OPINIÃO – Regulamento de redução na emissão de gases de efeito estufa

Por Louise Emily Bosschart

No último dia 4 de outubro, a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou, por unanimidade e em caráter terminativo, o Projeto de Lei nº 412/2022, que regulamenta o mercado de carbono no Brasil, em linha com os compromissos assumidos pelo país no âmbito da legislação climática nacional e internacional. O projeto de lei segue agora para aprovação da Câmara dos Deputados. A intenção do governo é ter o projeto aprovado de forma definitiva antes da 28ª Conferência das partes, que ocorrerá no final do mês de novembro em Dubai.

O aquecimento global e as mudanças climáticas decorrentes de tal fenômeno têm suas origens na segunda metade do século 18, com o surgimento da Revolução Industrial e o desenvolvimento do capitalismo, constituindo um marco histórico, a partir do qual o homem passou a questionar o atual modelo econômico e sua grande dependência dos combustíveis fósseis.

Desde o momento em que a interferência do homem no mundo natural passou a ser mais intensa e desmedida, os riscos ambientais globais, caracterizados pelo aumento da população, pelas mudanças climáticas, pela perda da biodiversidade, pelo buraco na camada de ozônio, dentre outros riscos, têm tomado proporções cada vez maiores, com impactos severos sobre o desenvolvimento social e econômico, de forma que a busca por um modelo econômico capaz de estabilizar as concentrações dos gases de efeito estufa na atmosfera tornou-se o centro das discussões a nível global.

A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, no ano de 1992, na cidade do Rio de Janeiro, por meio da qual representantes de 179 países consolidaram uma agenda global para minimizar os problemas ambientais mundiais, com a assinatura da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), ou Convenção do Clima, tratou-se do primeiro grande esforço internacional com o objetivo de se desenvolver uma estratégia global “para proteger o sistema climático para gerações presentes e futuras”. Foi nesse cenário que surgiu a expressão “desenvolvimento sustentável”.

Os efeitos práticos da Convenção Quadro só passaram a ser sentidos no ano de 1997, após a Conferência das Partes, em que foi firmado o Protocolo de Kyoto, que constitui o compromisso mais abrangente e concreto em termos de condução das questões climáticas, com vigência até 2020.

Já o acordo de Paris, celebrado no ano de 2015, durante a 21ª Conferência das Partes, fechou um ciclo, que teve início com a Convenção do Clima. O Acordo de Paris promoveu mudanças na economia global, com o compromisso dos países signatários de apresentar Contribuições Nacionalmente Determinadas em 2020, renovável a cada 5 anos, de forma a limitar o aquecimento da terra abaixo dos 2ºC, com esforços para limitar até 1,5ºC.

O Brasil, em específico, se comprometeu, dentro do Acordo de Paris, a reduzir pela metade suas emissões até 2023, em relação aos níveis de 2005, e zerar suas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) até 2050.

De forma a reduzir suas emissões, a maioria dos países desenvolvidos passou a investir recursos na transição energética, de forma a substituir a fonte de energia fóssil por fontes de energia renováveis. Grandes investidores e empresas passaram a planejar a mesma estratégia, com compromissos de descarbonização de suas atividades.

No âmbito do cenário nacional, seguindo as discussões internacionais, o Brasil, no ano de 2009, promulgou a Política Nacional de Mudança do Clima, Lei nº 12.187/09, estabelecendo: (1) compromissos nacionais voluntários para reduzir as emissões de GEE em relação à curva projetada para 2020; (2) o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões; (3) nove planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas; e (4) padrões ambientais e metas políticas. Fato é que a referida lei, a par de introduzir uma série de princípios, não trouxe a necessária efetividade à implantação de mecanismos capazes de propiciar a transição para uma economia de baixa emissão de carbono.

À Política Nacional de Mudança do Clima se seguiram outras legislações, sem real efetividade, dado se basear em um mercado voluntário, sendo necessário se criar um marco regulatório, com o objetivo de se regulamentar e fomentar um sistema de precificação de carbono, a exemplo do que vem ocorrendo em outros países.

Como bem destacado pelo parecer da senadora Leila Barros, “o Brasil tem papel crucial para suprir a demanda de ativos ambientais no contexto de um mercado global de carbono”, haja vista o relevante patrimônio florestal do país e sua matriz energética limpa.

O Projeto de Lei nº 412/2022, se trata de um dos temas mais importantes da atual pauta nacional, sendo que contou com importantes contribuições do setor público, do setor privado, da academia, da sociedade civil, além de quatro audiências públicas.

O objetivo do projeto de lei aprovado recentemente é o de instituir o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissão de Gases de Efeito Estufa (SBCE), aplicável às atividades, às fontes e às instalações localizadas em território nacional, que emitam ou possam emitir GEE, sob responsabilidade de operadores, pessoas físicas ou jurídicas.

Ponto de grande discussão, que o parágrafo 2º, do artigo 1º, acabou por cobrir, foi a exclusão expressa do setor do agronegócio das obrigações decorrentes do SBCE, o que se entende esteja relacionado à importância do setor para a segurança alimentar, à ausência de atual tecnologia capaz de mensurar as emissões de GEE com acuidade e à capilaridade da cadeia de produção do agronegócio.

