OPINIÃO – Os reflexos da cobrança do IBS/CBS para contribuintes no lucro presumido

Por Estevão Gross Neto

O Brasil está diante da mais profunda e impactante alteração do sistema tributário desde a promulgação da Constituição de 1988. A extinção de cinco tributos, e sua substituição pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto Seletivo, pautados por modelos tributários já implementados e aprovados na maioria dos países, tende a trazer maior razoabilidade, simplicidade e transparência ao sistema tributário nacional — ainda que o processo de implementação dessa mudança seja árduo.

No projeto de reforma tributária aprovado pela Câmara dos Deputados em 7 de julho, e agora submetido à apreciação pelo Senado, a neutralidade tributária do IBS e da CBS foi considerada tão importante que foi alçada à condição de princípio orientador da não-cumulatividade desses tributos (conforme a proposta de redação do artigo 156-A, §1º, VIII). Naturalmente, a referida não-cumulatividade envolve a não-cumulatividade interna, em que a carga do tributo é a mesma independentemente da quantidade de etapas na cadeia de produção do bem ou serviço.

No entanto, há um tema que merece atenção especial do legislador, qual seja, os reflexos da cobrança do IBS/CBS para contribuintes no lucro presumido.

Como se sabe, a sistemática tributária do lucro presumido permite aos contribuintes que o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sejam calculados com base em percentuais da receita bruta operacional, a depender do ramo de atividade econômica do qual a respectiva receita provém. Nos casos de atividades comerciais e industriais, esse percentual é de 8% (para o IRPJ) e 12% (para a CSLL), sendo de 32% (IRPJ e CSLL) para atividades de serviços.

Trata-se de uma sistemática tributária simplificada e, porque não dizer, mais benéfica, aplicável às empresas elegíveis para tanto — em geral, empresas de porte médio (receita total no ano anterior de até R$ 78 milhões).

Ocorre que, para as empresas nessa sistemática — em especial para aquelas cujas atividades sociais envolvam a prestação de serviços e/ou cessão de direitos/intangíveis, adoção do IBS/CBS deverá resultar em relevante acréscimo da carga tributária.

Especificamente em relação aos prestadores de serviços, é indiscutível que a substituição do ISS/PIS/Cofins pelo IBS/CBS, cuja alíquota, segundo se estima, seria de 25% a 28%, implicará em relevante aumento da carga tributária. Com razão, no entanto, se argumenta que esse aumento da carga tributária tende à neutralidade para os tomadores de serviços/adquirentes de direitos/intangíveis que se encontrarem no ciclo da cadeia produtiva, uma vez que estes deverão tomar o crédito do IBS/CBS (não-cumulatividade plena, conforme previsão do artigo 156-A, §1º, VIII) [1] e compensar nas operações para o consumidor final, de sorte a transferir toda essa carga tributária para a última etapa da cadeia — razão pela qual, aliás, esses tributos são denominados de tributos sobre o consumo.

A despeito dessa relação direta entre o IBS/CBS e a carga tributária de certos contribuintes, há ainda uma relação indireta que poderá, essa sim, prejudicar todos os contribuintes sujeitos ao lucro presumido: a inclusão do IBS/CBS na receita bruta, base de cálculo do lucro presumido. De fato, a se adotar a lógica comumente presente em outros países que adotam tributos sobre valor agregado (IVA), o preço dos bens/serviços/intangíveis deverá ser acrescido do percentual do IVA — no nosso caso, do IBS/CBS de cerca de 25%.

Portanto, e em especial para as atividades envolvendo serviços e intangíveis, é razoável supor que o preço dos serviços/intangíveis será acrescido em 25%, equivalente ao IBS/CBS que se pretende instituir e que, pela lógica do IVA, deverá ser transferido ao consumidor final. Sobre essa receita bruta operacional, agora acrescida em 25% pelo IBS/CBS, haverá a incidência do IRPJ/CSLL na sistemática do lucro presumido.

Ocorre que, consoante a legislação atual, apenas os tributos não cumulativos cobrados na condição de mero depositário (leia-se sob a sistemática da substituição tributária para frente) poderiam ser excluídos da receita bruta [2], o que evidentemente não seria o caso do IBS/CBS.

Não custa lembrar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar o Tema Repetitivo 1.008, ratificou a impossibilidade de exclusão do ICMS da base de cálculo do lucro presumido, fixando a tese de que “o ICMS compõe a base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), quando apurados na sistemática do lucro presumido“.

Nesse contexto, o que irá se verificar é o aumento expressivo no preço dos serviços/intangíveis, de sorte a transferir para a etapa final o ônus do IBS/CBS, sem que essa majoração represente alteração da capacidade contributiva ou da riqueza efetiva do contribuinte, mas mero repasse de custo tributário. Ao mesmo tempo, mantendo-se a impossibilidade de exclusão do IBS/CBS da base de cálculo do lucro presumido, o contribuinte nessa sistemática ainda terá que recolher IRPJ/CSLL sobre essa majoração do preço (representativa apenas do IBS/CBS) que, por princípio, em nada altera sua capacidade contributiva ou rentabilidade.

Infelizmente, o problema não é novo, e tem afetado em particular os contribuintes de ICMS. No entanto, com a adoção do IBS/CBS com a alíquota que se anuncia, esse problema irá se generalizar a todos os contribuintes desses tributos — que, sabidamente, deveriam ser neutros e onerar exclusivamente o consumidor final.

Logo, é fundamental que o legislador ordinário corrija essa distorção, assegurando a dedução do IBS/CBS da base de cálculo do lucro presumido, a fim de garantir a efetiva neutralidade desses tributos em relação aos demais tributos do sistema.


[1] Evidentemente essa neutralidade não irá se aplicar paras as operações realizadas diretamente com pessoas físicas ou com não-contribuintes do IBS/CBS, sendo que nesses casos o aumento da carga tributária será efetivo.

[2] Decreto Lei nº 1.598/77, art. 12, § 4.

Fonte: Consultor Jurídico

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