- 4 de novembro de 2025
- Governo , Jurídico
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Estúdio ConJur – INCC em contratos de imóveis na planta: quando a correção se torna indevida/abusiva
Luiz Fernando Pereira Busta
O Índice Nacional da Construção Civil (INCC) é um índice legítimo para corrigir o custo da construção durante a fase de obras. No entanto, em muitos contratos ele tem sido utilizado de forma indevida, provocando aumentos que ultrapassam a inflação real do setor. Este texto explica, de forma clara e objetiva, quando o INCC é correto, quando se torna abusivo e o que o consumidor pode fazer para proteger seus direitos.
O que é o INCC e por que ele existe
O INCC, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mede a variação dos custos de materiais e mão de obra da construção civil. Nos contratos de compra de imóvel na planta, o INCC tem a função de preservar o valor do contrato durante a fase de obras — ou seja, deve apenas recompor o poder de compra, sem gerar lucro para nenhuma das partes.
A lógica é simples: se o custo de construir aumenta 4% em um ano, o valor do imóvel também pode ser corrigido em 4%. O problema surge quando o índice é aplicado mensalmente em contratos com prazo inferior a 36 meses, ou somado a juros e prazos artificiais, o que transforma uma correção legítima em aumento real do preço.
Quando o uso é regular?
De modo geral, a aplicação correta do INCC deve observar três princípios básicos:
– Incidir apenas até a entrega da obra, ou até o “habite-se”;
– Recompor a inflação do setor, sem capitalização de juros;
– Evitar a cumulação com juros remuneratórios durante a obra.
Esses critérios refletem o equilíbrio contratual exigido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Onde surgem os abusos mais comuns?
Na prática jurídica, alguns padrões se repetem em contratos de incorporação imobiliária:
Correção mensal em contrato curto
Quando o contrato tem duração inferior a 36 meses e o INCC é aplicado todos os meses, ocorre um aumento desproporcional, elevando o saldo devedor muito acima da variação real do custo de construção.
Alongamento artificial do prazo contratual
Algumas construtoras inserem parcelas adicionais de periodicidade, geralmente programadas para depois da quitação do saldo devedor principal, sem qualquer justificativa técnica. O objetivo, em muitos casos, é prolongar artificialmente o prazo contratual apenas para manter a aplicação mensal do INCC, em vez da forma anual ou proporcional, contrariando o princípio da boa-fé objetiva.
INCC somado a juros
Durante a fase de obras, é vedada a aplicação simultânea de INCC e juros remuneratórios, pois isso representa uma dupla oneração sobre o mesmo valor, contrariando o equilíbrio contratual.
O que diz a legislação?
O Código de Defesa do Consumidor protege o equilíbrio nas relações contratuais e considera abusivas as cláusulas que impõem vantagem exagerada ou dificultam a compreensão do contrato (artigos: 6º, III; 39, V; 51, IV).
Além disso, a Lei nº 4.591/1964, que regula as incorporações imobiliárias, e a Lei nº 10.931/2004,
que institui o patrimônio de afetação, não autorizam o uso da correção monetária mensal em contratos com prazo inferior a 36 meses.
O Poder Judiciário tem reconhecido que a aplicação mensal do INCC em contratos com prazo inferior a 36 meses viola a lei e o princípio do equilíbrio contratual, justificando a revisão judicial das parcelas e a devolução dos valores pagos a maior.
Como o comprador pode identificar se há cobrança indevida?
Algumas verificações simples ajudam o consumidor a detectar indícios de irregularidade:
– Verifique o prazo contratual: compare a data de assinatura com a data prometida para entrega (a constante no contrato, não na propaganda).
– Prazo inferior a 36 meses com reajuste mensal é sinal de possível abuso.
– Confira se há juros aplicados junto com o INCC.
– Compare contrato e extrato de pagamentos: aumentos mensais fora do padrão podem indicar cobrança indevida.
Exemplo simples
Imagine um contrato de R$ 300 mil com duração de 24 meses:
– Forma correta: INCC de 4% ao ano, aplicado uma vez a cada 12 meses → preço final sobe cerca de R$ 12 mil.
– Forma abusiva: INCC aplicado mensalmente + juros de 1% ao mês → o saldo pode subir mais de R$ 25 mil, dobrando o impacto da correção.
O objetivo não é eliminar o INCC, mas garantir que ele seja aplicado de forma técnica e justa.
O que os tribunais têm decidido
As decisões recentes têm sido favoráveis ao consumidor quando constatam:
– Aplicação mensal do INCC em contratos com prazo inferior a 36 meses;
– Alongamento artificial de parcelas, criadas apenas para estender o prazo e justificar a cobrança mensal;
– Cumulação indevida de INCC e juros;
– Capitalização de correção monetária não prevista no contrato.
Nesses casos, os tribunais têm determinado a revisão das parcelas e a restituição dos valores pagos a maior, devidamente atualizados e acrescidos de juros legais.
O que fazer se houver suspeita de cobrança abusiva
– Reúna o contrato e o extrato de pagamentos (geralmente disponíveis no portal da construtora);
– Solicite uma análise técnica e jurídica para confirmar as diferenças e identificar o montante cobrado a mais;
– Busque orientação especializada antes de qualquer medida judicial;
– Em caso de comprovação de cobrança irregular e má-fé, é possível requerer devolução em dobro, conforme o art. 42, parágrafo único, do CDC.
Conclusão
O INCC é um instrumento legítimo e necessário para manter o equilíbrio econômico dos contratos de imóveis na planta. Entretanto, seu uso precisa respeitar limites jurídicos e econômicos. Quando aplicado de forma excessiva ou somado a juros, o que deveria ser uma simples atualização se transforma em aumento disfarçado, comprometendo a boa-fé e o equilíbrio contratual. A informação é a melhor ferramenta para o consumidor agir com consciência e exigir transparência.
Fonte: Consultor Jurídico


