OPINIÃO – Proposta de reforma da Câmara não garante simplificação do sistema tributário

Por Fernanda Terra

relatório do grupo de trabalho destinado a analisar e debater a PEC nº 45/2019 na Câmara dos Deputados, apresentado na terça-feira (6/6) da semana passada, destacou as inúmeras tentativas de reforma ocorridas nos últimos 35 anos, para demonstrar não apenas os problemas do Sistema Tributário Nacional (STN), mas principalmente o desafio em resolvê-los.

A atual proposta de reforma tributária está diretamente conectada às discussões iniciadas em 2019 com a PEC nº 45, de 3 de abril de 2019, apresentada na Câmara pelo deputado Baleia Rossi, e a PEC nº 110, de 9 de julho daquele ano, apresentada pelo senador Davi Alcolumbre. Mas embora tenha falhado a tentativa de uma apreciação mista das duas PECs, seguida de outras propostas, o GT considerou todas as formulações para apresentação do texto substitutivo da PEC 45, tanto que trouxe minuciosamente a diferença entre as duas.

Como destaque nas atividades do GT, o relatório de 92 páginas menciona a realização de 16 audiências públicas, onde foram ouvidos 148 especialistas; de visitas técnicas em vários Estados e, ainda, Missão Oficial à OCDE. De conjunto concluíram que a tributação sobre consumo no Brasil, que envolve o ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins e corresponde a 38% de toda a arrecadação, é complexa, disfuncional, ineficiente, desequilibrada e injusta.

Após descrição dos trabalhos e do cenário, o relatório traz as diretrizes do substitutivo, sendo a primeira: substituição dos cinco tributos sobre consumo por um IVA Moderno — o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS); com base ampla, cobrado por fora e no destino, com não cumulatividade plena, o novo sistema deve garantir devolução de crédito plena, com prazo máximo de 60 dias, e ainda ter poucas alíquotas e exceções.

E, um imposto seletivo, com objetivo de desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Segunda diretriz é que se adote uma tributação dual, um IVA de competência da União e outro compartilhado entre estados e municípios, mas com foco na simplificação os dois devem ser harmonizados (idênticos).

Há ênfase no aprimoramento da não-cumulatividade plena, para que todo imposto pago em todos os gastos que contribuam para atividade econômica dê direito a crédito, garantindo a neutralidade quanto à carga fiscal de todos os contribuintes.

O relatório ressalvou a obrigatoriedade de condicionar o creditamento do imposto ao pagamento na etapa anterior para um futuro próximo, quando houver mais clareza do mecanismo que separe e envie para o Fisco o valor do imposto de modo automático — split payment.  Num primeiro momento, portanto, o crédito será o destacado na nota fiscal.

Quanto à alíquota, a diretriz é que seja uma padrão, permitindo-se outras para bens e serviços específicos. Teriam alíquotas diferenciadas bens e serviços relacionados à saúde, educação, transporte público e aviação regional, bem como a produção rural. Além desses, deve-se avaliar a possibilidade de manter tratamento diferenciado para a cesta básica.

E, isonomia na tributação de bens e serviços fornecidos por meio de plataformas digitais, inclusive aquelas sediadas no exterior.

cashback é visto como medida de mitigação da regressividade própria dos impostos sobre o consumo, e vem como diretriz a ser implementada, pelo texto, porém, ainda falta a definição específica do para quem e do como.

Mantém-se o tratamento favorecido à Zona Franca de Manaus, entendido como essencial para o desenvolvimento socioeconômico da Região Norte, inclusive no que diz respeito à preservação dos biomas da região amazônica. 

E, o tratamento favorecido às micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional, que poderão optar pela continuidade do pagamento como é hoje, ou pagar o IBS (com débito e crédito) e continuar com o regime apenas quanto aos demais tributos.

O texto fala de regimes fiscais específicos para operações com bens imóveis, serviços financeiros, seguros, cooperativas, combustíveis e lubrificantes, sem maiores detalhamentos, e recomenda que não haja redução de carga tributária para o sistema financeiro.

Diretriz importante para os estados está na criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional — uma vez que, com o novo sistema, haverá o fim da guerra fiscal —, para compensação do dano causado com o fim de tal política pública de desenvolvimento, recomenda o financiamento do Fundo, primordialmente, com recursos da União.  A distribuição pode seguir os mesmos critérios do FPE (Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal).

O relatório recomenda a manutenção das convalidações concedidas aos benefícios fiscais com a Lei Complementar nº 160/2017.

Aponta como obstáculo nas tentativas de reforma a incerteza quanto aos impactos na arrecadação, e por isto sugere uma transição lenta.

Atesta como necessária a criação do Conselho Federativo para gestão uniforme do novo imposto em âmbito nacional. Mantendo as Fazendas de estados e municípios em suas demais funcionalidades.

Quanto ao imposto seletivo, este será voltado para desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, e a diretriz é que se mantenha a redação ampla na PEC e se transfiram as especificidades para as discussões infraconstitucionais.

Por fim, menciona a necessidade de reforma na tributação da renda e do patrimônio, no IPVA, ITCMD e IPTU.

Da leitura de todo o relatório e da sua entrega dentro do prazo previsto, vemos que há um esforço governamental para aprovação da reforma tributária. A projeção é que o projeto seja aprovado na Câmara neste semestre, para que no segundo semestre seja discutido no Senado e finalmente aprovado até o final do ano.

Em nossa avaliação o relatório trouxe uma ideia de reforma conceitual com pontos interessantes que poderiam trazer sanidade ao Sistema Tributário Nacional — que carece há décadas de simplificação, transparência e segurança jurídica. Entretanto, os pontos obscuros, especialmente quando se desce aos textos legislativos já propostos, trazem mais incertezas e nenhuma garantia de que não haverá aumento de carga tributária e maior complexidade no STN.

Fonte: Consultor Jurídico

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