PÚBLICO & PRAGMÁTICO – Lives de influencers e incidência da LGPD

Por André Castro Carvalho

Recentemente tem sido divulgado na imprensa que alguns influencers vêm fazendo lives em situações atípicas, como a gravação de voz e imagem de passageiros em aplicativos de transporte privado (por vezes, sem o passageiro sequer saber do fato) ou em transmissão de assaltos ou exposição de pessoas em situação de vulnerabilidade, como de usuários de drogas na região da cracolândia em São Paulo. A prática tem atraído dezenas de milhares de espectadores engajados em assistir a esses eventos, e pode gerar preocupação em relação aos participantes dessas transmissões, que na maioria das vezes desconhecem o tratamento de sua voz e imagem para fins econômicos que é levado a cabo por tais influencers.

Apesar desses casos específicos, esse é um dilema cada vez mais comum entre os influencers, pois muitos crescem e geram engajamento ao entrevistar ou interagir com pessoas “desconhecidas” em suas transmissões, seja ao vivo ou gravadas. Essas pessoas que aparecem em tais transmissões acabam sendo expostas em diversos aplicativos (TikTok, Instagram, Facebook e YouTube), sendo elas consideradas titulares de dados pessoais pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais — LGPD (Lei nº 13.709/2018), devendo ter seus direitos ao bom uso dos dados pessoais e respeito à privacidade resguardados.

Os influencers, muitas vezes por atuarem de forma amadora ou, mesmo os profissionalizados, por mero desconhecimento da LGPD, não têm ciência de que estão sujeitos a tal legislação, haja vista que sua atividade não encontra guarida na exclusão prevista no artigo 4º, I, da referida lei. Apesar de serem pessoas naturais que estão tratando os dados, tal tratamento tem finalidade econômica, pois essas lives são monetizadas e posteriormente se revertem financeiramente aos influencers, representando uma rentabilidade substancial para tais indivíduos e para as plataformas.

Os únicos prejudicados, que têm sua privacidade exposta e não recebem nenhuma remuneração, são os objetos das lives: os titulares vulneráveis que, por vezes, não sabem que estão sendo gravados e, quando cientes, por vezes não conhecem a fundo seus direitos em relação à LGPD. Dado o crescente contexto em nossa sociedade, que recomendações podem ser pensadas para todos os envolvidos?

Em primeiro lugar, as plataformas devem começar a oferecer cursos e orientações mais direcionadas à LGPD para seus usuários, especialmente quando identificarem perfis que podem ser caracterizados como de influencers, onde o potencial de violação da LGPD é maior devido ao grande número de público que podem acessar essas transmissões, bem como a finalidade comercial do perfil. As plataformas podem estruturar mecanismos de restrições a algumas funcionalidades dos aplicativos para estes usuários, até que eles assistam a um curso ou comprovem a leitura de algum material de orientação voltado à aplicação da LGPD em transmissões.

Em segundo lugar, os influencers precisam se preocupar mais com a profissionalização de sua atividade, em especial no tocante à adequação à LGPD. Nesse sentido, os influencers não precisam estabelecer uma estrutura de políticas e procedimentos corporativos como as grandes empresas. A própria Resolução CD/ANPD nº 2/2022 permite que os agentes de tratamento de pequeno porte tenham (que seria o caso dos influencers, conforme definição do artigo 2º, I) um regime mais flexível para o cumprimento da LGPD.

Algumas ações, no entanto, são indispensáveis para implementação pelos agentes de pequeno porte. Por exemplo, os influencers podem começar a mapear melhor o tipo de público, verificando a categoria de titular (se é criança, adolescente ou idoso, por exemplo, os tipos de dados que são tratados e se as situações das transmissões podem representar um risco relevante à privacidade dos envolvidos. Também se pode dar mais transparência para os titulares em relação a essas transmissões e construir termos que autorizem o uso da voz e imagem que sejam claros e permitam que os participantes saibam que existe o tratamento, qual a finalidade e como podem exercer os seus direitos de titular em caso de necessidade.

Caso essas medidas representem muita complexidade para o influencer, outra ação que ele poderia cogitar seria a indicação de um Encarregado pelo Tratamento de Dados Pessoais (também conhecido no mercado como Data Protection Officer — DPO), que é considerada uma boa prática pela Resolução (artigo 11, § 2ª). Para tanto, o influencer não precisa contratar um funcionário específico para exercer esse papel, podendo ele ser realizado por empresas de consultoria especializadas em prestação de serviços na modalidade de DPOaaS (Encarregado como Serviço).

Em terceiro lugar, o Estado brasileiro precisa promover, de maneira mais intensiva, a conscientização da população sobre os direitos como titulares e como exercê-los. Há uma deficiência em ações de comunicação sobre o tema de privacidade e proteção de dados pessoais que partam do próprio setor público, ficando somente relegado ao mercado. É fundamental que o Estado fomente essa “educação digital” na população como uma forma de política pública contínua, para que as pessoas possam se proteger melhor de exposições indevidas que estão ocorrendo neste ambiente.

É certo que, tanto para os influencers que estão em início de “carreira” como aqueles que já estão mais consolidados neste mercado, um escândalo envolvendo o mau tratamento de dados pessoais pode representar um risco reputacional relevante, o que pode também acarretar problemas legais, financeiros e comerciais, levando a ações judiciais de responsabilidade civil, medidas de fiscalização e processos administrativos por parte da ANPD que podem levar a sanções diversas, como multa, bem como perda de contratos com patrocinadores por questões de danos à imagem.

Fonte: Consultor Jurídico

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