- 3 de novembro de 2025
- Governo , Jurídico , Tributação
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Opinião – Grandes oportunidades, grandes fortunas: inteligência tributária (não-artificial)
José Roberto Afonso
A discussão sobre a criação do imposto sobre grandes fortunas no Brasil ressurge justamente quando se abrem imensas oportunidades para o país. Se já se tornou referência internacional de democracia, pode avançar para lograr desenvolvimento econômico com social. A natureza voltou a ser fonte inesgotável de oportunidades para novos negócios, de energias renováveis até terras raras.
Reprodução/YouTube/Instituto de Economia da Unicamp
Também se tem a aspiração de explorar esse potencial de forma mais sustentável possível, não apenas ambiental, mas também socialmente. Se melhoramos muito em combater a pobreza e a fome, agora temos pela frente o desafio da redistribuição da renda e da riqueza, ainda mais diante das ameaças potenciais do novo mundo da era digital com viés para sua concentração.
É preciso muita inteligência na definição das regras tributárias para, no caso de se decidir finalmente cobrar um imposto sobre as grandes fortunas, que isso não afaste quem pode e precisa investir para transformar aquelas oportunidades em realidades.
Uma alternativa que trazemos para o debate é transformar esse novo em um mínimo tributo sobre propriedades prediais e territoriais do país. Já se está por aprovar um imposto de renda mínimo, e o mesmo princípio poderia ser aplicada a essa forma pouco comum de tributação do patrimônio. Aliás, é tão fácil e popular de compreender a ideia de tributar uma super-riqueza quanto difícil é conceituar que seja “fortuna”, é mensurar que seja “grande” e é recolher aos cofres públicos um valor tão expressivo que compense riscos e efeitos colaterais.
Imposto previsto e não regulamentado
Antes, vale lembrar que o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) é o único previsto na Constituição que ainda não foi regulamentado e efetivamente cobrado. Poucos países do mundo o criaram e menos ainda o cobram. É um tremendo desafio identificar, quantificar e tributar algo tão subjetivo como uma base de cálculo chamada “grande fortuna” — há muito se taxa um imóvel, um veículo, até o capital de um negócio, ou ainda ganhos com a venda desses ativos. Mesmo que precisado e precificado, há de se cuidar para que, em reação à exigência de um imposto considerado alto, a fortuna venha ser transferida para outros países, tanto mais fácil quanto mais ela for financeira do que física, quanto mais na era da globalização financeira, e mesmo da rápida mobilidade humana.
Se há clamor popular por melhorar a justiça do sistema tributário, é compreensível que se lembrem de tirar o IGF do papel. Para fazê-lo de forma inteligente, se poderia pensar em considerar inicialmente a fortuna expressa em bens físicos, como imóveis e talvez meios de transporte, que não sejam usados como meios de negócios e, uma vez precificados atualiza e corretamente, imputados apenas aqueles de altíssimo valor, talvez comparada ao valor médio dos mesmos patrimônios.
É forçoso reconhecer que a atual injustiça tem muito menos a ver com a ausência desse novo imposto e mais com a cobrança relativamente reduzida e relaxada dos impostos patrimoniais já existentes. Em 2024, todos tributos sobre a propriedade arrecadaram o equivalente a 1,71 pontos do PIB (e já melhorou muito, era 1,2 pontos em 2010), mal chega a 2% da carga tributária nacional. O imposto predial urbano (IPTU) gerou apenas 0,6 pontos do PIB para as prefeituras, menos do que o imposto estadual sobre propriedade de automóveis (IPVA), que arrecadou 0,72 ponto. O imposto federal sobre propriedade territorial rural (ITR) levantou míseros 0,03 ponto do PIB (talvez não pague nem o custo de sua cobrança e fiscalização).
Imposto dividido entre municípios, estados e União
Para se cobrar melhor o que se tributa em pouco, o novo IGF poderia ser exigido das fortunas constituídas por propriedades que já pagam os impostos acima e permitindo aos contribuintes que deduzam do novo imposto (para a União) o que efetivamente já pagaram (para municípios e estados). No limite, por exemplo, se uma prefeitura optar por não tributar uma mansão de valor milionário, ou dela cobrar muito pouco de IPTU, a União passaria a arrecada liquidamente o novo IGF, incidente sobre a grande fortuna composta, dentre outros bens, por tal mansão. Os cadastros de todos os fiscos deveriam ser nacionais e com dados intercambiados entre as diferentes autoridades fazendárias, inclusive com uso cada vez mais fácil e barato de instrumentos de inteligência artificial que permitem apontar com precisão o tamanho e o valor das propriedades.
Mais do que arrecadar para a União, a ameaça de arrecadar IGF deve estimular a maior e melhor cobrança de IPTU e ITR pelas prefeituras (neste segundo caso, estas podem também firmar convênio com a Receita para taxar as terras rurais). São muitos os ganhos. Certamente teria maior eficiência arrecadatória, ao aplicar impostos sobre bases objetivas, cobrados há séculos, do que inovar com um imposto com base na subjetividade.
A maior receita estadual e municipal tende a reverter em mais serviços públicos básicos, como educação, saúde e segurança pública, justamente para a comunidade de onde se arrecada mais, enquanto, no orçamento federal, muito acabaria para pagar o serviço da dívida pública. A maior justiça entre os contribuintes é certa porque poucos impostos conseguem ser mais progressivos do que aquele que alcança os imóveis, sendo que a imensa maioria deles já está isenta por sua localização não privilegiada ou seu valor. Bom também que esse caminho não resulta em qualquer risco de atrapalhar as oportunidades da nova era digital.
Enfim, o IGF está atualmente na pauta do STF, como mais um dentre tantos dispositivos previstos na Constituição e ainda não regulamentados. Se houver recomendação ao Congresso para que, em resposta aos anseios por maior justiça tributária e social, se venha a criar o imposto sobre grandes fortunas, talvez o caminho mais eficiente e eficaz seja o usar como um imposto patrimonial mínimo, de forma a estimular a (atualmente baixa) arrecadação dos impostos tradicionais sobre propriedades. Nada mais novo do que cobrar imposto velho, mas que hoje arrecada muito pouco. É um caminho mais inteligente e nada artificial para se fazer grande justiça.
Fonte: Consultor Jurídico


