OPINIÃO – Perspectivas para o cenário tributário brasileiro no ano que vem

Por Guilherme Manier

Conhecido como dos países com o sistema tributário mais complexo do planeta, o Brasil vem tencionando uma equalização às normas adotadas em nações economicamente mais desenvolvidas.

A título de exemplo, há consistente trabalho em desenvolvimento para a importação, com ajustes, das regras de preços de transferência comumente adotadas nos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Não é menos relevante o esforço do Brasil em aumentar o volume de acordos para evitar a dupla tributação, cujos dispositivos (artigos) são inspirados, claramente, no padrão da OCDE, justamente visando a tornar o nosso sistema mais “amigável” ao investidor estrangeiro.

No plano ainda das discussões, há em curso no Congresso projetos de lei e propostas de emenda à Constituição da República que se pretendem mecanismos de otimização ou simplificação do sistema tributário nacional, em grande parte, pela aglutinação de tributos sobre o consumo, a produção e os serviços.

Noutros casos, tais projetos ou propostas têm como norte a simplificação da tributação sobre a receita bruta, com a concentração numa só exação e com a adoção de sistema amplo de não cumulatividade previsto expressamente na legislação infraconstitucional, ao contrário do que ocorre atualmente.

No âmbito dos estados e municípios (alguns poucos), existem movimentos de qualificação dos contribuintes, para a parametrização dos sistemas de fiscalização, de modo a se atribuir maior confiabilidade àqueles que despontam entre os que melhor se adequam ao compliance tributário, estimulando-se, desse modo, o diálogo com as secretarias de Fazenda e as procuradorias estaduais e municipais.

Os tribunais, por sua vez, vêm colocando em pauta temas de alta repercussão, como o alcance da não cumulatividade e os reflexos da coisa julgada em matéria tributária, discussões estas que podem trazer um norte para algumas das maiores cifras na tensão entre Fisco e o setor privado.

No entanto, ainda há muito o que ser pensado e concretizado, sendo certo que 2023 promete ser um ano estratégico, para a concretização de planejamentos tributários, sucessórios e o alinhamento de estratégias de redução de riscos e de defesas contra autuações que permanecem “tirando o sossego” de empreendedores de todo o país e do exterior.

Didaticamente, existe um consenso entre especialistas na seara tributária de que existem dois grandes grupos de tributos a serem considerados por advogados, consultores e contadores que atuam no setor: os tributos diretos e os indiretos.

A realidade da tributação nomeada “direta” em nossas terras já inaugura as primeiras reações de curiosidade (por vezes, de perplexidade) de investidores e estudiosos do Brasil e de outras partes do globo.

Diferentemente de outras nações que tributam, por exemplo, o acréscimo patrimonial de pessoas jurídicas por um tributo sobre a renda, o Brasil opta por cindir sua competência, muito em razão de sua preocupação com a destinação garantida de sua arrecadação para algumas finalidades caras aos nossos preceitos constitucionais.

É nesse contexto que adotamos e, de fato, “aceitamos” coexistirem um imposto sobre a renda (IRPJ) e uma contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL).

Ainda sobre a nossa métrica de apuração do lucro, convivemos com distintos sistemas (lucro real, lucro presumido, simples nacional e lucro arbitrado), sem contar os muitos regimes especiais para setores os mais diversos.

Como se não bastasse o mencionado “sistema de exceções”, aprendemos a trabalhar e a enxergar oportunidades em questões — infindáveis –—referentes à tributação sobre a receita bruta (ou o faturamento), também aqui, em dois tributos: as contribuições ao programa de integração social (PIS) e para o financiamento da seguridade social (Cofins).

Para adicionar um tempero tipicamente brasileiro, importamos das nações ricas a ideia de uma tributação chamada “indireta” e passamos, assim, a tributar a produção, o consumo e os serviços.

Ocorre que, ao invés de a exação sobre as atividades em questão atuar como mecanismo de fiscalização do que seria, isto sim, o objetivo final da tributação — o acréscimo patrimonial — a tributação indireta se tornou “desenvolvida” e “pesada”, tanto do ponto de vista de sua carga nominal ou efetiva, quanto no particular das obrigações acessórias dela decorrentes.

Longe de termos um só tributo sobre o valor agregado, acrescido ou adicionado, adotamos diferentes facetas espalhadas por União Federal (Imposto sobre Produtos Industrializados — IPI), estados (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Determinados Serviços — ICMS) e municípios (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza — ISS).

Isto tudo apenas para citar alguns tributos, mas sem jamais esquecermos de todo o restante, a exemplo da tributação sobre a folha de salários que, por si só, seria suficiente para pôr em sobressalto o pesquisador acadêmico de uma nação mais desenvolvida ou estável.

Nesse intrincado contexto, o contencioso tributário — administrativo e judicial — revela a forte cultura nacional, belicosa, na relação entre contribuintes e Fisco.

Em outras nações existe, de fato, um trabalho legislativo direcionado à simplificação do sistema aliado ao diálogo entre os setores público e privado.

No Brasil, muitas empresas passaram a aguardar por programas de anistia ou refinanciamento e, mais recentemente, por transações tributárias, como mecanismos de “seguro” visando à redução do impacto financeiro decorrente de riscos inerentes a um sistema repleto de incertezas, muitas vezes reforçadas pela acentuada oscilação jurisprudencial.

Para o ano de 2023, não esperamos que o cenário tributário brasileiro sofra relevantes modificações, a ponto de afastar todos os desafios sumarizados acima, além de outros que o tempo não permite endereçar.

No entanto, somos da opinião de que os contribuintes — nos mais diversos setores — devem aproveitar o novo momento, para realizar um diagnóstico sério de oportunidades e riscos de sua atividade, visando a capturar benefícios financeiros que podem, inclusive, compensar eventuais contingências que se materializem, em razão do ainda complexo sistema que é aplicado em cenário de pouca cooperação das autoridades fiscais.

Fonte: Consultor Jurídico

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