JUSTIÇA TRIBUTÁRIA – Afinal, o que é grupo econômico para fins de redirecionamento da execução fiscal

Por Marcus Livio

Em nossa última coluna aqui nesta ConJur, abordamos a questão do IDPJ no rito da execução fiscal, assunto afetado à sistemática dos repetitivos pelo STJ (Tema nº 1.209).

Naquela ocasião, aproveitamos para mencionar o pedido, cada vez mais frequente, de redirecionamento de execuções fiscais a outras sociedades sob o simples argumento de “formação de grupo econômico”, onde destacamos que essa temática (do grupo econômico) ainda carece de marco normativo a orientar os contribuintes, a fazenda pública e a jurisprudência.

A Lei nº 6.404/76 (Lei das S.A.) dedica um capítulo específico para tratar de “grupos de sociedades”, caracterizados pela combinação de recursos ou esforços, mediante acordo formal, para a realização dos respectivos objetos ou pela participação de atividades ou empreendimentos comuns (artigo 265), conservando-se distintos o patrimônio e a personalidade de cada uma das sociedades integrantes do grupo (artigo 266).

O artigo 243 da mesma lei ainda trata do que se convencionou chamar de “grupo econômico de fato”, que são aqueles que, apesar da ausência de acordo formal, atuam sob influência significativa de uma mesma sociedade.

Como se vê, quis o legislador consignar expressamente que o reconhecimento de um grupo de sociedades não resulta na confusão entre os respectivos patrimônios, tampouco na perda de suas personalidades.

Há, ainda, outra importante questão que surge da leitura dos citados dispositivos da Lei nº 6.404/76, qual seja: é imprescindível, para a formação de grupos econômicos, uma relação (combinação de esforços) entre sociedades, apenas, ou também poderia restar caracterizado na figura de várias sociedades sob o controle comum de pessoas naturais?

Essa questão é de suma importância, uma vez que o texto da Lei das S.A. se refere a relação entre sociedades, apenas; contudo, pedidos de redirecionamento de execuções fiscais são feitos muitas vezes sob a alegação de que o controle comum de várias sociedades, por pessoas naturais, implicaria a formação de grupo econômico.

Para Marlon Tomzaete, “é a direção única o elemento caracterizador de um grupo de sociedades”. Ainda segundo o ilustre doutrinador, essa direção única pode se dar através de uma sociedade de comando ou por um órgão colegiado. [1]

E o leitor que chegou até este ponto do texto pode estar se perguntando o porquê de até agora termos feito menção apenas à legislação societária, e não à tributária, como era de se esperar deste colunista. A resposta a essa pergunta é simples: a atual legislação tributária brasileira não trata da figura dos “grupos econômicos”.

De acordo com Augusto Newton Chucri et al, “a existência de um grupo econômico é, sozinha, questão irrelevante para o CTN: cada agrupada somente responderá por suas próprias obrigações tributárias”. [2]

A ausência de legislação específica, entretanto, não tem impedido a apreciação do tema pelo Poder Judiciário, o que de certo modo é benéfico, pois impede-se (ou, pelo menos, tenta-se impedir) a prática de ilícitos; porém, por outro lado, decisões proferidas sem fundamento em lei específica, apenas com base em analogias, pode resultar na indesejada situação em que o Judiciário se veja atuando na função de legislador.

Em decisão proferida no âmbito do REsp nº 1.808.645/PE, sob a relatoria do eminente ministro Herman Benjamin, a 2ª Turma do STJ reconheceu que, no caso concreto analisado, houve sim a formação de “grupo econômico” apesar de a legislação tributária atual não versar sobre o tema.

Nas palavras do relator, “o instituto jurídico em tela (‘grupo econômico’) não é disciplinado pelo Direito Tributário, pois, diferentemente do que ocorre na seara trabalhista, ou de defesa da ordem econômica, inexistem normas, na legislação específica (tributária), que confiram tratamento técnico-jurídico a esse tema”. “Isso não significa que a situação, em si — isto é, a constatação da existência de grupo econômico de fato, principalmente quando evidenciado o escopo de dissimular situações para eximir-se do cumprimento dos deveres de natureza fiscal —, deixe de ser solucionada pelo ordenamento jurídico.”

