OPINIÃO – Responsabilização de companhias ofertantes de valores mobiliários

Por Gustavo Vicentini Chamadoiro

Foi apresentado ao Congresso, no dia 2 de junho deste ano, o Projeto de Lei nº 2.925/2023, que propõe importantes alterações na Lei 6.385/1976. A lei em questão trata do mercado de capitais e instituiu a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), bem como na Lei 6.404/76 (Lei das S.A.), que regulamenta as sociedades por ações.

De autoria do Ministério da Fazenda, encabeçado pelo ministro Fernando Haddad, o PL nº 2.925 faz parte da agenda do governo para melhorar a economia por meio de reformas pontuais e tem a intenção de fortalecer o mercado de capitais brasileiro, aumentando a proteção dos seus investidores e, assim, estimular o fluxo de investimentos no mercado nacional.

O projeto tem como base o estudo elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em conjunto com o Ministério da Fazenda e a CVM. Nesse documento, foi constada a necessidade de uma maior eficácia nos instrumentos de proteção e reparação de investidores de sociedades por ações e do mercado de valores mobiliárias em geral, propondo, ao ordenamento brasileiro, mecanismos de reparação mais alinhados com o modelo de outras jurisdições, tais quais o modelo estadunidense.

Conforme as regras atualmente vigentes, podem apresentar ação de reparação de danos contra atos de controladores de companhias os acionistas detentores de 5% ou mais do capital social dessas ou qualquer acionista que preste caução pelas custas e honorários de advogado para o caso de improcedência da ação. Esse perfil de acionista também pode propor ação de responsabilidade contra os administradores que causarem danos à companhia. Cabe ressaltar que, na legislação societária, não existe previsão que imponha às sociedades anônimas a responsabilidade de indenizar diretamente seus acionistas por danos por elas causados.

Nas ações de responsabilidade contra administradores e/ou controladores, o acionista minoritário age, por sua conta e risco, suportando as despesas dos processos, inclusive os honorários sucumbenciais, não sendo em nada reembolsado no caso de improcedência da ação. Além disso, são apenas indiretamente beneficiados no caso de sucesso da ação, uma vez que é a companhia lesada que percebe os frutos da ação de responsabilidade.

A legislação societária prevê prêmio de 5% calculado, sobre o valor da indenização, ao autor de ação proposta contra acionistas controladores, no caso de sucesso do pleito, no entanto, na hipótese de insucesso da ação, o autor deve arcar com os honorários sucumbenciais e custos do processo. Já na ação contra os administradores, aos acionistas que a propuserem, é assegurado tão somente o reembolso das despesas a que tiverem incorrido com o processo — no evento em que seus pleitos sejam julgados procedentes.

Caso o Projeto de Lei nº 2.925 seja aprovado nos atuais termos, nas companhias fechadas, os acionistas que sejam detentores de 5% ou mais do capital social continuarão sendo legitimados para propor ação contra administradores ou acionista controlador. Para as companhias abertas, serão legitimados para propor tal ação acionistas que representem 2,5% ou R$ 50 milhões do capital social da companhia. Não obstante, em ambos os casos, se administradores ou o acionista controlador forem condenados a ressarcir eventuais danos causados à companhia, será devido prêmio de 20% ao(s) autor(es) da ação, calculado sobre o valor total da indenização.

A alteração do rol de legitimados é proposta com a intenção de aumentar a representatividade e proteção de acionistas minoritários das companhias abertas, aumentando a confiança dos investidores no mercado de capitais. Por sua vez, a majoração do prêmio no caso de sucesso das ações de responsabilidade tem a intenção aumentar o incentivo para que os acionistas busquem a defesa de seus interesses e da companhia lesada, por sua conta e risco, proposta que segue a linha do estudo da OCDE que demonstra a pouca utilização desse tipo de ação no Brasil, cujos prêmios são desproporcionais em relação às legislações estrangeiras e sujeitam o acionista minoritário a elevados riscos para defender o patrimônio da companhia.

Adicionalmente, o Projeto de Lei pretende incluir no rol de competências privadas das assembleias gerais o encerramento de ações de responsabilidade de administradores ou controladores, mediante acordo, sendo que, os acionistas que representam 10% do capital votante poderão vetar a aprovação da matéria, percentual que poderá ser reduzido pela CVM em companhias abertas.

Também na perspectiva de ampliar a proteção dos investidores do mercado de capitais brasileiro, o projeto adiciona à Lei 6.385/1976 (a Lei do Mercado de Capitais) a previsão de ação civil coletiva, nos moldes das class actions americanas, que poderá ser proposta por investidores (inclusive não acionistas, como, por exemplo, detentores de debêntures), em nome próprio e no interesse de todos os titulares de valores mobiliários da mesma espécie e classe, contra danos decorrentes de infrações à legislação ou à regulamentação do mercado de valores mobiliários, que, caso procedente, aproveitará toda a classe de investidores e não somente aos investidores proponentes.

