- 3 de setembro de 2024
- Governo , Jurídico , Tributação
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Opinião – O dilema do ISS para os agentes esportivos
Raphael Monteiro Fonseca Perdomo
Intermediário ou agente esportivo, dois nomes que ficam mais próximo da correta sinalização de nomenclatura da profissão que é regulamentada pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e pela Fifa (Fédération Internationale de Football Association) — e que ficam em evidência quando se está diante de uma transferência de um atleta profissional de uma entidade de prática esportiva para outra mas que não se limita apenas à prestação desse serviço de intermediação.
Este artigo não adentra na discussão que versa sobre a aplicação ou não do Regulamento Nacional de Agentes de Futebol, o qual, por meio de uma decisão liminar do Juízo da 7ª Vara Cível do Foro Regional da Barra Tijuca (RJ) que suspendeu o regulamento, forçando a CBF a emitir o Ofício nº 78/2024 em 10 de janeiro de 2024 para reintegrar os dispositivos do Regulamento Nacional de Intermediários [1].
Ultrapassada a discussão, ao verificar o artigo 1º do Regulamento Nacional de Intermediários, será possível observar que o profissional é “toda pessoa física ou jurídica que atue como representante de jogadores, técnicos de futebol e/ou clubes, seja gratuitamente, seja mediante o pagamento de remuneração, com o intuito de negociar ou renegociar a celebração, alteração ou renovação de contratos de trabalho, de formação desportiva e/ou de transferência de jogadores”.
Tributação
Com a definição posta, é possível observar que a atividade profissional dos agentes esportivos pode ser livremente exercida por pessoas físicas e jurídicas e, sendo assim, nos leva inevitavelmente ao assunto sobre a tributação pela prestação de serviço, bem como qual é a correta forma de tributar o serviço prestado pelo intermediador, visto que sua atividade é praticamente itinerante.
Assim, por ser uma atividade profissional itinerante, seguidamente agentes esportivos recebem notificações dos municípios acerca do recolhimento do ISS pela prestação do serviço de assessoria contínua dos atletas que eles representam.
Bom, pode o leitor prontamente pensar e responder que a resolução do problema posto é rapidamente amparado pela Lei Complementar nº 116/03, no seu artigo 3º e incisos, porém, a questão não está sendo tão simples como imaginado.
Como qualquer outro imposto, no ISS devem estar presentes a legalidade e a tipicidade como limitações ao poder de tributar, que visam evitar conflitos entre os municípios no qual o profissional está prestando o serviço [2].
Definições são insuficientes
Desta forma, a competência tributária determina que a discriminação dos serviços diferenciados entre si, por lei complementar, para garantir a certeza e previsibilidade das incidências e que sejam essas hipóteses separadas entre os municípios segundo critérios de determinação do local da prestação de serviço ou do estabelecimento do prestador do serviço, evitando eventuais conflitos territoriais e conferir segurança jurídica aos jurisdicionados.
Entretanto, tais definições conceituais não suficientes para garantir uma segurança jurídica no caso da prestação do serviço do intermediário, uma vez que este profissional embora tenha o devido domicílio tributário registrado, presta o serviço de intermediação, quase de maneira habitual, em outro município.
Dilema
Com o objetivo de exemplificar, imagine o agente esportivo que tenha o seu domicílio tributário na cidade de Curitiba e tenha um ou mais atletas que atuam em clubes no município de Porto Alegre. O serviço de intermediação e assessoria desses atletas, traz como consequência ao agente esportivo inúmeras viagens até a capital Farroupilha, a fim de que se reúna com dirigentes e executivos dos clubes ou trabalhe na parceria com empresas da região para a exploração econômica da imagem dos atletas com o meio regional em que estão inseridos.
Analisando a situação acima é possível logo identificar que a maior parte, senão todo o trabalho desenvolvido pelo agente esportivo na assessoria dos atletas que são seus representados, ocorre num município diverso daquele em que é o seu domicílio tributário.
Com esse dilema posto, agentes esportivos já receberam notificações de municípios para que esclareçam o motivo de não recolher o ISS no local do seu domicílio tributário ou por não recolher no Município onde de fato onde ocorreu a prestação do serviço de intermediação e assessoria na carreira do atleta representado.
