- 22 de novembro de 2023
- Auditoria , Governo , Jurídico
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OPINIÃO – CVM produz relevante precedente no caso JBS
No dia 31 de outubro de 2023, a CVM finalizou o julgamento dos processos administrativos sancionadores envolvendo acusações de uso de informação privilegiada e manipulação de mercado supostamente praticados pela JBS, suas coligadas e seus controladores, em meio ao vazamento, no fim da tarde do dia 17 de maio de 2017, da celebração de colaborações premiadas por administradores da companhia.
O colegiado da autarquia, por maioria de votos, absolveu os acusados das principais imputações formuladas nos Relatórios de Inquérito, aplicando, ao fim, apenas uma multa de R$ 500 mil à J&F Investimentos, como sucessora da FB Participações (extinta), por negociação de ações de emissão da JBS em período vedado.
O precedente é muito relevante.
Desde a primeira notícia sobre as operações, publicada já no dia 18 de maio de 2017, o caso foi muitas vezes tratado como se condenação já houvesse.
Os controladores finais da JBS, vale lembrar, chegaram a ser presos (e mantidos em cárcere ao longo de meses) por suspeita de insider trading, diante do paralelo criminal do ilícito administrativo, previsto no artigo 27-D da Lei nº 6.385/76.
Uma prisão inédita no país, que tem ainda poucos casos de pretensos crimes financeiros dessa natureza julgados definitivamente.
A decisão final da CVM, absolvendo os acusados no âmbito administrativo — e especializado —, deixa uma lição muito importante para os casos produzidos em meio aos grandes “escândalos” sob ampla cobertura midiática.
Por mais que uma resposta rápida do poder público pareça muitas vezes um caminho desejável, a presunção de inocência e o direito à ampla defesa, tão caros ao Estado democrático de direito, devem inibir os pré-julgamentos, especialmente aqueles muitas vezes conduzidos pela opinião pública (desprovida de acesso a todos os elementos do caso e não vinculada às garantias do devido processo legal).
Ao julgar os processos envolvendo a JBS, suas coligadas e seus controladores pelos fatos relacionados ao que se chamou, na mídia, de Joesley Day, a CVM reafirmou o seu compromisso com o julgamento técnico — blindado de pressões externas — atento às suas peculiaridades e às provas produzidas nos autos, a luz da jurisprudência da autarquia.
O caso, a propósito, sempre apresentou particularidades mais relevantes do que muitas vezes se fez parecer em sua divulgação, as quais, ao fim, fundamentaram as conclusões absolvitórias apresentadas pela maioria do colegiado da CVM.
Ainda que tenha havido discussões entre os julgadores sobre a caracterização da informação sobre as colaborações premiadas como “privilegiada” e sobre seu controle ou não por pessoas envolvidas no processo decisório dos negócios analisados nos processos administrativos sancionadores, foi consenso, entre aqueles que votaram pela absolvição, a não utilização dessa “informação” como fundamento para as transações.
Os negócios com dólar e ações, como reconheceu a maioria do colegiado, não foram fatos isolados, mas inseridos, respectivamente, em um contexto de longa prática de hedge cambial à vista da sujeição das atividades do grupo aos efeitos da variação da cotação da moeda norte-americana (exaustivamente analisada pela autarquia em dois processos administrativos instaurados em 2009 e em 2015), bem como em uma tradição de sucessivos programas de recompra de ações da JBS, voltados a manter seu preço em patamares alinhados ao valor tangível da companhia.
Ao que se agregaria o fato, tido por provado no julgamento, de que os controladores precisavam urgentemente de caixa, à vista do alto endividamento e dos custos de operação, em meio ao esgotamento das linhas de crédito, em virtude, principalmente, de sucessivas investigações da Polícia Federal mirando o grupo, sob ampla cobertura midiática.
Tudo isso a amparar a conclusão de que haveria motivação legítima para os negócios, afastando os alegados ilícitos, nos termos da jurisprudência da autarquia.
Como bem registrado pelo relator dos processos, diretor Otto Lobo, em seu voto “cabe ao julgador se ater estritamente aos elementos probatórios existentes nos autos, de modo a se evitar o trial by media (julgamento pela mídia)”.
Foi precisamente o que fez a CVM no caso.
Fonte: Consultor Jurídico