- 2 de setembro de 2025
- Governo , Jurídico , Tributação
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Opinião – Operações de cosseguro: novo alvo dos fiscos municipais
Andrea Passoni/Natália Maziero de Oliveira Torres/Esther Fachim La Valle de Lima
Desde 2024, a cidade de São Paulo — maior município do país e precursor de comportamentos posteriormente adotados pelos demais municípios do Brasil — vem intensificando a fiscalização sobre empresas seguradoras, revisitando suas declarações fiscais e seus documentos contábeis.
O objetivo dessa fiscalização intensificada tem foco na arrecadação de Imposto sobre Serviços de Quaisquer Natureza (ISSQN), dessa vez, por meio da cobrança do tributo sobre valores recebidos pela seguradora líder, de outras seguradoras, em operações de cosseguro.
O cosseguro, conforme ensina a própria Susep, é a “divisão de um risco segurado entre várias Seguradoras, cada uma das quais se responsabiliza por uma quota-parte determinada do valor total do seguro.”
A seguradora indicada na apólice é a chamada “seguradora líder”, cabendo a esta a responsabilidade de administrar o contrato e representar todas as demais seguradoras perante o segurado, inclusive em caso de sinistro, tudo isso nos termos da Circular Susep 291/05 [1].
A operação é comum no âmbito dos seguros, e visa garantir, de um lado, que o segurado estará respaldado na ocorrência de sinistro, e de outro, que as seguradoras partícipes não terão sua saúde financeira alterada em detrimento da assunção do seguro.
Nesse contexto, o município de São Paulo entende que os valores recebidos pela seguradora líder teriam natureza de comissão, pela prestação de serviço de “administração em geral” (item 17.11 da Lei Municipal 13.701/2003), e, por essa razão, estariam sujeitos à tributação pelo ISSQN.
Não obstante, tentar classificar a relação travada entre a seguradora líder e as demais seguradoras, no contexto do cosseguro, como uma prestação de serviço de administração implica total desconhecimento da dinâmica envolvida num contrato de cosseguro.
Spacca
Não há prestação de serviço pela seguradora líder às demais seguradoras, mas apenas a assunção e divisão de responsabilidades.
Isso porque os valores recebidos das demais seguradoras pela seguradora líder configuram mera recuperação dos custos administrativos e operacionais por esta incorridos na gestão da carteira de cosseguros, não havendo qualquer troca comercial ou intenção de obtenção de lucro nessa relação.
Essa dinâmica, ao contrário do que entende o município, se aproxima muito mais de um contrato de cost-sharing, em que uma empresa centralizadora suporta custos e despesas comuns às demais, sendo posteriormente por elas reembolsada nos termos e proporções em que acordado, do que a uma prestação de serviço de gerenciamento de seguros.
Importa salientar que, nos contratos de cosseguro a seguradora líder não presta serviço, mas viabiliza a execução da sua atividade-fim, quais sejam, atividades securitárias, de modo que os valores pagos pelas demais seguradoras destinam-se apenas a cobrir as despesas administrativas envolvidas nas apólices de cosseguro, inicialmente suportadas por ela.
Despesas essas que carecem ser compartilhadas pelas partícipes do contrato de cosseguro, tal qual ocorre com o prêmio recebido do segurado. Em outras palavras, pode-se entender que não são apenas os direitos, como o prêmio do contrato, que serão compartilhados, mas também, e principalmente, todos os riscos e despesas a ele inerentes — observando-se, para tanto, a cota parte que cada uma das empresas partícipes assumiu em razão do contrato de cosseguro.
Novo alvo dos fiscos
A despeito desse cenário, em casos similares (ainda que não idênticos), o Conselho Municipal de Tributos do Município de São Paulo (CMT) tem se posicionado contrariamente aos interesses dos contribuintes. Recentemente [2], o CMT analisou as operações de um contribuinte que atuava na instituição, comercialização e gestão de planos previdenciários, sendo remunerado por tais atividades mediante a cobrança de “taxas de carregamento”, em que havia uma relação jurídica contratual, na qual era responsável pela administração e a execução dos planos de benefícios.
Na oportunidade, o contribuinte argumentou pela inexistência de qualquer atividade tributável pelo ISSQN, na medida em que sua “atividade-fim” não seria uma prestação de serviço, mas, sim, a comercialização e operação de planos de previdência, de modo que a cobrança da “taxa de carregamento” se destinaria tão somente a cobrir as despesas administrativas e de comercialização do plano.
Contudo, o CMT concluiu que as receitas tributadas eram remuneração por serviços prestados, enquadrados no subitem 17.11 da lista de serviços, sujeitos à incidência do ISSQN, enfatizando que a autuação recaiu sobre receitas de serviços vinculados à administração de planos de previdência, e não sobre operação de seguros (estas sujeitas à tributação pelo IOF).
Em razão desse posicionamento, é de se acreditar que, também em operações de cosseguro, o CMT entenderá que os valores recebidos pela seguradora líder das demais seguradoras estarão sujeitos à tributação pelo ISSQN, a despeito da sua natureza de recuperação dos custos administrativos e operacionais incorridos pela seguradora líder, na gestão das apólices de cosseguros.
De todo modo, como a discussão é bastante recente, não há jurisprudência específica analisando a contenda do cosseguro, nem no âmbito administrativo, nem no âmbito judicial, sendo difícil prever o caminho que a matéria tomará nos tribunais. Não obstante, é possível discutir a exigência tanto administrativamente, caso seja lavrado um auto de infração pelo município, como judicialmente, com vistas a deixar clara a não incidência do ISSQN sobre os valores recebidos pela seguradora líder, das demais seguradoras, em contratos de cosseguro, a título de recuperação dos custos administrativos e operacionais.
Fonte: Consultor Jurídico