Analisando esse movimento de alguns municípios, qual seja: notificar os contribuintes para que sejam prestados esclarecimentos, deixando num primeiro momento de realizar a autuação, se verifica que o assunto versa sobre um tema polêmico e distante de uma segurança jurídica para o fisco municipal e o contribuinte.
Os artigos 3º e 4º da Lei Complementar nº 116/03 definem a questão da territorialidade autorizada à tributação, bem como elenca os critérios gerais de solução de eventual conflito de competência que venha ocorrer.
No caso dos agentes esportivos, o contrato de prestação de serviço entre o profissional e os atletas é regulado pelo direito privado, caracterizando as figuras do prestador e tomador do serviço, o objeto (material ou imaterial) e o pagamento da contraprestação.
Entendimento do STJ e a Lei Complementar 116/03
Assim, é necessário pontuar sobre a visão do Superior Tribunal de Justiça no critério do “estabelecimento prestador”, descrito no artigo 3º da Lei Complementar nº 116/03, que consolidou uma interpretação ampla do conceito, no sentido de caracterizar como o “local onde o serviço foi prestado” e não o local de estabelecimento do prestador do serviço (domicílio tributário).
O referido entendimento adotado pelo tribunal superior ocorreu a partir das constatações dos fiscalizadores municipais que verificaram na prática que prestadores de serviços se “estabeleciam” em outros municípios, objetivando o pagamento de alíquotas menores de ISS, mas operavam suas atividades em outros municípios. [3]
Fernando Frazão/Agência Brasil
A leitura que deve ser feita a partir do entendimento do STJ é que a prestação de serviço realizada em local diverso do domicílio tributário, será considerada como de incidência pelo “estabelecimento prestador” quando as condições necessárias e suficientes à ocorrência da efetiva prestação do serviço foram realizadas nos domínios de um determinado município, não devendo ser considerados para tanto, apenas a prestação de partes da cadeia do serviço, em consonância com o artigo 114 do Código Tributário Nacional.
Nessa senda, chegamos ao artigo 4º da Lei Complementar nº 116/03, vejamos o que diz o dispositivo:
“Art. 4o Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.”
O dispositivo deixa evidente que são irrelevantes a sede, filial, agência, entre outros, para fins de incidência do ISS, devendo ser considerado como o estabelecimento prestador o local onde o contribuinte de fato desenvolva a sua atividade profissional.
Conclusão
Assim, retornando ao exemplo citado, do agente esportivo estabelecido na cidade de Curitiba e que desenvolve suas atividades de representação de atletas no município de Porto Alegre, pela análise até aqui apresentada, o recolhimento do ISS deve ser realizado na capital gaúcha.
Frisa-se que numa hipótese semelhante a apresentada, deve o contribuinte estar seguro de provar com evidências da causa jurídica quando questionado sobre a opção do recolhimento do imposto se sobrepor ao município em que possui o domicílio tributário.
Em outras palavras, o ISS deve ser cobrado no município onde se encontra o chamado “estabelecimento prestador”, independentemente se ali esteja uma sede, filial ou até mesmo um espaço físico, devendo ser considerado como elemento a configuração de uma unidade econômica profissional, pela qual seja considerado como um serviço tributável pelo fisco municipal.
É um assunto longe de finalização, visto que a atividade desenvolvida pelos intermediários em todo território nacional deve ser analisada de maneira individual, sendo necessária a atenção dos fiscalizadores municipais em relação a causa do negócio jurídico entabulado entre o agente e atleta, bem como o andamento da execução do contrato de prestação do serviço de intermediação e assessoria na carreira dos jogadores.
Referências
[1] https://www.conjur.com.br/2024-jan-09/cbf-e-impedida-de-aplicar-regras-para-agentes-de-futebol-no-brasil/
[2] BRASIL. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm
[3] PAULSEN, Leandro e MELO, Omar Augusto Leite. ISS, CF e LC 116 Comentadas. 2ª edição, São Paulo. Saraiva, 2022.
Fonte: Consultor Jurídico