OPINIÃO – Cobrança de despesas administrativas e operacionais em contratos com fundações de apoio

Mariana Kruchin/Mariana Vilella

Um tema que já mobilizou muito o controle de contas das parcerias e contratos entre o poder público e organizações do terceiro setor é o da cobrança de valores que não remuneram diretamente a execução do objeto da parceria, mas sim os custos institucionais e atividades de apoio da organização contratada. Por conta da exaustiva discussão, as divergências sobre as regras para remuneração desses valores podem parecer superadas, mas ainda há grande insegurança jurídica em torno da questão, especialmente no ambiente regulatório e nas negociações contratuais.

Pretendemos, neste artigo, levantar um dos diversos fios ainda soltos nesse debate: a contradição entre a vedação à taxa de administração e a imposição legal de um limite máximo para o percentual dos contratos e convênios que remunera despesas indiretas. Esse tema será tratado à luz das atividades das fundações de apoio às universidades e às instituições de ciência e tecnologia, cuja relação com as instituições públicas tem um regime jurídico próprio.

Taxa de administração x custos indiretos

A cobrança de valores que não são diretamente aplicados na atividade finalística do projeto se relaciona aos conceitos de taxa de administração ou de remuneração por custos administrativos e operacionais (ou custos indiretos), conceitos diferentes, mas que são confundidos – tanto nos textos normativos quanto na sua aplicação prática.

As principais leis que disciplinam a relação das fundações de apoio com as instituições federais de ensino superior (Ifes) e as instituições de ciência e tecnologia (ICT), Lei nº 8.958/1994 e Lei nº 10.973/2004, não tratam da cobrança de taxa de administração ou da remuneração de custos indiretos. O tema aparece no decreto regulamentador da Lei nº 10.973/2004.

Esse decreto federal, de nº 9.283/18, prevê a destinação de até 15% do valor total dos recursos financeiros destinados à execução do projeto para cobertura de despesas operacionais e administrativas necessárias à execução de acordos, convênios e contratos. Sobre taxa de administração não há nenhuma previsão nesta norma, havendo, contudo, sinais trocados em outro decreto que incide sobre as fundações de apoio, de nº 8.240/14, que regula os convênios ECTI (convênios de educação, ciência, tecnologia e inovação). Neste, consta vedação ao pagamento de despesas administrativas ressalvadas hipóteses de taxa de administração (então autorizadas).

Jurisprudência

Apesar da divergência conceitual que aparece na regulação da matéria, a cobrança de uma taxa ou custeio desvinculado da demonstração de despesas específicas é vedada por jurisprudência já consolidada do Tribunal de Contas da União (TCU).

No entendimento do TCU, a remuneração das fundações pelas despesas indiretas deve ser prevista com base em critérios claramente definidos e nos custos operacionais efetivamente incorridos no projeto pactuado, proibindo-se a previsão de um percentual fixo de remuneração.

Diz o TCU que carece de amparo legal o pagamento de taxas de administração às fundações de apoio e que qualquer tipo de remuneração de despesas indiretas deve traduzir um preço certo, o que seria necessariamente variável, não sendo possível estabelecer percentual fixo, seja qual for o tipo de contratação.

Ao longo dos anos, mesmo com as diversas alterações das normas aplicáveis aos contratos e convênios entre ICTs e fundações de apoio, permanece pacificada a jurisprudência do TCU quanto à vedação de retenção de percentuais fixos a título de despesas operacionais, tanto pelas fundações quanto pelas apoiadas. Qualquer percentual fixo é interpretado como taxa de administração, e considerado irregular. O controle de contas federal, independente do percentual teto trazido pela legislação (que varia ao longo dos anos e modelos de ajustes), impõe, ademais, o dever de, tanto na formação do preço quanto na prestação de contas de convênios e contratos, se comprovar a relação direta do percentual escolhido com os custos operacionais e administrativos específicos daquele projeto.

Contradição

O entendimento, contudo, levanta uma questão. As normas que disciplinam esses ajustes, embora autorizem a remuneração das despesas indiretas, estabelecem percentuais tetos, acima dos quais, independentemente dos custos reais incorridos, não pode haver remuneração ou ressarcimento da fundação de apoio. Ao mesmo tempo, o TCU vai dizer que toda remuneração por despesas indiretas deve refletir a realidade dos gastos incorridos. Nos parece contraditória a coexistência dessas orientações.

Ou a remuneração de despesas indiretas é ressarcitória do que efetivamente foi gasto, independente do percentual do projeto que isso implica, ou é um valor fixo com o qual a fundação assume o risco de se remunerar e de fazer caber, naquele total, todas as suas despesas indiretas.

Especialmente quando pensamos em projetos de inovação, em que as atividades, compras, investimentos e custos específicos nem sempre são totalmente determináveis no início do projeto, pode ser muito difícil vincular a remuneração dos custos indiretos a uma discriminação exata de cada item. Ao mesmo tempo, quanto maior o risco do projeto, o estabelecimento de um teto para essas despesas pode inviabilizar a pesquisa ou a inovação pretendida.

Pode-se pensar ainda em exemplos de gestão compartilhada de projetos ou equipamentos de pesquisa e de saúde, bastante comum no caso de fundações de apoio. Em muitos casos, esse modelo rígido em que a Fundação é pensada apenas como executora de atividades-meio, com custos perfeitamente segregáveis, não se aplica à realidade dos projetos compartilhados, em que ICT e Fundações de Apoio dividem tarefas, recursos humanos e investimentos.

Nesses casos, a autorização de um percentual fixo que remunerasse a fundação por seu trabalho poderia ser mais adequada, contando com sua capacidade, e risco próprio, de gerir de forma eficiente e sustentável esse recurso. Outra alternativa seria a manutenção da previsão de custeio nos projetos, porém com percentual teto recomendado, mas passível de ser alargado, havendo justificativa para tanto.

Projetos de ciência, tecnologia e inovação merecem maior flexibilidade quanto às regras para parcerias entre ICTs e fundações privadas, inclusive no tema da remuneração dos custos indiretos, devendo-se analisar, caso a caso, a razoabilidade de cada modelo pretendido.

Fonte: Consultor Jurídico

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