OPINIÃO – O futuro das non-competes no mercado de trabalho

Ademir Pereira Jr./Yan Villela Vieira

No último dia 23 de abril, a Federal Trade Commission (FTC), autoridade responsável pela defesa da concorrência nos Estados Unidos, publicou uma normativa que proíbe cláusulas de não concorrência trabalhistas (conhecidas como “non-competes”), exceto aquelas já vigentes aplicáveis a “senior executives” (entendidas como posições capazes de estabelecer os direcionamentos/políticas das empresas).

A decisão era esperada — a FTC havia publicado uma proposta nesse sentido para consulta pública em janeiro de 2023, e sua liderança indicou em múltiplas oportunidades estar convencida de que tais cláusulas deveriam ser banidas. Não obstante, a publicação da diretriz se deu em meio a grande controvérsia jurídica, e seu futuro é incerto.

Para fins de clareza, non-competes são acordos celebrados entre o empregador e seus colaboradores (empregados, executivos, prestadores de serviços etc.) que proíbem a migração dos colaboradores para uma empresa concorrente por determinado período no caso de encerramento da contratação.

Tais acordos não se confundem com os no-poaching agreements — acordos por meio dos quais empresas combinam que não contratarão e/ou não tentarão aliciar os colaboradores umas das outras. Enquanto os no-poaching agreements já vêm sendo investigados por autoridades concorrenciais há anos, a FTC agora volta sua atenção também para os non-competes.

A FTC afirma que proibir non-competes “gerará mais de 8.500 novos negócios a cada ano, aumentará os salários dos trabalhadores, reduzirá os custos dos cuidados de saúde e impulsionará a inovação”. A lógica é relativamente simples: ao se criar barreiras para que os colaboradores deixem uma empresa e migrem para concorrentes, as non-competes reduzem a competição no mercado de trabalho. Com isso, colaboradores acabam com menor poder de barganha para negociar salários, menos empresas inovadoras são criadas e menos inovações circulam no livre mercado (uma ideia rejeitada poderia ser abraçada por um novo empregador ou atrair capital de risco para uma startup).

Controvérsia

Essa posição, contudo, está longe de ser uma unanimidade. A normativa da FTC já nasceu envolta em grande controvérsia — já há notícia sobre duas ações judiciais que buscam anular a diretriz da FTC, e a probabilidade de sucesso dessas iniciativas não parece desprezível. Há ao menos três pilares de críticas.

Primeiro, os críticos da FTC argumentam que as non-competes são um mecanismo fundamental para a proteção de segredos de negócio que poderiam ser apropriados por rivais por meio da contratação de seus funcionários. As non-competes seriam uma forma de evitar que esses segredos de negócio, que muitas vezes não podem ser objeto de patentes ou outras proteções, sejam violados.

A FTC, de outro lado, argumenta que a maneira adequada de proteger segredos industriais é por meio de NDAs (non-disclosure agreements ou acordos de não-divulgação), e não de non-competes. A capacidade de as NDAs efetivamente protegerem segredos de negócio em qualquer situação é objeto de debate entre especialistas.

Segundo, argumenta-se que a FTC está desconsiderando um elemento chave do direito da concorrência: o entendimento histórico de que a maior parte das práticas empresariais, quando não envolvem acordos com concorrentes, devem ser submetidas a uma análise caso a caso de efeitos (chamada de “regra da razão”), e não a proibições totais (“per se”). Apoiadores da FTC alegam que os efeitos prejudiciais das non-competes são tão claros quanto os efeitos dos acordos entre concorrentes que resultam em restrições nuas à concorrência (“naked restraints”), mas a literatura econômica sobre o tema é recente e não tão consistente, o que coloca em xeque a escolha por uma regra geral e absoluta.

Por fim, há argumentos contundentes no sentido de que a FTC não tem poderes para emitir normativas do tipo. Com base em regra de interpretação constitucional, afirma-se que a FTC não poderia criar uma normativa com impactos tão relevantes quando não há legislação que preveja de maneira clara e específica que a agência pode regular contratos de trabalho. De seu lado, a FTC entende ter poderes para tanto a partir da previsão do FTC Act que permite que a autoridade combata “formas injustas de competição”.

Cenário local

No Brasil, as non-competes são, no geral, aceitas desde que definidas por período razoável, sujeitas à remuneração adequada do colaborador e com escopo geográfico e material bem definidos. As discussões sobre non-compete no Brasil são tipicamente limitadas à revisão judicial de cláusulas em que possa haver irrazoabilidade ou desproporcionalidade nessas definições, usualmente no contexto de litígio privado entre empresa e colaborador. Esses litígios são muitas vezes fundamentados em aspectos de direito do trabalho e raramente apresentam uma discussão de caráter concorrencial.

Diante da normativa da FTC, que coloca a questão concorrencial no centro do debate, será importante observar eventuais mudanças de orientação no Brasil, seja na forma de mudança de jurisprudência originada da revisão judicial ou de eventuais investigações promovidas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Até o presente, cláusulas de non-compete são examinadas pelo Cade apenas no contexto de aquisições de participação societária (nesses casos, há entendimento consolidado no Brasil e nos EUA de que o comprador pode exigir um compromisso de non-compete do vendedor limitado ao escopo do negócio alienado, e a diretiva da FTC não altera esse entendimento). Diante da iniciativa da FTC (uma das principais autoridades concorrenciais do mundo), é importante observar se o Cade também passará a olhar com mais atenção para esse tema.

Fonte: Consultor Jurídico

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