Público & Pragmático – Compliance e publicidade na Lei das Apostas Esportivas

Fabíola Meira de Almeida Breseghello/André Castro Carvalho

Com a publicação da Lei nº 14.790/2023, foi introduzido no ordenamento jurídico o marco legal das apostas esportivas, legislação que passou a versar, dentre outros temas, sobre os mecanismos de compliance a serem adotados pelas casas de apostas, bem como nas ações de publicidade promovidas.

Quanto aos mecanismos de compliance, em primeiro lugar, para obter e manter a autorização para explorar as apostas, a pessoa jurídica interessada deve comprovar que adotou e implementou políticas, procedimentos e controles internos de prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa (PLD/FTP). Tais mecanismos abrangem o cumprimento dos deveres previstos na Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998) e na Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016), e estão em linha com a tendência internacional de estes tipos de serviços serem atrativos para criminosos se utilizarem a fim de disfarçar a origem dos proventos oriundos de atividades ilícitas.

Em segundo lugar, o agente operador das apostas (isto é, a pessoa jurídica autorizada pelo Ministério da Fazenda a explorá-las) deve implementar procedimentos de análise por meio de mecanismos de monitoramento e de seleção, com o objetivo de caracterizar ou não apostas como suspeitas de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo. O agente operador deve, ainda, implementar procedimentos de comunicação ao Coaf das operações suspeitas.

Com a evolução da maturidade das práticas de PLD/FTP no setor, ele poderá ser reclassificado em relação ao risco de lavagem de dinheiro, sobretudo perante as instituições financeiras.

Após a publicação da lei, a Política Regulatória da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) foi lançada (Portaria SPA/MF nº 561, de 8 de abril de 2024) e alguns atos normativos da agenda regulatória já foram editados, como a Portaria SPA/MF nº 722, de 2 de maio de 2024, destinada aos requisitos técnicos e de segurança dos sistemas de apostas, e a Portaria SPA/MF nº 1.143, de 11 de julho de 2024 (procedimentos necessários de PLD/FT).

Balizas para publicidade

Além disso, no que concerne aos dispositivos legais sobre publicidade, o legislador preocupou-se em estabelecer balizas e requisitos mínimos para regulamentações posteriores pelo Ministério da Fazenda e para a autorregulação, a qual, na autorregulamentação se materializou no Anexo X do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) do Conar.

Algumas vedações às ações de publicidade, porém, foram firmadas na própria Lei nº 14.790, sendo proibidas ações como: veiculação de afirmações infundadas sobre os ganhos que os apostadores podem esperar; a promoção do marketing em escolas e universidades e dirigida a menores de idade; e a veiculação de publicidade que sugira que a aposta pode constituir alternativa a solução para problemas financeiros, fonte de renda adicional ou forma de investimento.

Tais proteções são importantes, sobretudo diante dos últimos acontecimentos envolvendo jogos que se assemelham a pirâmides financeiras, bem como suicídios de pessoas que acabam perdendo grandes quantidades de dinheiro nas apostas e revela o tema dos neurodireitos e a proteção da integridade mental, especialmente dos adolescentes.

Além disso, a lei dispõe que, após notificação do MF — a qual deverá conter identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente —, as empresas divulgadoras de publicidade, inclusive provedores de aplicação de internet, devem proceder à exclusão das divulgações e das campanhas irregulares. Na mesma linha, uma vez notificadas pelo MF, as empresas provedoras de conexão e de aplicações de internet deverão proceder ao bloqueio dos sites e à exclusão dos aplicativos que ofertem a loteria de apostas esportivas em desacordo com a legislação.

