OPINIÃO – Exclusão dos benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL

Por Gustavo Leite

Ultimamente, o Superior Tribunal de Justiça tem se debruçado, frequentemente, sobre a exclusão dos benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

São inúmeros os recursos julgados. Cada um com a sua especificidade, e, quando digo especificidade, quero dizer em relação a qual tipo de benefício fiscal de ICMS concedido pelos Estados: redução da base de cálculo, diferimento, crédito presumido, isenção, entre outros.

O último recurso de que se tem notícia foi os EDcl no Recurso Especial nº 1.968.755 – PR, no qual, acertadamente, o STJ afastou a necessidade de comprovação de que os benefícios fiscais de ICMS tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, como exigido pela Receita Federal do Brasil, exposta na Solução de Consulta Disit/SRRF07 nº 7.014/22.

Em que pese à acertada decisão do STJ, o entendimento da Receita Federal do Brasil é totalmente contrário à lei, tendo em vista que os benefícios fiscais de ICMS não devem ser caracterizados como riqueza nova, mas, sim, como mero incentivo estatal para que a atividade empresarial seja melhor desempenhada, cujo efeito prático é a diminuição do imposto devido, não podendo justificar a imposição de outros tributos, sob pena de mitigar ou até mesmo esvaziar a benesse concedida.

Toda esta discussão tem origem no enquadramento dos benefícios fiscais de ICMS como subvenção para custeio ou para investimento. Mas, é necessário frisar que os benefícios fiscais de ICMS não podem ser incluídos na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, independentemente de os créditos se enquadrarem em uma categoria específica de subvenção.

Qualquer que seja o benefício, o objetivo é fomentar as atividades produtivas que o Estado quer ver incrementadas em seu território.

A legislação prevê a não incidência do IRPJ e da CSLL sobre subvenções para investimento, concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público, que não serão computadas na determinação do lucro real, na forma do artigo 30, §4º e §5º, da Lei 12.973/2014.

Todavia, a Receita Federal faz distinção entre subvenção para o custeio e subvenção para investimento, como dito acima, de modo que nem toda subvenção concedida pelos entes federados deixariam, automaticamente, de integrar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

A concessão de benefícios fiscais que representem subvenção para o custeio, por não estar contida expressamente no artigo 30, §4º e §5º, da Lei 12.973/2014, e por ser, segundo a Receita, conceitualmente distinta da subvenção para investimento, conduziria à inclusão desses valores na base de cálculo da tributação sobre a renda.

Portanto, no entendimento do Fisco, a não incidência do IRPJ e da CSLL ficaria restrita à hipótese de subvenções para investimento que, no entendimento da Receita, seriam aqueles incentivos fiscais em que são exigidas contraprestações do contribuinte, na forma de investimentos.

O inciso IV do artigo 44 da Lei n. 4.506/1964 e o artigo 392 do Regulamento do imposto de renda determinam que as subvenções para custeio integrem a receita bruta operacional, que, por sua vez, integra o lucro operacional, o lucro líquido contábil e o lucro real, fazendo incidir o IRPJ e a CSLL.

O inciso III do artigo 153 e alínea “c” do inciso I do artigo 195, ambos da Constituição Federal de 1988, atribuem à União a competência para a instituição de imposto e contribuição sobre a base econômica “renda e proventos de qualquer natureza”. Veja-se:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

III – renda e proventos de qualquer natureza;

§ 2º – O imposto previsto no inciso III:

I – será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei;”

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)”

O artigo 43 do Código Tributário Nacional fixa as regras gerais e diretrizes da hipótese de incidência do Imposto de Renda, sendo esta a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de “renda ou proventos”. Portanto, o núcleo da hipótese de incidência do imposto de renda é a geração de riqueza nova, de ganho econômico produzido pelo capital, trabalho ou da combinação de ambos, capaz de gerar acréscimo patrimonial.