O projeto tenta, ainda, emplacar a publicidade nos processos arbitrais envolvendo companhias abertas, sob o argumento de que conflitos societários entre acionistas minoritários e administradores ou acionistas controladores têm caráter coletivo, na medida em que afetam todos os acionistas da companhia, podendo afetar indiretamente os interesses de todos os participantes do mercado de valores mobiliários. Não obstante, a CVM poderá limitar a publicidade dos procedimentos arbitrais, incluindo hipóteses em que tais procedimentos poderão ser confidenciais.

Por fim, vale destacar a disposição incluída no projeto acerca da responsabilidade de ofertantes, coordenadores e intermediários de ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários por prejuízo causados a investidores em infração à legislação e à regulamentação do mercado de valores mobiliários. Se aprovado, os emissores, coordenadores e intermediários de ofertas públicas de valores mobiliários também poderão ser responsabilizados por danos a investidores.

Apesar do nobre e necessário propósito do Projeto de Lei nº 2.925 em aumentar a eficácia dos instrumentos jurídicos que visam proteger os direitos de acionistas minoritários e investidores do mercado de capitais, as alterações por ele propostas podem trazer impactos (ainda não dimensionados) aos participantes do mercado de valores mobiliários, impactos que merecem ser analisados e debatidos.

No tema da publicidade de arbitragens, de um lado, o acesso às decisões dos tribunais arbitrais, certamente, ampliará o conhecimento dos agentes do mercado sobre a interpretação da legislação societária, uniformizando entendimentos e dando subsídio a investidores, acionistas e outros agentes lesados em seus pleitos de reparação. Por outro lado, as companhias verão questões concernentes unicamente aos seus interesses como empresa tornando-se de conhecimento geral, o que poderá trazer implicações inclusive nos valores dos seus papeis negociados.

Por sua vez, o incremento dos legitimados para propor ação de responsabilidade, somado ao prêmio de 20% sob a indenização e à nova ação civil coletiva societária, por um lado, podem servir de incentivo para que investidores defendam os seus direitos, e, em nome próprio, os direitos da própria companhia, aumentando a eficácia da tutela de tais direitos. Por outro lado, como se verifica nos Estados Unidos, poderemos ver o surgimento de um mercado de litigantes profissionais que, de maneira oportunista, podem tentar aliciar pessoas a processos demorados e de risco e, em muitos casos, pressionar companhias e investidores à celebração de acordos (nem sempre favoráveis para ambas as partes).

Em adição, cabe a ponderar que, nos termos do projeto, os acionistas representantes de 10% do capital social poderão vetar deliberação da assembleia geral a respeito de acordo destinado a encerrar a ações de responsabilidade contra administradores e/ou acionistas controladores, o que aumentará o poder de barganha dos acionistas minoritários representantes de 10% do capital social e poderá alongar a duração de tais ações.

Dessa forma, surge a dúvida (a qual merece debate pelos legisladores e demais players do mercado): em que medida tal proposta beneficiará efetivamente os investidores interessados no desenvolvimento do mercado e não aqueles litigantes profissionais que tentarão se beneficiar de demandas oportunistas. Igualmente digno de debate e não menos importante, é a equiparação dos demais emissores de valores mobiliários (tais quais fundos e clubes de investimento), coordenadores e intermediários de ofertas públicas com as companhias abertas em termos de responsabilidade, que, com intuito de realocar o risco que estarão submetidos, poderão elevar o valor de suas remunerações, ou mesmo buscar garantias junto aos emissores dos valores mobiliários ofertados e, dessa forma, encarecer as ofertas públicas.

Além disso, com o incremento nas responsabilidades de administradores, seria de se esperar um aumento em suas remunerações e benefícios em uma escala ainda desconhecida.

No atual momento de incerteza econômica e de um mercado de capitais brasileiro retraído, cabe cautela quanto ao projeto de lei, especialmente no que toca ao sistema de responsabilização de acionistas, administradores e, nas circunstâncias já tratadas, aos próprios ofertantes de valores mobiliários. Certamente, o projeto será fonte de discussões e reformas do Congresso, considerando o grande número de interesses envolvidos.

Não é possível afirmar como o mercado se reagirá face as mudanças previstas no Projeto de Lei nº 2.925, caso aprovadas. Por ora, os impactos de tais mudanças permanecem no campo da especulação e vão e devem ser objeto de debate político, jurídico e econômico. No tema de responsabilização de acionistas majoritários, administradores e dos próprios ofertantes de valores mobiliários, o fim que se propõe o Projeto de Lei nº 2.925 é nobre e necessário, buscando dar eficácia a institutos já consagrados na legislação societária. No entanto, caso os meios para alcançar tal fim não sejam estudados, debatidos e, alguns casos, aprimorados, o Projeto de Lei nº 2.925 poderá galgar fim oposto ao que se propõe.

Fonte: Consultor Jurídico

Posts relacionados

Deixe um comentário