálculo aritmético permite concluir que o crédito fiscal não faz frente ao montante a ser despendido pelos contribuintes em razão da tributação das subvenções.

Nova regra pode ser questionada na Justiça?

Feitos os esclarecimentos acima, questiona-se:a nova regra de tributação de incentivos fiscais do ICMS, trazida pela Lei nº 14.789/2023, pode ser questionada perante o Poder Judiciário? Entendemos que sim.

É que, na nossa visão, o novo regramento não pode ser aplicado ao crédito presumido do ICMS, justamente em razão da violação ao pacto federativo, conforme decidiu o STJ no já mencionado EREsp nº 1.517.492/PR.

De fato, não há nenhum motivo para se entender que a tributação dos créditos presumidos violava o pacto federativo e, a partir de agora, à luz do novo regramento, essa violação inexiste – sobretudo considerando as distorções existentes no crédito fiscal previsto na Lei nº 14.789/2023.

Não por outro motivo, já há liminares sobre esse tema em favor dos contribuintes, a exemplo da decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 5038077-98.2023.4.03.6100, em trâmite perante a 11ª Vara Cível Federal de São Paulo.

Vale lembrar, por oportuno, que existem três tipos de contribuintes envolvidos nesta matéria: (1) os que possuem coisa julgada afastando a tributação dos créditos presumidos de ICMS, com base na legislação anterior; (2) os que ainda discutem no Poder Judiciário a legislação anterior, sem decisão definitiva; e (3) os que ainda não possuem qualquer ação judicial.

Aos contribuintes enquadrados na hipótese (2), parece-nos que a superveniência da Lei nº 14.789/2023 não resulta, necessariamente, na perda de objeto das referidas ações judiciais em curso.

Na nossa visão, as ações ajuizadas no passado valerão para todos os períodos até dezembro de 2023, pois buscam afastar a regra antiga de tributação das subvenções (artigo 30 da Lei nº 12.973/2014).

Por sua vez, para os períodos de janeiro de 2024 em diante, recomenda-se o ajuizamento de novas ações (a exemplo daqueles contribuintes que discutiram a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins e a posterior superveniência da Lei nº 12.973/14), com o objetivo de afastar as disposições da nova regra prevista na Lei nº 14.789/2023, exclusivamente para os créditos presumidos de ICMS.

O não ajuizamento de uma nova ação, sem sombra de dúvidas, poderá levar a União a tributar os créditos presumidos de ICMS sob o fundamento de que a causa de pedir e pedido das ações antigas não abarcam a nova regra prevista na Lei nº 14.789/2023.

De todo modo, espera-se que o Poder Judiciário siga a linha firmada pelo STJ no EREsp nº 1.517.492/PR, reconhecendo que os créditos presumidos de ICMS não podem ser tributados pelo IRPJ/CSLL, tanto antes, quanto na vigência da Lei nº 14.789/2023.

[1] Nos termos do inciso X do §3º do artigo 1º da Lei nº 10.637/2002 (PIS) e o inciso IX do §3º do artigo 1º da Lei nº 10.833/2002 (Cofins).

[2] A possibilidade de exclusão dos créditos presumidos de ICMS das bases de cálculo do PIS/Cofins ainda será julgada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 843 da Repercussão Geral.

Fonte: Consultor Jurídico

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