Os benefícios fiscais de ICMS têm natureza jurídica de subvenção para custeio, pois se tratam de auxílio financeiro transferido pelo Poder Público às pessoas jurídicas com a finalidade de estimular determinadas atividades de interesse público. Trata-se, portanto, de benefício fiscal que visa estimular determinado setor da economia estadual, evidenciando seu caráter extrafiscal.

No entanto, não são riqueza nova, capazes de aumentar o patrimônio do Contribuinte.

Nas palavras da ministra Regina Helena Costa: “os incentivos fiscais são conferidos pelo legislador estadual para incentivar e ‘[…] facilitar o atendimento a um plexo de interesses estratégicos para a unidade federativa, associados às prioridades e às necessidades locais coletivas'”.

Portanto, a concessão de benefícios fiscais, com a consequente renúncia de receita, por parte de um dos entes federativos, trata-se de instrumento legítimo de política fiscal, sendo que a União, por esse motivo, ao considerar qualquer benefício fiscal de ICMS como receita tributável, estaria esvaziando-o, provocando uma interferência política no benefício concedido pelo Estado. Conforme a ministra Regina Helena Costa já se manifestou: “a União estaria retirando com uma das mãos o que o Estado-membro ofereceu com a outra, aniquilando o sentido do incentivo fiscal”.

Neste caso, há plena violação ao pacto federativo, que é cláusula pétrea, consoante o disposto no artigo 150, VI, “a”, da Constituição Federal, veja-se:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[…]

VI – instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;”

O STJ, ao analisar o REsp n° 1.222.547, entendeu da mesma maneira que o exposto acima, tendo em vista que, por unanimidade, o colegiado entendeu que “o fisco, ao considerar esses ganhos (benefícios de ICMS) como lucro, possibilita que a União retire, indiretamente, o incentivo fiscal concedido pelos estados, o que levaria ao esvaziamento ou à redução do benefício”.

Em outra oportunidade, o STJ entendeu da mesma maneira, ao julgar o EREsp 1.517.492, a corte definiu que o crédito presumido de ICMS não pode ser incluído na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, “independentemente de os créditos se enquadrarem em uma categoria específica de subvenção.” Na oportunidade, a ministra Regina Helena Costa, relatora do recurso especial, frisou que, “em decorrência do modelo federativo, a Constituição Federal distribuiu as competências tributárias, cabendo aos estados instituir o ICMS e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais para atender a interesses estratégicos da unidade federativa”.

No entendimento da relatora, além de desobedecer ao princípio federativo, a tributação pela União de valores relativos a benefício fiscal concedido por Estado estimula a competição indireta entre os entes da Federação.

“Não está em xeque a competência da União para tributar a renda ou o lucro, mas, sim, a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa.”

No entendimento do STJ, no último recurso julgado sobre a matéria aqui exposta, a corte entendeu que: “quando a Lei Complementar n. 160/2017 equiparou todos os incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais de ICMS (típicas subvenções de custeio ou recomposições de custos) a subvenções para investimento o fez justamente para afastar a necessidade de se comprovar que o foram estabelecidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos (conceito típico de subvenção de investimento). Não fosse isso, a equiparação legal feita pelo art. 30, §4º, da Lei n. 12.973/2014 (Incluído pela Lei Complementar nº 160, de 2017) seria inócua… Decerto, muito embora não se possa exigir a comprovação de que os incentivos o foram estabelecidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, persiste a necessidade de registro em reserva de lucros e limitações correspondentes, consoante o disposto expressamente em lei”.

Portanto, conclui-se que, independentemente de o benefício fiscal se enquadrar em uma categoria específica de subvenção — investimento ou custeio — não há a possibilidade de tributação de tais benesses pelo IRPJ e CSLL, tendo em vista que haveria a violação do pacto federativo e o esvaziamento do benefício, além de a própria Lei Complementar n° 160/17 ter equiparado os incentivos e benefícios fiscais “(típicas subvenções de custeio ou recomposição de custos) a subvenções para investimento”, a fim de que afastasse a necessidade de comprovação de que tais benefícios foram outorgados como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos.

Fonte: Consultor Jurídico

Posts relacionados

Deixe um comentário