Reiteração

Quanto ao Anexo X do Conar, constam diretrizes gerais referentes à publicidade de apostas, que, em sua maioria, reiteram as previsões contidas na Lei nº 14.790 e no CDC. As cinco diretrizes, consistem em uma regra geral, segundo a qual as publicidades de apostas deverão ser estruturadas de maneira socialmente responsável, e quatro princípios: princípio da veracidade e informação, princípio da proteção a crianças e adolescentes, princípios de responsabilidade social e do jogo responsável e princípio da identificação publicitária. Cabe dizer que, no detalhamento do último princípio, o Anexo destaca que, caso o conteúdo publicitário seja divulgado por influenciador, parceiro ou embaixador da casa de apostas, é preciso que fique claro ao consumidor a natureza comercial do anúncio, bem como sejam seguidas as diretrizes do Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais que, entre as expressões e hashtags recomendadas prevê, por exemplo: #publipost #ad* #parceiro #marcaXYZ #recebido, #promo, entre outras expressões.

Ainda, o Anexo estabelece que todas as publicidades devem incluir mensagem de alerta padronizada, que deve aparecer de forma legível, ostensiva e destacada, refletindo a responsabilidade social para com o público. A frase poderá ser escolhida dentre as sugeridas no próprio Anexo X, com por ex.: “Apostar não deixa ninguém rico”; “Saiba quando apostar e quando parar”.

Preocupação com o endividamento

Decisão do Conar de maio de 2024, por exemplo, entendeu pela sustação e alteração de anúncios no Instagram, considerando potencial irregularidade pelo uso de depoimento de influenciadora menor de idade para divulgação de apostas, bem como por induzir o entendimento de ganho certo e de que a atividade constituiria forma de investimento [1].

Em outro julgamento, em que a Coordenação Geral de Apostas do MF, propôs representação contra um anúncio sob alegação de que carecia de aviso de restrição etária e de cláusulas de advertência sobre os impactos do jogo, em possível infração à regulamentação em vigor na data da denúncia, além de promessa de ganho certo (“vencer é só o começo”). O Conar entendeu pela alteração do anúncio [2]. Preocupação constante em relação aos apostadores diz respeito ao endividamento, o que não pode ser ignorado, valendo destacar que, inclusive, as apostas com cartões de crédito, dinheiro em espécie, cheques, criptoativos, pagamento por terceiros, meios pós-pagos e boletos foram proibidas visando evitar lavagem de dinheiro e o superendividamento de consumidores que, muitas vezes se valem do jogo, pois já desprovidos de recursos para a própria sobrevivência.

Alegações das empresas e entendimento da Justiça

A judicialização de demandas sob fundamento de descumprimento de oferta ou falha na prestação de serviços por parte das plataformas de apostas cresce. Em defesa, as plataformas têm aduzido a impossibilidade jurídica do pedido, sob o fundamento de que a cobrança de dívida de jogos em juízo é nula, nos termos do artigo 814, CC.

No entanto, o Judiciário [3] tem entendido que a partir da regulamentação das apostas esportivas foi legalizado o pagamento de prêmios por meio da loteria esportiva, logo, a oferta deve ser cumprida e a falha na prestação de serviços deve ser reparada. Órgãos de proteção e defesa do consumidor também se uniram visando fortalecer ações de prevenção e enfrentamento as práticas e efeitos decorrentes dos jogos e apostas online no país [4].

Conclusão

Em suma, a governança no mercado de apostas, o compliance consumerista e o combate à lavagem de dinheiro obrigatoriamente são mandamentais na pauta corporativa, com especial atenção à transparência, responsabilidade social e ética como elementos essenciais para assegurar a conformidade regulatória e absoluto respeito ao cidadão.

[1]. Rep. n. 265/2023.

[2]. Rep. n. 246/23.

[3]. TJ-SP • Procedimento do Juizado Especial Cível • 1000062-16.2024.8.26.0185

[4] https://www.procon.sp.gov.br/procon-sp-defende-protocolo-para-enfrentar-efeitos-nocivos-de-jogos-e-apostas-on-line/

Fonte: Consultor Jurídico

Posts relacionados

Deixe um comentário