Opinião – O ‘não’ que salva: por que companhias podem recusar pets na cabine

Rafael Verdant

O cenário de viagens aéreas modernas é complexo, regido por uma intrincada teia de regulamentações que visam a garantir a segurança de todos a bordo. Recentemente, a discussão sobre o transporte de animais de assistência e de estimação em cabines de aeronaves ganhou destaque, levantando questões importantes sobre a autonomia das companhias aéreas e a interpretação de certificações de treinamento animal. É crucial entender que a recusa de uma companhia aérea em embarcar um animal na cabine, em determinadas circunstâncias, não é um ato arbitrário, mas sim uma medida fundamentada em critérios técnicos e jurídicos que visam à proteção da vida, seja a do próprio animal, como a dos demais passageiros e da tripulação.

A legislação da aviação civil atribui às companhias aéreas a responsabilidade de analisar a viabilidade do transporte de animais e de estabelecer as condições aplicáveis, sempre em conformidade com os padrões de segurança operacional e garantindo ao consumidor o direito à informação clara. Essa prerrogativa permite que cada empresa defina suas próprias regras, autorizando ou restringindo o embarque de animais de apoio emocional e de estimação com base em fatores como capacidade nominal da aeronave, espaço disponível na cabine e segurança operacional.

Animais de serviço e de suporte emocional

O ponto central reside na diferenciação entre animais de serviço e animais de suporte emocional. No ordenamento jurídico brasileiro, o cão-guia é o único animal de serviço reconhecido, cuja definição consta na Lei nº 11.126/2005, regulamentada pelo Decreto nº 5.904/2006, e disciplinada na Resolução da ANAC nº 280/2013. Cães-guia passam por longo e rigoroso treinamento, conseguem controlar suas necessidades fisiológicas e têm identificação própria, a fim de dar suporte a pessoas com deficiência visual.

Por sua vez, os animais de assistência emocional, conhecidos como Emotional Support Animals (ESAN), são utilizados como companhia por passageiros que apresentam medo de voar, transtornos de ansiedade ou outras condições relacionadas à saúde mental, proporcionando conforto e apoio por meio de sua simples presença. Diferentemente dos animais de serviço, para os ESAN não existe uma determinação legal de treinamento específico. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já se manifestou no sentido de que animais de suporte emocional não podem ser equiparados a cães-guia, e não é obrigatória a autorização de permanência com o passageiro nas cabines, seja em voo nacional ou internacional.

Segurança para o voo

A certificação do treinamento do animal é um pilar fundamental para a segurança do voo. Companhias aéreas exigem a apresentação de certificados de treinamento válidos e emitidos por uma instituição de referência para o animal que irá embarcar.

No Brasil, a legislação sobre cães de assistência é incipiente e não abrange adequadamente todas as modalidades, como cães de apoio emocional e de companhia. Para suprir essa lacuna, o reconhecimento de instituições internacionais é, atualmente, a via mais segura. Contudo, apontam a necessidade de criação de centros de treinamento nacionais, abalizados por legislação e fiscalização de autoridades nacionais.

Um animal sem o treinamento adequado representa riscos significativos à segurança do voo. Animais não treinados podem reagir de forma inesperada a estímulos comuns durante o voo, como ruídos altos, movimentação de pessoas ou turbulência, o que pode resultar em latidos excessivos, tentativas de fuga ou agressividade, comprometendo o bem-estar dos passageiros e da tripulação. Nada obstante, animais sem o devido controle podem defecar ou urinar na cabine, causando desconforto e possíveis riscos à saúde dos ocupantes da aeronave.

A presença de um animal sem o treinamento adequado pode acarretar interferência em procedimentos de emergência, ou de significativo estresse para os passageiros. Em emergências, a presença de um animal não treinado pode obstruir corredores, dificultar evacuações rápidas e seguras, ou mesmo causar pânico entre os passageiros.

Risco para o animal

Percebe-se que o risco pode ser, até mesmo, para o próprio animal, pois animais não treinados, especialmente sem familiaridade com ambientes fechados, barulhos intensos e presença de estranhos, podem entrar em estado de pânico. Não obstante, a cabine de uma aeronave é pressurizada a um equivalente de 2.400 metros de altitude (cerca de 8.000 pés), o que pode agravar problemas respiratórios preexistentes, provocar redução da oxigenação e aumentar a vulnerabilidade a arritmias e a outros distúrbios cardiovasculares.

O treinamento de um cão de assistência é um processo longo e complexo, que geralmente leva em média 24 meses, devendo-se às diversas fases e à intensidade do trabalho e treinamento necessário para habilitar um cão como cão de assistência. Isso inclui fases de socialização (aproximadamente 1 ano), treinamento básico (aproximadamente 6 meses) e treinamento específico (aproximadamente 6 meses), além de adaptação e acompanhamento pós-entrega com a família.

A recusa de embarque, nesses casos, não é uma afronta ao direito do consumidor, mas sim o cumprimento rigoroso de protocolos de segurança que visam a proteger vidas, dentre as quais a do próprio passageiro que força o embarque do seu pet. Companhias aéreas se comprometem e mantém uma política clara e pública sobre as regras para embarque de animais, oferecendo informações e elementos que permitem prestar a melhor assistência aos passageiros, a exigir a documentação pertinente (veterinária e certificado de treinamento) para permitir o embarque de animais na cabine, a fornecer informações claras acerca das motivações da negativa, e a facultar alternativas aos passageiros, como reacomodação e/ou transporte do animal no porão.

Cuidado com roedores e outras espécies

A preocupação com a segurança se estende ao embarque de roedores, de modo geral, que podem causar danos substanciais e até mesmo comprometer a segurança do voo. Hamsters, por exemplo, possuem um instinto natural de roer materiais diversos, incluindo a fiação elétrica das aeronaves, e esse comportamento natural pode levar a fios expostos, curtos-circuitos e, consequentemente, riscos de incêndio ou mau funcionamento de equipamentos críticos.

No contexto de animais de apoio emocional, a introdução de espécies “incomuns” em cabines de aeronaves levanta sérias preocupações de segurança e saúde. Embora alguns indivíduos possam obter cartas de profissionais licenciados atestando a necessidade de um animal de apoio como um jacaré ou uma cobra, tais animais podem apresentar riscos inerentes. Crocodilianos e Squamatas, mesmo domesticados, podem exibir comportamento agressivo quando se sentem ameaçados ou estressados, representando perigo direto para passageiros, tripulação e outros animais. Além disso, questões de contenção e a possibilidade de fuga são preocupações sérias, podendo criar situações perigosas em espaços confinados como o de uma aeronave. As companhias aéreas têm o direito de negar o embarque de animais que representem um risco à segurança.

Em suma, a negativa de embarque de um pet na cabine sem o devido treinamento e certificação por instituições reconhecidas é uma medida protetiva. É um ato que, embora possa gerar descontentamento imediato, é essencial para salvaguardar a vida do animal, que pode sofrer estresse e riscos físicos, e para garantir a segurança e o bem-estar de centenas de passageiros e da tripulação a bordo de uma aeronave. A segurança do voo é um princípio soberano, e a vida é o bem mais precioso a ser preservado.

Fonte: Consultor Jurídico

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