A par de o setor ter sido expressamente excluído do SBCE, não se pode perder de vista o fato de que não se encontra desobrigado de acompanhar e de se submeter às obrigações e responsabilidades advindas da temática envolvendo as mudanças climáticas.

A mais nova regulamentação da União Europeia no tocante à proibição da comercialização de produtos decorrentes de desmatamento ou desflorestamento e ao mecanismo de ajuste fronteiriço de carbono, por si só, tornam premente a modernização do setor em termos de adoção de medidas e metas, com o objetivo de combater as mudanças climáticas.

Na contramão de outros projetos, o projeto de lei aprovado não define os agentes regulados com base nos setores da economia, mas com base em um limiar mínimo de emissões. Assim, serão sujeitas ao SBCE as empresas e pessoas físicas que emitirem acima de 10 mil toneladas de gás carbônico equivalente (tCO2e) por ano. Esses operadores devem monitorar e informar suas emissões e remoções anuais de gases de efeito estufa. Já para os operadores que emitirem mais de 25 mil tCO2e, a essas obrigações deverão se somar outras obrigações a serem previstas em decreto ou em ato específico do órgão gestor do SBCE.

Nos termos do projeto de lei, o órgão gestor do SBCE irá elaborar o Plano Nacional de Alocação (PNA), que irá definir o limite máximo de emissões a que cada operador tem direito. Essa quantidade será representada pelas Cotas Brasileiras de Emissões (CBE), ativo fungível, transacionável representativo do direito de emissão de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente outorgada pelo órgão gestor do SBCE, de forma gratuita ou onerosa.

Ao lado das CBE’s, o projeto prevê o Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE). Outro ativo fungível, transacionável, representativo da efetiva redução de emissões ou remoção de gases de efeito estufa de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente. O ativo poderá ser adquirido pelas empresas e usado no cálculo para o cumprimento de suas metas, além de usado em transferências internacionais no âmbito do Acordo de Paris.

Por fim, o projeto de lei prevê o Crédito de Carbono, ativo transacionável, representativo de efetiva redução de emissões ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, obtida a partir de projetos ou programas de redução ou remoção de gases de efeito estufa, realizados de forma voluntária por entidade pública ou privada, como a recomposição de áreas de preservação permanente ou de reserva legal.

Povos indígenas e comunidades tradicionais, como quilombolas, por meio das suas entidades representativas no respectivo território, também podem gerar CRVEs e créditos de carbono e proceder à sua comercialização a partir de projetos realizados nos territórios que ocupam, condicionado ao cumprimento das salvaguardas socioambientais.

Os ativos integrantes do SBCE, assim como os créditos de carbono, quando comercializados no mercado financeiro e de capitais, serão considerados valores mobiliários, sujeitos ao regime da Lei nº 6.385/1976. Sobre o lucro resultante da venda incidirá imposto de renda, calculado sobre o ganho líquido quando a transação ocorrer na bolsa, ou sobre o ganho de capital, nas demais situações.

As receitas decorrentes de tais vendas não estarão sujeitas a tributos como PIS/Pasep ou Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). O uso de CBEs e CRVEs poderá ser deduzido da base de cálculo do Imposto de Renda sobre a Renda das Pessoas Jurídicas no lucro real e na base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

O PNA terá abordagem gradual entre os consecutivos períodos de compromisso, assegurada a previsibilidade para os operadores, devendo ser aprovado com antecedência de pelo menos 12 meses antes do seu período de vigência. O PNA prevê igualmente o estabelecimento de tratamento diferenciado para determinados operadores ou setores, em razão das características das atividades, do faturamento, dos níveis de emissão e de localização, dentre outros critérios a serem estabelecidos.

Os ativos representativos do SBCE deverão estar inscritos no Registro Central do SBCE, onde deve ser feita a contabilidade de CBEs e CRVEs concedidos, adquiridos, detidos, transferidos e cancelados (usados na conciliação de metas).

O descumprimento das regras do SBCE sujeitará seus infratores a penalidades de multa, em valor não inferior ao custo das obrigações descumpridas, desde que não supere o limite de 5% do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado, ou de R$ 50 mil a R$ 5 milhões, no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas, que não exerçam atividade empresarial. Além da multa, outras penalidades poderão ser aplicadas, como pena de advertência, embargo ou suspensão da atividade, suspensão ou cancelamento de registro, licença ou autorização, perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais, dentre outras penalidades.

O SBCE será implementado por fases, sendo a primeira delas a sua competente regulamentação, que deverá se dar no período de 12 meses, prorrogáveis por igual período, seguida por três anos para operacionalização até a implantação plena do sistema, ao fim da vigência do primeiro Plano nacional de Alocação.

O projeto de lei representa um importante passo na implementação de políticas efetivas com o objetivo de reduzir a emissão dos GEE, colocando o Brasil em um papel de destaque no controle do aquecimento global e das mudanças climáticas.

Fonte: Consultor Jurídico

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