OPINIÃO – Dissolução parcial de sociedade como meio de exclusão de sócio por falta grave

Por Felipe Negreti de Paula Ferreira

Na expectativa de iniciar rapidamente as vendas e operacionalizar o faturamento, muitos constituem suas pessoas jurídicas utilizando-se de ato constitutivo padrão, com dispositivos completamente genéricos, simplórios e que não asseguram as especificidades dos sócios quanto a eventuais conflitos societários, comumente inexistindo pactos no sentido da possibilidade de exclusão de sócios por falta grave, fato que pode ocasionar o desgaste e a implosão da relação societária e empresarial.

A falta de diligência e detalhamento na elaboração do ato constitutivo só se revela prejudicial quando os sócios, após gozarem da falsa facilitação causada pelo documento padrão, mergulham em desavenças entre si, vendo-se impotentes e sem saídas, acorrentados ao parceiro indesejado.

Exemplificando um conflito societário comum, cita-se o caso em que um sócio, após desentendimento com os demais, passa a cometer atos graves contra a sociedade, a fim de atingi-los e forçá-los a abandoná-la, em verdadeiro atentado às atividades econômicas e à preservação da empresa.

Pois bem. A partir deste ponto, prezando maior abrangência de casos, passa-se a analisar tal situação sob o enfoque da sociedade limitada, ao passo que se trata do tipo societário mais adotado no Brasil [1], segundo os “Painéis do Mapa de Empresa” elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), que demonstra que dentre as mais de 21 milhões de empresas atualmente ativas no Brasil, mais de 6,2 milhões são sociedades limitadas [2].

Vale constar serem as sociedades limitadas regidas pelo Código Civil em vigor, notadamente no Título II, Capítulo IV, e, em suas omissões, pelo regramento das sociedades simples, podendo-se optar pelas regras da sociedade anônima, conforme artigo 1.053, sendo esta última opção a mais comum.

Neste parâmetro, socorrendo-se da legislação nacional, o Código Civil brasileiro só autoriza a exclusão extrajudicial de sócios nas sociedades limitadas quando o Contrato Social possuir previsão expressa nesse sentido, conforme artigo 1.085:

“Artigo 1.085. Ressalvado o disposto no artigo 1.030, quando a maioria dos Sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais Sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da Sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.”

Após leitura do dispositivo, à primeira vista, sob o prisma da autonomia privada e da falta de previsão no contrato social sobre a hipótese, há quem acredite não haver outra saída senão seguir o contrato social até que os sócios cheguem espontaneamente a um acordo para solucionar os conflitos, o que é pouco crível e pode levar à implosão da sociedade e o consequente encerramento das atividades econômicas, muito em virtude da vaidade e do ego das partes.

Isso porque, após tomar a decisão inicial de deixar de lado as burocracias necessárias e a fixação de parâmetros racionais para momentos delicados, como são os conflitos societários, deu-se espaço às questões subjetivas e emocionais, as quais tomam e envenenam completamente a relação societária.

Porém, para sorte dos “desburocratizadores” que se utilizaram do ato constitutivo genérico, há saída jurídica para tanto, sem, contudo, ser a menos complexa, delicada, gravosa e morosa. É a chama “ação de dissolução parcial de sociedade por exclusão de sócio”, a qual pode ser proposta, em conjunto ou separadamente, pela própria sociedade (artigo 600, V, CPC) e/ou pela maioria dos demais sócios, conforme artigo 1.030, CC:

“Artigo 1.030. Ressalvado o disposto no artigo 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente.”

A fim de se entender o significado de “falta grave”, menciona-se que a legislação brasileira possui implícita a obrigação do sócio no dever de lealdade, o qual se traduz na noção geral de colaboração, não apenas no sentido de gestão do negócio, mas também de abster-se da execução de atos prejudiciais aos interesses comuns [3]. Quando esse dever não é cumprido, pode-se concluir pela configuração de uma falta grave.

O renomado jurista Fábio Ulhoa Coelho elenca alguns exemplos de fatos que configuram as atitudes do sócio como desleais, configuradores de falta grave [4]:

a) tumultuar o ambiente de trabalho;

b) desautorizar ou contrariar atos de gerência;

c) externar divergências entre Sócios e informações confidenciais; e

d) utilizar recursos humanos e materiais da empresa para propósitos pessoais sem anuência dos demais Sócios ou em condutas que possam atrapalhar o cotidiano da empresa, dirigentes e funcionários.

