OPINIÃO – Reforma na tributação dos lucros e dividendos como meio para se atingir maior equidade

Frederico Pompeo Parreira

O Brasil é a nona maior economia do mundo, mas é também um dos países mais desiguais do planeta. Um dos grandes culpados é o sistema tributário vigente no país. Enquanto nas nações desenvolvidas a maior incidência de impostos recai sobre o patrimônio e a renda, no Brasil ela ocorre sobretudo no consumo, o que afeta os mais pobres.

Estudos do Fundo Monetário Internacional demonstram que países com mais igualdade apresentam crescimento econômico maior, com mais estabilidade [1].

Para florescer, a economia capitalista precisa da imposição do Direito Criminal, Contratual, Empresarial e Civil. Assim, a economia moderna seria impossível sem a estrutura fornecida pelo governo, que é sustentado pelos impostos [2].

Tributação e cooperação social

Desta forma, o tributo não pode mais ser visto como mero encargo ou sacrifício, mas sim como preço pago pelos cidadãos para se viver em liberdade [3].

Portanto, a liberdade pessoal só existe com a cooperação social, administrada pelo governo. O direito à propriedade privada, por exemplo, nunca existiria se a polícia não o protegesse [4].

Os níveis de desigualdade vistos hoje no Brasil ou nos Estados Unidos não são inevitáveis ou fruto de leis inexoráveis da economia, mas sim uma questão de opções políticas [5].

Nos países ocidentais, no fim do século 19 e início do 20, o sistema escolar era extremamente elitista. Em seguida, o investimento em educação foi multiplicado até chegar a cerca de 6% da renda nacional nos anos 1990. E, para isto, obviamente foram essenciais os impostos [6].

Cobra-se mais de quem ganha mais

A Constituição de 1988 consagra um amplo rol de direitos fundamentais, estabelecendo, no artigo 3º, I, o objetivo de se construir uma sociedade livre, justa e solidária. O Estado brasileiro é fiscal, havendo um dever fundamental de pagar tributos, na medida da capacidade contributiva de cada cidadão [7].

Qualquer sistema minimamente progressivo, cobra mais de quem ganha mais. A maior alíquota de imposto de renda hoje é de 40% nos EUA, mas ela já foi de 90% ao final da Segunda Guerra [8]. No Brasil também houve redução das alíquotas de IRPF e hoje ela é de no máximo 27,5%.

A reforma tributária brasileira, aprovada no fim de 2023, criou um imposto sobre valor adicionado (IVA) dual, que substituirá cinco tributos atualmente em vigor (IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins). A reforma contém pontos positivos como: unificação de tributos, maior transparência e deslocamento da tributação para o destino. Ainda assim, essas mudanças têm foco no consumo, sendo que, de acordo com o artigo 145 da Constituição de 1988, a tributação deveria ser predominantemente direta, de caráter pessoal e progressiva.

IRPF e igualdade tributária

Sendo assim, serão necessárias novas alterações no sistema tributário, desta vez abarcando os impostos diretos, como o IRPF (imposto sobre a renda das pessoas físicas). Este é um tributo apropriado para atender à igualdade tributária, já que ele descreve de maneira mais fidedigna a riqueza do contribuinte, abrangendo aspectos pessoais e não permitindo a transferência do ônus fiscal.

Lucros e dividendos

Hoje em dia no Brasil, certos rendimentos simplesmente não sofrem qualquer taxação, como é o caso daqueles provenientes dos lucros e dividendos recebidos por sócios e acionistas, que são isentos desde 1996 (regra do artigo 10 da Lei 9.249).

Depois de quase 30 anos, esta norma precisa ser revista. Não obstante a Constituição de 1988 estabeleça a pretensão de construir uma sociedade democrática e igualitária, prevendo os princípios da capacidade contributiva (parágrafo 1º do artigo 145) e da isonomia (artigo 150, II), a legislação nacional continua indulgente com os recebedores de dividendos.

Pelos dados da Receita Federal, os dividendos estão localizados no topo da pirâmide social. Isto gera uma sensação de injustiça, já que um assalariado arca com uma alíquota de IRPF de até 27,5%. Isto contraria princípios constitucionais e a própria redação do artigo 43, I e II, do Código Tributário Nacional, a qual adota um conceito amplo de renda.

Isenções tributárias

Como se sabe, isenções tributárias só se justificam, se forem constitucionalmente embasadas, senão devem ser revogadas. Ao editar a lei, o legislador não pode fazer discriminações sem justificativa, sob pena de ferir a isonomia (artigo 150, II, da Constituição de 1988).

Dos países vinculados à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento), apenas a Estônia não taxa os dividendos. O México já teve a referida isenção para os sócios. Contudo, desde 2014, voltou a tributá-los com uma alíquota de 10%, somada ao imposto corporativo de mais 30%.

