Opinião – ADPF 1.272: qual o papel do TCU na fiscalização dos conselhos profissionais

Luíza Helena Virgílio/Bruno Henrique Herrero Domingos Correia

3 de novembro de 2025, 20h45

A discussão sobre a natureza jurídica dos conselhos de fiscalização profissional está longe de ser apenas teórica e repercute em diversas áreas envolvendo tais órgãos públicos, inclusive no que diz respeito ao órgão competente pela execução do controle externo. No último mês, o limite entre autonomia administrativa e controle externo voltou ao centro do debate com a ADPF 1.272, proposta pelo Partido Progressistas, que busca afastar a competência do Tribunal de Contas da União sobre essas entidades.

TCU – tribunal de contas da união

Nos últimos anos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do TCU consolidou o entendimento de que os conselhos configuram autarquias especiais, pessoas jurídicas de direito público dotadas de autonomia administrativa e financeira, mas que, ainda assim, exercem atividade típica de Estado, especialmente o poder de polícia sobre o exercício profissional.

Como já defendido em artigo anterior publicado nesta ConJur, os conselhos profissionais detêm certa autonomia quando comparados às demais autarquias públicas. Aliás, a autonomia é condição para que os conselhos exerçam suas funções técnicas sem interferência política. No entanto, a certa liberdade não elimina a natureza pública dos recursos arrecadados por essas entidades, tampouco extingue o dever de prestar contas à sociedade.

Essa dualidade entre autonomia e controle é o que torna a atuação jurídica nos conselhos tão desafiadora. Trabalhar nessas entidades significa lidar com insegurança jurídica constante, ora sendo tratados como autarquias típicas, ora como entes privados, a depender do tema em debate. Tal oscilação impõe aos gestores e corpo jurídico um esforço diário para garantir segurança e coerência institucional, mesmo sob permanente questionamento sobre a natureza jurídica das entidades.

Manifestações públicas: uma só direção

A ADPF 1.272 colocou em debate essa tensão. E, até o momento, quatro órgãos públicos já se manifestaram, todos em defesa da competência do TCU para fiscalizar os conselhos.

A Advocacia-Geral da União foi categórica ao afirmar que os conselhos exercem função pública e movimentam recursos de natureza parafiscal, o que impõe o dever constitucional de prestar contas.

A Casa Civil da Presidência da República reforçou a posição, destacando que o controle do TCU não representa interferência indevida, mas sim instrumento de transparência e eficiência na gestão dos recursos arrecadados.

O próprio TCU, por sua vez, defendeu que o controle é de legalidade e economicidade, e não de gestão, além de destacar que a Decisão Normativa nº 216/2025 modernizou a prestação de contas e reduziu custos administrativos.

Mais recentemente, o Senado se manifestou, convergindo integralmente com os demais órgãos. Pediu o não conhecimento da ação por entender que o tema já foi pacificado pelo STF, especialmente desde a ADI 1.717, que reconheceu os conselhos como autarquias federais de direito público, sujeitas à fiscalização do TCU. O Senado também lembrou que o controle do TCU é instrumento republicano de accountability, essencial à boa governança e compatível com a separação dos poderes.

A Câmara dos Deputados deve se manifestar nos próximos dias.

Por que o controle é necessário

Defender a manutenção do controle do TCU não é negar a autonomia dos conselhos. É reconhecer que autonomia e controle não são conceitos antagônicos, mas complementares. Cabe ressaltar que a criação dos conselhos decorreu da descentralização administrativa, com a constituição de entidades especializadas para a regulação e fiscalização de profissões de alta relevância social ou econômica, assegurando a supremacia e a indisponibilidade do interesse público na atuação fiscalizatória sobre o exercício profissional.

No entanto, não se pode confundir a autonomia outorgada aos conselhos com um cheque em branco ou com um poder constituinte originário. A autonomia visa trazer mais especialização técnica e eficiência, sem afastar o regime jurídico de direito público ao qual tais entidades permanecem submetidas, sobretudo no que se refere ao exercício do poder de polícia e à gestão de recursos públicos de natureza parafiscal.

Sem fiscalização externa, os conselhos se tornariam ilhas administrativas, com arrecadação bilionária e pouca transparência, cenário que enfraquece a credibilidade institucional e a própria legitimidade do sistema de fiscalização profissional.

O controle do TCU garante que a autonomia administrativa não se converta em autossuficiência, preservando a finalidade pública dos recursos e fortalecendo a confiança social nas entidades.

Além disso, a fiscalização técnica do TCU tem se mostrado cada vez mais orientativa, promovendo padronização de práticas, disseminação de boas governanças e incentivo à adoção de regulamentos próprios, medidas que, longe de tolher a autonomia, a qualificam.

Considerações finais

A ADPF 1.272 é mais um capítulo de uma história que se repete: sempre que o controle externo se intensifica, surgem iniciativas para reduzi-lo. Mas o que está em jogo não é apenas uma disputa institucional: é a credibilidade do sistema de fiscalização profissional.

A autonomia dos conselhos é uma conquista importante, mas não pode ser confundida com soberania. Os recursos arrecadados são públicos, e sua boa gestão é de interesse coletivo.

Por isso, a manutenção do controle pelo TCU é não apenas legítima, mas necessária. É o equilíbrio entre liberdade administrativa e responsabilidade pública que garante a integridade do sistema e a confiança da sociedade nos conselhos que a representam.

Fonte: Consultor Jurídico

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