Conclui-se ser um sócio desleal e descumpridor da colaboração aquele que toma atitude prejudicial a regular operacionalidade da empresa. Assim, a não observância do dever de lealdade implica em graves problemas internos, resolvendo-se, em último caso, com a expulsão do sócio.

Logo, constituída a sociedade, na hipótese da constatação de condutas provocadoras de desavenças irreversíveis entre os sócios, as quais desestruturem a harmonia entre eles, em prejuízo à preservação da empresa no cumprimento do seu fim, o sócio causador das desavenças será classificado como faltoso na observância de seus deveres, sendo, portanto, cometedor de falta grave, como assim leciona Sérgio Campinho:

“Ato contínuo, afirma que ‘representa falta do Sócio no cumprimento de suas obrigações não apenas o ato de violação das disposições do contrato social, mas o ato de infração da lei ou a conduta que provoque a desavença irremediável no corpo social’, destacando, por derradeiro, que ‘a gravidade de tais faltas está no dano que representam à harmonia necessária entre os Sócios para que a Sociedade continue a cumprir seu fim’.” [5]

Assim, em virtude da ausência da previsão de possibilidade da exclusão extrajudicial, parte-se para a ação judicial como única via para os contratos sociais genéricos, a qual pode ser dividida em três momentos.

Inicialmente, explanam-se os fatos envolvidos no litígio, os quais deverão ser acompanhados dos respectivos documentos probatórios (vídeos, fotos, arquivos, testemunhas, etc.), oportunidade em que, a depender da gravidade das condutas, poderá ser requerido o afastamento liminar (imediato) do sócio de suas atribuições e do ambiente físico da empresa, oficiando-se as instituições financeiras e a junta comercial competente em eventual decisão deferindo tais pedidos (artigo 300, CPC).

Ato contínuo, citado o réu, esse possui o prazo de 15 dias úteis para contestação do pedido de sua exclusão (artigo 601, CPC), oportunidade em que se instaurarão as discussões sobre as alegações dos autores e as defesas do réu, podendo-se produzir provas e, ao final, se proferirá a respectiva sentença, a qual poderá ser combatida mediante os recursos cabíveis.

Após a finalização deste momento, configurado após inexistir a possibilidade de mais recursos, o que é chamado “trânsito em julgado” da decisão, caso seja julgada procedente a ação, ou seja, se houver a decisão de exclusão do sócio, passa-se à fase de apuração de haveres, segundo o valor patrimonial apurado em regime de determinação (artigo 606, CPC, e 1.031, CC) a ser realizado por perito especializado em avaliação de sociedades (artigo 604, III, e 606, parágrafo único, CPC).

Escoados os prazos para impugnações, o valor apurado deverá ser pago ao sócio excluído, podendo haver redução do capital social ou o aporte dos demais sócios, em virtude da exclusão.

Em suma, há enorme prejuízo em não possuir balizas especializadas, concretas e racionais no ato constitutivo de uma empresa, ao passo que, na ocorrência de fato alheio a suas previsões, ficará a cargo do Poder Judiciário a decisão sobre seu futuro e da composição de seu quadro social, meio extremamente moroso, penoso e não especializado. Além disso, durante o processo judicial haverá grande desgaste financeiro e emocional das partes, os quais poderiam ter sido evitados mediante contrato social que atendesse as demandas pontuais da pessoa jurídica.


[1] Disponível em: https://empresometro.com.br/Estatisticas. Acesso em: 04/06/2023.

[2] Disponível em: https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas/painel-mapa-de-empresas. Acesso em: 04/06/2023

[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Vol. 2: direito de empresa: Sociedade. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 445.

[4] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Vol. 2: direito de empresa: sociedade. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 445

[5] CAMPINHO, Sérgio; PINTO, Mariana. A Sociedade limitada na perspectiva de sua dissolução. Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597462. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597462/. Acesso em: 17 nov. 2022

Fonte: Consultor Jurídico

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