Opinião – Solução de consulta sobre tributação das SAFs será judicializada e pode virar marco do setor

Igor Alves

A SAF (Sociedade Anônima do Futebol), instituída pela Lei nº 14.193/2021, representa um marco na profissionalização e modernização do futebol brasileiro. A criação desse instituto permite a profissionalização do futebol e elevação do tratamento das equipes ao status de verdadeiras empresas privadas de grande porte. Com isso, como já ocorre no mundo empresarial, a questão tributária tende a ganhar maior protagonismo entre as preocupações e decisões dos gestores de futebol.

Com a criação das SAFs, surgiu também do Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF), que buscou oferecer um arcabouço fiscal diferenciado, simplificando o recolhimento de tributos e incentivando investimentos no setor. Mais do que uma mera mudança de natureza jurídica, a SAF sinaliza uma compreensão crescente da necessidade de que o futebol brasileiro adote uma abordagem empresarial, sem, contudo, perder sua paixão e suas raízes culturais.

Com o crescimento do mercado e surgimento de novas SAFs a cada dia, a interpretação de especificidades desse regime, por parte da RFB, é parte da maturação em prol da segurança jurídica das entidades e para a operacionalização do negócio no dia a dia.

Nesse contexto, a recém-publicada Solução de Consulta Cosit nº 149, de 18 de agosto de 2025, emerge como vetor para a boa governança corporativa, permitindo que as SAFs planejem suas finanças com maior precisão.

O entendimento da Receita Federal  manifestado por solução de consulta, pode ser questionado judicialmente, mas ao menos sinaliza ao contribuinte como ele deve inicialmente se portar diante de determinado tema consultado.

A Cosit nº 149/2025 aborda três temas centrais sobre a tributação das SAFs, cuja compreensão aprofundada não é apenas uma questão de compliance, mas uma ferramenta estratégica para maximizar resultados e reinvestir no esporte.

O primeiro ponto tratado pela Cosit refere-se ao momento da tributação das receitas provenientes de vendas realizadas por meio de cartões de crédito ou débito. Considerando que a TEF é apurada sob o regime de caixa, a Cosit confirma que “os valores correspondentes às vendas pagas através de cartões de crédito ou débito devem integrar a receita mensal para fins de apuração do valor do pagamento mensal e unificado dos tributos devidos pela Sociedade Anônima do Futebol (SAF) à medida que forem efetivamente recebidos por ela“.

Essa interpretação está alinhada ao disposto no § 1º do artigo 31 da Lei nº 14.193/2021 e não carece de maiores esclarecimentos, já que a legislação determina expressamente a apuração do TEF pelo regime de caixa.

O segundo questionamento da SAF consulente versava sobre a inclusão de patrocínios recebidos na forma de bens (como materiais esportivos, alimentos etc.) na base de cálculo do TEF. Especialmente com a entrada em vigor da reforma tributária, a questão do recebimento de bens e direitos em espécie está coerente com a Lei Complementar 214/25, que prevê como base de cálculo da TEF “totalidade das receitas recebidas no mês” e, portanto, será base de cálculo de incidência da TEF.

Direito de arena

A controvérsia surge no terceiro tema analisado pela solução de consulta, quanto ao repasse do “direito de arena” aos atletas. A Lei Pelé dispõe que 5% dos valores provenientes da exploração de direitos audiovisuais é de titularidade dos atletas profissionais, devendo ser a eles repassada, sem se incorporar ao patrimônio dos clubes.

A SAF consulente questionava se esse montante, titularizado pelos atletas, deveria ser excluído da base de cálculo da TEF, por se configurar como receita de terceiro. A resposta da Cosit, porém, foi negativa:

“Por falta de previsão legal, os valores relativos ao direito de arena repassados ao sindicato de atletas profissionais não poderão ser excluídos da receita mensal para fins de apuração do valor do pagamento mensal e unificado dos tributos devidos pela SAF.”

A fundamentação da RFB parte da premissa de que o “direito de arena” pertence, inicialmente, à própria SAF, tomando como base o caput do artigo 42 da Lei nº 9.615/1998. A obrigação de repasse de 5% aos sindicatos, estabelecida no § 1º do mesmo artigo, segundo ela não altera a titularidade original da receita para a SAF.

“Art. 42.  Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.       

§1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil.”  

Entendemos de forma diversa, segundo o texto em questão.  Não carecemos de previsão legal, basta interpretar o que hoje consta da legislação, posto que o direito de arena apenas transita provisoriamente na conta da SAF, sendo incorreto compor a base de cálculo do TEF. A receita, na verdade, é dos atletas, cabendo à SAF meramente a sua destinação, uma vez que é ela quem recebe os valores da fonte pagadora, por mera questão de operacionalização do ecossistema do desporto e a realização dos espetáculos. Os clubes, neste sentido, têm a prerrogativa e mandato até mesmo de negociar, mas sempre em nome dos clubes.

Não temos dúvida de que a solução de consulta será desafiada nos tribunais, e poderá futuramente se converter em diferencial competitivo em caso de sucesso das SAFs na reforma judicial do entendimento do fisco.

Fonte: Consultor Jurídico

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