CONTAS À VISTA – Já existe oneração pelos lucros extraordinários no setor de petróleo e gás

Por Fernando Facury Scaff

De tempos em tempos aparece, como balão de ensaio, a ideia de taxar o lucro extraordinário dos setores A ou B, sendo um dos principais alvos o setor de petróleo e gás.

Ocorre que este setor já recebe uma oneração extraordinária pelos lucros advindos dessa atividade, sob o nome de participação especial, que não deve ser confundida com participações governamentais, conforme expus em livro sobre o tema.

Sob a denominação de participações governamentais, o artigo 45 da Lei nº 9.478/1997 prevê quatro diferentes espécies de pagamentos que a empresa deverá arcar: a) bônus de assinatura, b) pagamento pela ocupação ou retenção de área c) royalties, e d) participação especial.

bônus de assinatura corresponde ao pagamento ofertado na proposta para obtenção da concessão, devendo ser pago no ato da assinatura do contrato.

pagamento por ocupação ou retenção de área, como o próprio nome indica, é um valor cobrado pela necessária reserva daquela área para a exploração do bem indicado. Essa exação tem muito mais uma característica daquilo que se cobra em outros países sob o nome de dead rent, que é uma espécie de exação pela retenção e não exploração da área, o que muitas vezes ocorre com o intuito de criar a falsa escassez do produto. Há quem denomine também de rental fees.

Os royalties têm a característica de ser uma compensação financeira, na forma do artigo 20, §1º, da CF, e têm vinculação com a produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos. Trata-se de uma espécie de preço público, e não de tributo.

Já a participação especial é uma espécie de royalty extraordinário, cobrada em duas hipóteses: 1) caso haja grande volume de produção ou 2) grande rentabilidade. Essa cobrança se justifica em razão da álea existente na atividade de pesquisa e exploração, pois os estudos podem indicar que haja um volume X de petróleo ou gás e, surpreendentemente, ser encontrada quantidade superior ou um tipo de produto que seja mais valioso que o esperado, ou, ainda, que seja extraído com menor custo operacional. Em face dessas situações representarem ganhos extraordinários à empresa concessionária, fora do que havia sido previsto na fase licitatória, é que se faz essa cobrança, denominada de participação especial, incidente sobre a mais-valia extrativa caso ocorra uma das situações previstas na lei de regência.

Pela sua própria lógica, só é cobrável nos contratos firmados sob o sistema de concessão, e não naqueles firmados sob o sistema de partilha. Isso porque a mais valia no sistema de partilha já é capturada pelas partes envolvidas, que a rateiam entre si, não havendo justificativa para sua cobrança. Nos contratos de concessão, a figura da participação especial é amplamente justificada. Ademais, há disposição legal expressa que impede sua cobrança nos contratos de partilha (Lei nº 12.351/2010, artigo 44).

O estabelecimento desse tipo de royalty (artigo 50 da Lei nº 9.478/1997) transferiu a um decreto regulamentador todos os parâmetros da sua cobrança, ocorrendo verdadeira delegação de competência normativa visando o exercício da capacidade normativa de conjuntura. A cobrança da participação especial é inserida nos contratos de concessão por força de lei. Assim, sua cobrança é transformada de uma obrigação ex lege para uma obrigação contratual A norma legal cria a obrigação contratual, delimitando-a e a impondo à gestão desse recurso natural esgotável.

Sua base de cálculo parte da receita bruta da produção trimestral de cada campo, podendo ser deduzidos: 1) os royalties pagos; 2) os investimentos na exploração; 3) os custos operacionais; 4) a depreciação e 5) os tributos previstos na legislação em vigor.

Todas essas deduções levam à busca do conceito de lucro, caracterizando a participação especial como uma espécie de royalty incidente sobre o lucro da exploração. É adotado o sistema ad valorem, com alíquota progressiva por volume de produção, a partir de certa quantidade ou rentabilidade comercial, consoante diversas variáveis estabelecidas por decreto e individualizadas por contrato.

Logo, já existe oneração extraordinária no setor de petróleo e gás, embora não seja através de mecanismos tributários, mas financeiros, fruto das próprias características do setor.

Utilizar a sistemática tributária para criar instrumentos de tributação extraordinária da renda de um setor específico (bancos, petróleo, minérios etc.), e não para outros, trará o risco palpável de quebra da isonomia, o que poderá acabar em judicialização, ainda mais quando esta já existe sob outro formato.

Fonte: Consultor Jurídico

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