OPINIÃO – Recuperação de valores pagos a título de multa qualificada: a quem se aplica?

Flávio Fernandes Faro Pessino

Há muito se discute no Judiciário quanto aos limites da multa fiscal qualificada, ou seja, a penalidade em razão de sonegação, fraude ou conluio, incidente sobre a totalidade ou diferença do tributo não pago, não recolhido, não declarado ou declarado de forma inexata.

O STF já decidiu em diversas oportunidades que a multa qualificada, quando superior ao valor da própria conduta infratora (maior que 100%), viola os princípios constitucionais do não-confisco e razoabilidade.

Tendo em vista, principalmente, a necessidade de concretização da norma constitucional que veda o confisco em matéria tributária (artigo 150, IV, da CF), o STF fixou, em 2015, a Repercussão Geral desta matéria (Tema n° 863).

Desse modo, o tribunal fixaria as balizas para a configuração, ou não, do efeito confiscatório decorrente das multas qualificadas, havendo sempre a possibilidade de modulação de efeitos.

Fato é que a Lei nº 14.689/23 adiantou-se ao STF e alterou a redação do § 1º do artigo 44 da Lei nº 9.430/96, reduzindo em 1/3 o valor da multa qualificada, inclusive assegurando a retroatividade da legislação mais benéfica.

Agora, nas hipóteses da prática dolosa (comprovada e individualizada) de sonegação, fraude ou conluio e, desde que não exista sentença penal de absolvição, a penalidade será reduzida de 150% para 100% do crédito tributário apurado.

Segundo a nova regra, fica cancelado o que exceder 100% do valor do “crédito”, inscrito ou não em dívida ativa, e mesmo que incluído em programas de refinanciamentos, aplicando-se às parcelas vencidas ou vincendas.

Não obstante, nas hipóteses de reincidência, ou seja, quando comprovada novamente a sonegação, fraude ou conluio, no lapso dois anos contado do ato de lançamento, a multa será de 150%.

Saliente-se que o artigo 14 da nova lei fundamentou expressamente a redução da penalidade no artigo 150, IV, da CF (não-confisco) e usou como “pano de fundo” as decisões do STF favoráveis aos contribuintes.

Críticas à multa

Neste cenário, cabe criticar a multa de 150%, mesmo com reincidência, pelo mesmíssimo motivo que levou o legislador a reduzir a multa qualificada sem reincidência, qual seja a caracterização do confisco. Isso porque, sejam em que circunstâncias forem, quando ultrapassa-se o valor da própria conduta infratora resta caracterizado o confisco.

Ainda nos termos da Lei nº 14.689/23, a PGFN deverá providenciar, de ofício, o imediato cancelamento da inscrição em dívida ativa da parcela excedente a 100% do crédito tributário, comunicando-o nas Execuções Fiscais. Por certo, aconselhável que o contribuinte monitore o processo e diligencie na hipótese de inércia da PGFN.

E como não poderia deixar de ser, a lei reconhece o direito ao ressarcimento do valor pago a maior, total ou parcialmente, nos últimos cinco anos. Contudo, o condiciona, infelizmente, à propositura de ação judicial (!), cuja liquidação e ressarcimento será por meio de precatório ou compensação tributária.

Aqui, cabe nova crítica, na medida em que tal condição em muito dificulta o acesso do contribuinte ao exercício de seu direito de ressarcimento, forçando-o a bater nas portas do Judiciário para obter o que já é sabido e reconhecidamente seu.

Vale ressaltar que o artigo 106, II do CTN define que a retroatividade da lei benéfica se aplica a ato pretérito não “definitivamente julgado”. Por certo, tal definitividade não se refere ao processo administrativo, pois não são imunes à revisão pelo Judiciário.

Restituição de valores

Agora, e na hipótese de o contribuinte que pagou a penalidade após o julgamento definitivo de ação judicial de conhecimento e antes do término da execução fiscal, teria ele direito à restituição dos valores pagos últimos cinco anos?

Se aplicado o bom direito, a resposta é positiva!

Segundo o STJ, quando uma nova lei fixa multa menos severa, deverá ela ser considerada em favor do contribuinte enquanto a execução fiscal não alcançar as fases finais de arrematação, adjudicação ou remição.

Assim, em curso execução fiscal, independentemente oposição ou não dos embargos à execução fiscal ou se estes já foram ou não julgados, aplica-se o princípio da retroatividade da lei mais benéfica.

De toda sorte, recomenda-se que o executado não deixe a cargo exclusivo da Procuradoria a comunicação do cancelamento das inscrições de dívida ativa nas execuções fiscais em curso, já que após a arrematação, adjudicação ou remissão não mais seria possível a retroatividade benigna.

Em resumo, se beneficiam da redução todos aqueles que tiveram a cobrança de multa fiscal qualificada da União em percentual superior a 100% nos últimos cinco anos, inscrita ou não em dívida ativa, incluída ou não em Refis, paga (à vista ou parcelada), vencida ou vincenda, consolidada ou não em processo administrativo transitado em julgado, ou discutida em ação judicial em curso, cujos atos executivos não tenham sido ultimados.

Por fim, aconselha-se que o contribuinte proceda ao levantamento das multas acima de 100% que lhes foram imputadas e pagas nos últimos cinco anos, monitore a manifestação da PFGN nos processos em curso, e interponha, em face da abusiva exigência legal, medida judicial visando restituição/compensação dos valores pagos a maior, devidamente atualizados pela Selic.

Fonte: Consultor Jurídico

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