Opinião – Instrução Normativa nº 172/2024 do INSS: emenda ficou pior que soneto

Pedro Costa/Vítor Lopes

No dia 28 de agosto de 2024, o INSS editou a Instrução Normativa (IN) nº 172, que altera a IN nº 138 de 2022 e muda os critérios e procedimentos operacionais das operações de crédito consignado. A nova IN, que entrará em vigor em 2 de janeiro de 2025, modifica substancialmente o mercado de crédito consignado, bem como cria uma verdadeira reserva de mercado ao gerar concentração nas maiores instituições financeiras do país, prejudicando a livre concorrência, a oferta de crédito e, consequentemente, os aposentados.

Não é novidade para ninguém que medidas como essa e outras, como a contínua redução do teto da taxa de juros do crédito consignado, sem qualquer estudo de impacto regulatório ou critério racionalmente adequado, vêm sendo operacionalizadas a fórceps, por meio de simples vontade política do governante de ocasião, sem qualquer senso de racionalidade econômica ou mesmo maiores preocupações estratégicas com as consequências desse modo de proceder.

A nova IN comprova que a emenda realmente pode ser pior que o soneto. Assim é que essa norma administrativa somente permite — sabe-se lá por qual razão — que apenas a instituição financeira pagadora do benefício previdenciário, isto é, aquela que detenha o serviço de folha do INSS, oferte e realize operações de crédito consignado dentro do prazo de resguardo de 90 dias. Tal prazo atinge igualmente os correspondentes bancários que nesse período não podem realizar qualquer oferta ao consumidor.

Sim. Pasmem! Apenas e tão somente a instituição detentora do pagamento da folha de INSS — e mais ninguém — poderá ofertar crédito consignado ao recém aposentado/consumidor. Não é difícil constatar a criação de privilégio odioso às instituições financeiras pagadoras de benefício.

Para tais instituições financeiras, criou-se uma fantástica reserva de mercado, diminuindo sensivelmente qualquer poder de escolha do consumidor-aposentado nesse lapso temporal, pouco importando o assédio e o superendividamento causados nesse espaço de tempo.

Não fosse isso o bastante, a nova IN restringe as possibilidades de portabilidade do crédito pelo beneficiário para outras instituições financeiras distintas da pagadora, bem como altera as competências do procurador sem instrumento público, que passa a ter o poder de bloquear as operações de crédito, reduzindo ainda mais as possibilidades de efetiva concorrência na oferta de crédito consignado.

Regime ilegal e inconstitucional

Como se percebe, o novo regime criado unilateralmente pelo INSS é tanto ilegal, quanto inconstitucional. É ilegal por violar o artigo 10, VI, da Lei nº 4.595/64, que confere competência exclusiva ao Banco Central para “exercer o controle do crédito sob todas as suas formas”, bem como fere os princípios da autonomia da vontade e liberdade contratual previstos no artigo 421 do Código Civil.

Além disso, viola frontalmente o princípio de proteção e não discriminação do idoso, previsto nos artigos 2º e 96 do Estatuto do Idoso, bem como limita a livre escolha dos aposentados ao restringir as possibilidades de contratação, infringindo com isso os artigo 6, II do Código de Defesa do Consumidor, e principalmente os artigos 4º, inciso I, 4º-A, inciso I e 5º da Lei de Liberdade Econômica.

A nova IN também padece de vícios de inconstitucionalidades, na medida em que adentra e fere os princípios da livre concorrência e livre iniciativa, ao restringir de maneira deliberada e injustificável o regular funcionamento do mercado de crédito consignado e o poder de escolha do aposentado/consumidor.

A nova instrução normativa afronta ainda ao artigo 22 da Constituição, que prevê competência privativa da União para legislar sobre direito civil, bem como os limites do poder regulamentar dos atos administrativos, ao modificar direitos e obrigações sem previsão expressa de lei.

As violações cometidas pelo INSS deixam evidentes que, ao criar um regime de restrição indevida ao regular o funcionamento do mercado de crédito consignado, o órgão acabou por atuar como legislador ilegítimo e desprovido de qualquer senso de racionalidade econômica. Trata-se do fenômeno conhecido como abuso do poder regulatório, previsto no artigo 4º, II e V da lei de liberdade econômica.

Público-alvo do INSS é prejudicado

As consequências da edição dessa portaria são igualmente nefastas. Dentre elas, a título de exemplificação, pode-se constatar uma provável redução da oferta do crédito consignado, com sensível aumento do chamado spread bancário e maior concentração bancária nessa modalidade de crédito.

Como política pública, portanto, a nova IN não se amolda ao princípio da razoabilidade, eis que os resultados por ela trazidos são prejudiciais ao próprio público-alvo que o INSS deveria proteger.

Não é preciso relembrar que, no afã de criar maior atratividade ao leilão do serviço de folha de pagamentos do INSS, essa autarquia não poderia ter ido tão longe. O desvio de finalidade nessa ocasião é evidente e merece uma resposta rápida de toda sociedade, inclusive do Poder Judiciário, se necessário for.

Ninguém em sã consciência pode defender a adoção de uma política pública como essa. Os demais atores do mercado e órgãos reguladores como o Banco Central precisam agir de forma efetiva para evitar abusos como esse que acabam por afastar competidores do mercado de crédito consignado e violam o direito de escolha dos aposentados.

Fonte: Consultor Jurídico

Posts relacionados

Deixe um comentário