OPINIÃO – Venda de bem de família após inscrição em dívida ativa não configura fraude

Por Luniza Carvalho do Nascimento

Convido o leitor a imaginar a seguinte situação hipotética, inspirada em casos reais: ajuizamento de execução fiscal contra a empresa ABC, não encontrada no local em que se estabelecia, e que teve contra si presumida a dissolução irregular. Em razão disto, houve o redirecionamento da execução contra o sócio gerente, regularmente citado. O referido sócio-gerente, por qualquer razão, alienou o imóvel em que residia quando já existente o crédito tributário, inscrito em dívida ativa.

Surge, então, o questionamento, a ser respondido pelo presente artigo: a alienação do imóvel em que residia o sócio-gerente configura fraude à execução? A resposta, tão simples quanto evidente, será devidamente fundamentada pelas razões a seguir.

Nos termos do artigo 185 do Código Tributário Nacional, com a redação dada pela LC nº 118/2005, presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Uma exceção à regra diz respeito à impossibilidade de alienação do bem de família, no caso hipotético acima, do imóvel em que residia o sócio-gerente, ainda que no curso da execução redirecionada, por três razões.

Em primeiro lugar, por força do artigo 1º da Lei nº 8.009/90, o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.

Com efeito, o imóvel em que residia o sócio-gerente, cuja execução lhe foi redirecionada, é impenhorável e não poderia ser objeto de penhora na execução fiscal.

Em segundo lugar, não há prejuízo ao Fisco o afastamento da fraude à alienação em relação ao imóvel considerado bem de família, impenhorável por força de lei. Isso porque, ainda que houvesse a anulação da venda a terceiro, a consequência seria o retorno do bem ao patrimônio do devedor.

Dessa forma, voltando à titularidade do devedor, tampouco o Fisco poderia penhorar o imóvel, precisamente, porque se trata de bem de família.

Em terceiro lugar, considerando que o bem de família jamais poderá ser expropriado para satisfazer execução, a Fazenda Pública sequer possui interesse jurídico em ver a venda considerada ineficaz. Ora, seja pela impossibilidade de penhora ou pela ausência de prejuízo, inarredável é a conclusão que isso não atinge, direta ou indiretamente, o direito creditício do Estado, uma vez que o bem de família nunca pode ser objeto de execuções fiscais [1].

Portanto, retomando a questão levantada acima: a alienação do imóvel em que residia o sócio gerente, que contra si teve execução redirecionada, não configura fraude à execução, ainda que posteriormente, por óbvio, a inscrição em CDA.

Apesar disso, reiteradas são as tentativas das Fazendas Públicas em anular alienações de bens de família com fundamento no artigo 185 do CTN [2]. Porém, conforme visto e fundamentada numa jurisprudência consolidada sobre o assunto, a consequência do “jus esperneandi” nada mais é, no mínimo, do que o desperdício de dinheiro público com contencioso fadado à derrota.

[1] Ressalvado a possibilidade de cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar, nos termos do inciso IV do artigo 3º da Lei nº 8.009/90.

[2] STJ, AgInt no REsp n. 1.719.551/RS, relator ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 21/5/2019, DJe de 30/5/2019. STJ, AgInt no AREsp nº 1.563.408/RS, relator ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 16/8/2021, DJe de 20/8/2021. STJ, AgInt no AREsp 2.228.174 / RS, relator ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 21/08/2023, DJe de 23/08/2023.

Fonte: Consultor Jurídico

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