OPINIÃO – Créditos de carbono: discussões sobre a sua natureza jurídica e tributação

Por Victória Curcio e Viviane Câmara Strachicini

Há boas razões para acreditarmos que a comercialização de créditos de carbono constituirá um mercado em ascensão nas próximas décadas. Os compromissos internacionais que vêm sendo firmados entre países e a crescente necessidade de gastos públicos e privados para prevenir ou lidar com as mudanças climáticas, provocadas pela emissão de gases poluentes, vêm delineando condições favoráveis para a criação de um mercado que permita, ao mesmo tempo, incentivar a redução da emissão e financiar as políticas públicas.

Apesar do destaque que o tema vem ganhando, a comercialização desses créditos ainda não é objeto de tratamento sistemático pela legislação brasileira. Há algumas discussões, previsões normativas e projetos de lei relevantes, mas sem que seja possível identificar um tratamento legal que se proponha a, efetivamente, instituir um regime normativo sistematizado que delimite a natureza dos créditos, seus modelos de negociação, ou formas de tributação.

Nesse contexto, é preciso debater e avaliar algumas das principais iniciativas, identificando o que já se pode aferir a respeito da natureza desses créditos e os caminhos possíveis para o reconhecimento tributário.

Em primeiro lugar, deve-se notar que não há, ainda, uma definição legal de metas de descarbonização, sendo preciso analisar o tema sob a perspectiva do Acordo de Paris, que estabelece os compromissos gerais de redução de emissões assumidos pelo Brasil perante os demais signatários. Além disso, não há, até o momento, um mercado regulado de créditos de carbono no Brasil, sendo que sua comercialização se dá ou no âmbito de legislações esparsas e específicas, como a Política Nacional de Biocombustível (Renovabio), ou na agenda de ESG da iniciativa privada.

Dito isso, destacamos nesse momento três atos normativos vigentes que tratam de créditos de carbono.

O primeiro deles é a previsão legal contida na Renovabio, criada pela Lei 13.576/2017, que tem como um de seus objetivos contribuir para o atendimento aos compromissos do país no âmbito do Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (artigo 1º, I).

A legislação prevê a possibilidade de comercialização de Créditos de Descarbonização (CBIO) pelas empresas sucroalcoleiras. Produtores e importadores de biocombustíveis habilitados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) são emissores primários e podem realizar a geração e comercialização de CBIOs, sendo que a negociação pode ser feita em mercados organizados, inclusive em leilões. A quantidade de crédito leva em conta o volume de biocombustível produzido, importado e comercializado, e a emissão se dá de forma escritural nos livros ou registros do escriturador [1].

A tributação ocorre na fonte, de forma exclusiva à alíquota de 15% (artigo 15-A), sendo excluída na determinação do lucro real ou presumido e no valor do resultado do exercício. A legislação não estabelece se os ativos decorrentes do reconhecimento de créditos de carbono devem ser tratados como intangíveis ou como ativos financeiros pelas empresas sucroalcoleiras.

Contudo, a Receita já manifestou entendimento no sentido de que os créditos de carbono constituiriam ativos intangíveis das empresas, dado que decorreriam do direito de emitir uma determinada quantidade de gases poluentes diante de acordos internacionais firmados. Sua comercialização constituiria, então, cessão de direitos e não como compra e venda de ativos financeiros. O entendimento foi apresentado na SC Disit SRRF06 nº 193/2009 e não avaliou especificamente o CBio, mas créditos em geral comercializados com base no Protocolo de Quioto. Essa solução de consulta é a segunda norma a ser destacada, uma vez que diz respeito à regulamentação dos créditos de carbono, tendo caráter infralegal.

O terceiro ato normativo é o Decreto nº 11.075/2022, que em âmbito infralegal estabeleceu os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e instituiu o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa.

A abordagem do decreto destoa daquela trazida pela Receita — e evidencia o problema de ausência de sistematização do tema. Segundo o decreto, o crédito de carbono é considerado como “ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou regulado”.

Portanto, o decreto tratou o crédito de carbono como ativo financeiro, ou seja, os créditos receberiam tratamento de derivativos, que tem como característica ser um contrato estabelecido entre duas partes, no qual se definem pagamentos futuros baseados no comportamento dos preços de um ativo de mercado, a Receita, por outro lado, os havia qualificado como ativos intangíveis.

Vale destacar que a discussão sobre ativo financeiro (derivativo) versus ativo intangível refletirá diretamente na tributação dos créditos. Como exemplo, se assumirmos a premissa que se trata de derivativo, sua circulação sofrerá incidência de o Imposto de Operações Financeiras (IOF), que consta no artigo 32-C do Decreto nº 6306/2007.

Existem, portanto, algumas abordagens legislativas possíveis, mas, ao que tudo indica, há muito a ser discutido e construído pela legislação brasileira para a construção de uma abordagem segura e completa acerca do tema. Resta, então, esperar que a legislação possa regulamentar a matéria de forma a dar segurança jurídica tanto aos detentores primários desses créditos quanto àqueles que os adquiram num ambiente de livre negociação.

A partir disso, será possível pensar tanto na criação do mercado regulado quanto na delimitação da natureza jurídica desses créditos, que poderão, inclusive, variar conforme as circunstâncias de se estar diante de emissores primários ou de seus adquirentes. De qualquer forma, o tema dos créditos de carbono merecerá maior atenção do legislador brasileiro no futuro próximo: atos normativos infralegais esparsos, certamente, não darão conta de regulamentar esse importante mercado em toda sua potencialidade.


[1] De acordo com o § 2º do art. 3º do Decreto 9.888/2019, que dispõe sobre a definição das metas compulsórias anuais de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa para a comercialização de combustíveis do Renovabio, cada unidade de Crédito de Descarbonização corresponde a uma tonelada de gás carbônico equivalente, calculada a partir da diferença entre as emissões de gases de efeito estufa no ciclo de vida de um biocombustível e as emissões de seu combustível fóssil substituto, estabelecida conforme regulamentação.

Fonte: Consultor Jurídico

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