Ainda segundo o eminente ministro, o redirecionamento de execuções fiscais, após ser reconhecida a formação de grupo econômico, geralmente se faz através do “enquadramento da situação a hipóteses descritas, de modo esparso, no artigo 50 do CC/2002 (desconsideração da personalidade jurídica); nos artigos 124, 128, 132, 133 e/ou 135 do CTN (responsabilidade solidária, sucessão empresarial ou responsabilidade pela prática de atos de infração à lei ou atos constitutivos societários)”.

Em outra decisão do STJ, agora proferida pela 1ª Turma no AgInt no REsp nº 2.030.869/ES, a eminente ministra Regina Helena Costa destacou que, “na execução fiscal, a ocorrência das hipóteses descritas nos artigos 134 e 135 do CTN autoriza o redirecionamento do processo executivo, sem a necessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica…”

A eminente relatora, reproduzindo as palavras do acórdão recorrido, mencionou que, naquele caso concreto, o contexto era de vínculo societário entre várias sociedades empresárias, com clara formação de grupo econômico, “o que torna patente a responsabilidade das sociedades componentes deste grupo, bem como dos sócios, pelos débitos tributários das empresas que o compõem, tendo em vista a prática de ato ilícito…”

Não há dúvida quanto à utilidade do instituto da desconsideração da personalidade jurídica a fim de se alcançar o patrimônio de pessoa natural ou jurídica com vistas à satisfação do crédito tributário. Entretanto, também não há dúvida quanto ao caráter excepcional de tal instituto, sendo imprescindível, para a sua instauração, a verificação de um dos requisitos do artigo 50 do CC/2002, quais sejam: o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.

Já no que tange aos artigos do 124, 128, 132, 133, 134 e 135 do CTN, geralmente invocados como fundamento para o redirecionamento de execuções fiscais, vale ressaltar que nenhum deles se encontra na seção que trata da “responsabilidade por infrações” (artigos 136 a 138).

Ainda em relação aos mencionados dispositivos do CTN, numa brevíssima análise, os artigos 128 a 132 tratam da responsabilidade dos sucessores; os artigos 134 a 135 tratam da responsabilidade de pessoas naturais atuando nas condições ali descritas; e com relação ao artigo 124, está longe de ser pacífica a interpretação do que significa “pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador…”

Como se vê, os dispositivos do CTN geralmente invocados como fundamento para o redirecionamento de execuções fiscais em contexto de grupo econômico, não foram escritos com essa finalidade pelo legislador; por isso, o risco de uma interpretação que tente justificar, com base em tais dispositivos, o redirecionamento de execuções fiscais, cujo pressuposto, nos casos que envolvem grupos econômicos, será sempre um ato ilícito.

Com isso não estamos a defender que o Judiciário se abstenha de exercer a jurisdição sempre que provocado a, em nome do Estado, punir ilícitos praticados através da utilização de grupos empresariais.

O alerta que se faz é para que o legislador atue para preencher as lacunas que atualmente existem quando se trata da tributação de grupos econômicos. Em paralelo, insistimos para que os nossos tribunais não banalizem o instituto do redirecionamento de execuções fiscais, evitando que tal medida seja tomada quando o argumento for tão somente a formação de grupo econômico, sem que restem demonstradas as condutas ilícitas hoje previstas em nosso ordenamento jurídico.

[1] TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário – volume 1 – 10 ed. – São Paulo: Saraiva Educação. 2019. Pág. 653.

[2] Execução Fiscal Aplicada: análise pragmática do processo de execução fiscal / Coordenador João Aurino de Melo Filho, autores Augusto Newton Chucri et al. – 10. Ed. ver. Ampl. E atual. – São Paulo: Juspodivm, 2023. Pág. 643.

Fonte: Consultor Jurídico

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