Opinião – A fragilidade das agroindústrias e o efeito dominó no agronegócio

Filipe Luis de Paula e Souza/Amanda Zarpellon Deretti

O aumento expressivo dos pedidos de recuperação judicial por produtores rurais, revelado pelo levantamento da Serasa Experian, traz à tona uma realidade complexa e preocupante que exige uma análise aprofundada das causas e consequências para o agronegócio brasileiro.

O que à primeira vista pode parecer uma onda isolada de dificuldades financeiras em algumas regiões, como Mato Grosso e Goiás, na verdade reflete problemas estruturais que vêm sendo negligenciados ao longo do tempo e que, agora, diante de condições econômicas e climáticas adversas, se mostram mais agudos do que nunca.

Primeiramente, é importante reconhecer que o agronegócio é um dos pilares da economia brasileira, responsável por grande parte do PIB e pelas exportações do país. No entanto, o aumento de 535% nos pedidos de recuperação judicial por produtores rurais entre 2022 e 2023, tanto de pessoas jurídicas quanto físicas, não pode ser ignorado.

No segmento da soja e da pecuária bovina, que juntos representam 60% dos pedidos de recuperação judicial, os impactos da instabilidade no preço das commodities internacionais são devastadores.

Efeito dominó

A liderança de Mato Grosso e Goiás no número de pedidos não é mera coincidência. Essas regiões, que são o coração do agronegócio brasileiro, concentram grandes produtores e operam em larga escala.

Porém, é justamente essa concentração que pode amplificar os problemas. Quando grandes produtores enfrentam dificuldades financeiras, as repercussões podem ser sentidas em toda a cadeia produtiva, desde fornecedores de insumos até cooperativas e transportadores.

Nos primeiros três meses de 2024, um dado chamou atenção: as agroindústrias de transformação lideraram os pedidos de recuperação judicial no setor agropecuário, com 38 solicitações, segundo levantamento da Serasa Experian.

Se por um lado isso pode parecer um reflexo natural da volatilidade do mercado, por outro, trata-se de um sinal de alerta que não pode ser ignorado. O agronegócio brasileiro, amplamente celebrado como motor da economia, está mostrando rachaduras preocupantes, especialmente na etapa de transformação de produtos agrícolas em alimentos processados e derivados.

É fácil apontar os culpados: instabilidade climática (secas prolongadas ou chuvas excessivas), preços globais flutuantes, custos de produção e escassez de crédito. Mas o problema vai além. O que estamos vendo é uma crise de gestão, uma falha estrutural em lidar com os riscos do mercado e a falta de uma política de crédito que atenda às peculiaridades desse setor.

As agroindústrias de transformação, que dependem de uma oferta regular de matérias-primas e de um mercado relativamente estável, são particularmente vulneráveis. Elas operam com margens apertadas e, quando a cadeia produtiva sofre, elas são as primeiras a sentir o baque.

E essa crise não afeta apenas esse segmento. Outros ligados ao agronegócio também estão com dificuldades, como o comércio atacadista de produtos agropecuários, com 24 pedidos de recuperação judicial, e os serviços de apoio à agropecuária, com 15 solicitações, são exemplos claros de que o problema é sistêmico.

Quando o produtor rural está em apuros, toda a cadeia que depende dele também sofre. Isso gera um efeito dominó: sem produção estável, o comércio não tem o que vender, as agroindústrias não têm o que transformar, e os serviços de apoio ficam sem demanda.

Tomando as rédeas

A recuperação judicial, portanto, deve ser entendida como uma estratégia de preservação de valor para todos os envolvidos direta ou indiretamente nesse tipo de processo. Ao invés de esperar pelo colapso ou por uma falência iminente, essas empresas estão tomando as rédeas da situação e buscando uma reorganização que lhes permita superar as adversidades do mercado.

O aumento de recuperação judicial nesse setor apenas reforça a importância de se ter uma política de crédito adequada e uma gestão de riscos eficiente para que, ao longo do processo, essas companhias possam voltar a crescer com bases mais sólidas.

As agroindústrias e as empresas do agronegócio que optaram pela recuperação judicial em 2024 estão demonstrando uma verdadeira capacidade de adaptação. Em um setor em que a previsibilidade é rara e os riscos são altos, esse instituto oferece o que muitas vezes falta: tempo e espaço para reestruturação. Isso é fundamental para evitar que crises momentâneas se tornem definitivas.

Fonte: Consultor Jurídico

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