O projeto que culminou com a edição da lei 9.249 de 1995 quis incentivar os investimentos. Ele se baseava na chamada teoria do “gotejamento” ou “trickle down economics”, muito em voga nos anos 1980 e 1990. Diz esta teoria que ao isentar os ricos, estes empreendem mais, gerando empregos para todos, ou seja, goteja de cima para baixo [9].

Hoje em dia, este tipo de entendimento está superado. Como supramencionado, a existência de grandes rendas e patrimônios livres de tributação, fere a igualdade de oportunidades e não é eficiente [10].

Sociedade mais justa

Desta feita, com a revogação do artigo 10 da Lei 9.249/95, a sociedade seria mais justa, já que a riqueza passaria a ser menos concentrada, atendendo a diversos princípios constitucionais, tais como os da isonomia, capacidade contributiva e progressividade [11].

Do exposto, parece que uma política tributária mais adequada, no Brasil, consistirá em tributar dividendos nos sócios, concomitantemente com a redução da tributação da renda empresarial, de acordo com o que é praticado no resto do mundo. Assim, o IRPJ/CSLL poderia ser reduzido de 34% para aproximadamente 25%, cobrando-se IR na distribuição de lucros e dividendos de mais 15%.

Esta mudança seria inclusive melhor do que recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que é notoriamente regressiva.

Outrossim, estas alterações podem simplificar a carga das pessoas jurídicas, tornando inclusive mais barato o dinheiro para a empresa reinvestir.

Bibliografia

AFONSO, José Roberto (Org. et al.). Tributação e desigualdade. Belo Horizonte: Letramento, 2017

GODOI, Marciano Seabra de; ROCHA, Sergio André (Org. et al.). O dever fundamental de pagar impostos – o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência? Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2022

MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2021

PIKETTY, Thomas. Uma breve história da igualdade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2021, Edição do Kindle

PRADO, Arthur Cristóvão. Herança, desigualdade e tributação: o que há de errado com a transmissão hereditária de grandes patrimônios? São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, Edição do Kindle

STIGLITZ, Joseph. The Great Divide. Penguin Books Ltd. Edição do Kindle. 2015

SUNSTEIN, Cass R.; HOLMES, Stephen. O custo dos direitos – por que a liberdade depende dos impostos. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2019. Edição do Kindle

[1] STIGLITZ, Joseph. The Great Divide. Penguin Books Ltd. Edição do Kindle. 2015. p.106, 109 e 122.

[2] MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. O mito da propriedade. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2021. p.11 e 98. Nas palavras de Murphy e Nagel na página 13: “Não é possível avaliar um sistema tributário a partir de uma suposta renda pré-tributária, pois essa renda é o produto de um sistema do qual os impostos são um elemento inalienável.”

[3] GIANNETTI, Leonardo Varella. O dever fundamental de pagar tributos em tempo de crise fiscal. In: GODOI, Marciano Seabra de; ROCHA, Sergio André (Org. et al.). O dever fundamental de pagar impostos – o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência? Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2022, p.262.

[4] SUNSTEIN, Cass R.; HOLMES, Stephen. O custo dos direitos – por que a liberdade depende dos impostos. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2019. Edição do Kindle. p. 10-16.

[5] STIGLITZ, Joseph. The Great Divide. Penguin Books Ltd. Edição do Kindle. 2015, p.68.

[6] PIKETTY, Thomas. Uma breve história da igualdade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2021, Edição do Kindle. p.138 e 139.

[7] SCHWARTZ, Gustavo Carvalho Gomes. A teoria do dever fundamental de pagar impostos no Brasil: uma análise da doutrina tributária brasileira. In: GODOI, Marciano Seabra de; ROCHA, Sergio André (Org. et al.). O dever fundamental de pagar impostos – o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência? Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2022, p.98.

[8] STIGLITZ, Joseph. The Great Divide. Penguin Books Ltd. Edição do Kindle. 2015. p.197.

[9] GOBETTI, Sérgio Wulff; ORAIR, Rodrigo Octávio. Tributação e desigualdade de renda no Brasil: uma análise a partir do DIRPF. In: AFONSO, José Roberto (Org. et al.). Tributação e desigualdade. Belo Horizonte: Letramento, 2017, p.160.

[10] PRADO, Arthur Cristóvão. Herança, desigualdade e tributação: o que há de errado com a transmissão hereditária de grandes patrimônios? São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, Edição do Kindle. p. 281.

[11] PRADO, Arthur Cristóvão. Herança, desigualdade e tributação: o que há de errado com a transmissão hereditária de grandes patrimônios? São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, Edição do Kindle. p. 282.

Fonte: Consultor Jurídico

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