SELIC OU NÃO SELIC? – Com ativismo em disputa, STJ adia definição sobre correção de dívidas civis

Por Danilo Vital

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça adiou mais uma vez a definição sobre qual deve ser o índice adotado para corrigir dívidas civis decorrentes de condenações no âmbito do Direito Privado. O tema, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, é de extrema importância por seu amplíssimo impacto.

O julgamento foi retomado na sessão de abertura do semestre judicial, na tarde desta terça-feira (1º/8), e interrompido por pedido de vista do ministro Benedito Gonçalves. O dia teve debates e esclarecimentos sobre o tema em disputa: a interpretação do artigo 406 do Código Civil, que trata do tema. Até o momento, há duas posições firmadas.

Relator, o ministro Luis Felipe Salomão propôs que as dívidas civis sejam corrigidas pelo índice de 1% ao mês, de forma simples (não acumulada), conforme o artigo 161, parágrafo 1º do Código Tributário Nacional. Incidiria, também, correção monetária de acordo com a tabela de cada tribunal brasileiro.

A proposta representa uma mudança jurisprudencial. Desde 2008, o STJ adota a Selic, taxa básica de juros do país, como índice do artigo 406 do Código Civil. Segundo o relator, essa posição não se confirmou e não foi adotada pelas instâncias ordinárias. Com o tema ainda em disputa, propôs uma correção de rumos.

Abriu a divergência o ministro Raul Araújo, para quem não há razão legal ou interpretativa para afastar o uso da Selic. Em sua análise, a taxa fazendária é uma escolha literal do legislador e que não pode ser afastada pelo Poder Judiciário, sob pena de indevido ativismo judicial.

Nesta terça-feira, dois ministros adiantaram voto e firmaram o placar em 2 a 2. João Otávio de Noronha acompanhou a divergência. Já Humberto Martins se posicionou com o relator. Com o voto-vista, restam outros nove ministros para votar.

Interpretação sistêmica

Em voto-vista regimental, o ministro Salomão apresentou dados para indicar que a Selic apresenta uma variação imprevisível que torna a cobrança de uma dívida insegura e que pode estimular a inadimplência do devedor. Se a taxa não é fixa, aquele que é condenado pode aguardar o melhor momento de flutuação dos juros para fazer o pagamento.

E reforçou o argumento do problema que existe no fato de a Selic embutir juros moratórios e correção monetária. No campo do Direito Privado, nem sempre esses encargos correm a partir do mesmo marco temporal.

Em caso de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, segundo a Súmula 54 do STJ. Se a condenação decorrer de relação contatual, o termo inicial da contagem é a citação. Já quanto à correção monetária, o termo inicial é a data da prolação da decisão que fixou o seu valor, como diz a Súmula 362.

Nessas hipóteses, a Selic deixa de ser o índice mais adequado a ser usado. Em vez disso, admite-se o uso de 1% ao mês, como prevê o artigo 161, parágrafo 1º do Código Tributário Nacional. Para o ministro Salomão, não há qualquer ativismo judicial nesse raciocínio.

“Não se desconhece que a matéria pode e deve ser examinada pelo Legislativo”, disse. “Contudo, até que sobrevenha um regramento e diante da ausência de decisões específicas sobre o tema, o Judiciário tem o dever de adotar interpretação sistêmica do Direito Privado, a fim de assegurar que a atualização de dívidas civis não se submeta a situações extremadas no que tange aos juros de mora”, explicou.

A regra é clara

Em sua manifestação, o ministro Raul Araújo manteve a divergência ao afirmar que, desde a estabilização da moeda brasileira com o Plano Real de 1994 e com o fim da inflação galopante que marcou a economia até então, houve a adoção no país de um índice que absorve tanto juros quanto a correção monetária: a Selic.

“Não temos a ampla liberdade de dispor livremente acerca de um índice que seja mais adequado, abandonando a regra do artigo 406 do Código Civil. Relembro que a segurança não está na interpretação livre que os tribunais possam dar a essas questões, mas, sobretudo, na aplicação da lei”, afirmou.

“A regra do artigo 406 do Código Civil não dá espaço para uso de outros índices ou para a livre interpretação que afaste a aplicação da regra. A norma é que se use a taxa que estiver em vigor para o pagamento dos impostos devidos à Fazenda”, reforçou.

Ao acompanhar a divergência, o ministro João Otávio de Noronha pontuou que adotar a proposta do relator, de juros de 1% ao mês, criaria uma taxa de juros anual de 12%, considerada elevadíssima. “Vamos jogar o devedor em uma bola de neve. Não queremos que o credor seja prejudicado. Mas também não podemos prejudicar o devedor a ponto de não suportar a dívida”, afirmou.

Fonte: Consultor Jurídico

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