- 10 de dezembro de 2025
- Governo , Jurídico
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Opinião – Stablecoins: conceito, desafios e possibilidades
Luana Cota Gomes/Jader Kaleo de Oliveira
As stablecoins são um tipo de criptoativo desenvolvido com o objetivo de reduzir a volatilidade característica das criptomoedas tradicionais, por exemplo, o Bitcoin e o Ethereum. Elas são projetadas para manter um valor estável, geralmente atrelado a um ativo de referência. Embora existam diferentes modelos de stablecoins, este artigo se concentrará na crescente tendência global de regulamentação desses ativos virtuais, inclusive no Brasil.
A título de exemplo, podemos citar as stablecoins colateralizadas com dinheiro fiduciário (fiat), cujo valor é garantido por reservas equivalentes em moedas tradicionais, como o dólar americano (USD), euro (EUR) ou real brasileiro (BRL). Para cada unidade emitida da stablecoin, há uma quantia correspondente de moeda fiduciária mantida em reserva por uma instituição emissora, geralmente uma empresa privada ou entidade financeira. Essa característica torna essas criptomoedas especialmente úteis para transações cotidianas, proteção contra oscilações de mercado e como meio de troca em ambientes digitais.
Com o avanço da adoção desses ativos, autoridades reguladoras ao redor do mundo têm intensificado os debates sobre sua supervisão. A regulação busca garantir segurança jurídica aos usuários, preservar a estabilidade financeira e prevenir práticas ilícitas, como lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
Cenário atual e discussões no Brasil
O mercado de stablecoins vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil, impulsionado pela busca por soluções financeiras que combinem a agilidade dos criptoativos com a previsibilidade das moedas tradicionais. Essa inovação tem despertado o interesse de consumidores, empresas e instituições financeiras, ao mesmo tempo em que desafia o sistema regulatório a acompanhar o ritmo acelerado das transformações tecnológicas. Diante desse cenário, surgem questões fundamentais: como garantir segurança jurídica, transparência e proteção ao consumidor em um ambiente ainda tão novo e dinâmico?
O Brasil, reconhecendo a urgência do tema, tem se movimentado. A Lei nº 14.478/2022 foi um marco importante ao reconhecer as stablecoins como ativos virtuais, especialmente quando utilizadas como meio de pagamento. Essa classificação abriu caminho para que as criptos fossem incluídas no escopo da regulação de prestadoras de serviços de ativos virtuais, exigindo autorização do Banco Central (BC) e o cumprimento de normas de governança, prevenção à lavagem de dinheiro e segurança cibernética.
Além da legislação já vigente, novas propostas estão em discussão. O Projeto de Lei 4.308/2024, por exemplo, busca estabelecer regras específicas para a emissão e operação de stablecoins, com foco na transparência, na exigência de lastro e na supervisão por auditorias independentes. A proposta também reforça a necessidade de que apenas instituições autorizadas pelo BC possam emiti-las, o que demonstra uma preocupação clara com a integridade do sistema financeiro.
Paralelamente, o BC tem promovido consultas públicas (CP’s) que ampliam o debate sobre o papel dos ativos virtuais no mercado em geral. Na CP nº. 124, voltada ao serviço de eFX, não menciona expressamente as stablecoins em seu texto principal, no entanto, o anexo da proposta inclui os ativos virtuais em sua classificação, o que indica a intenção do regulador de incorporar esses instrumentos ao escopo da regulação voltada ao aprimoramento dos serviços de pagamento ou transferência internacional. Essa inclusão, ainda que indireta, sugere que as stablecoins poderão ser contempladas futuramente dentro das diretrizes do eFX, reforçando o movimento de integração dos criptoativos ao sistema financeiro tradicional.
Essas iniciativas mostram que o Brasil está construindo um ambiente regulatório que busca equilibrar inovação e segurança. Embora ainda existam pontos em aberto e discussões em andamento, o país demonstra estar atento às transformações do mercado e disposto a criar condições para que as stablecoins possam se desenvolver de forma sustentável, protegendo os usuários e fortalecendo a confiança no sistema financeiro digital.
Panorama no mercado internacional
Enquanto no Brasil existe potencial e crescimento, em três pontos do globo existe uma situação avançada, porém, cada uma de forma muito particular.
Nos Estados Unidos (EUA), a Genius Act criou um marco legal para operações desse tipo em dólar, atraindo o mercado, aumentando a legitimidade e reduzindo riscos sistêmicos. Um dos diferenciais é que ela estabeleceu uma situação original a este tipo de ativo: não são valores mobiliários, nem commodities. Quem pode emitir são instituições financeiras autorizadas. O lastro e transparência permanece em ativos seguros e líquidos, com apresentação de relatórios mensais.
O Tesouro dos EUA é o órgão de supervisão (não regulação) cabendo apurar a conformidade das operações. Porém, essa supervisão é concorrente com os estados dos EUA, o que pode gerar algumas dificuldades, como: fragmentação regulatória, vulnerabilidade sistêmica (estados com supervisão mais branda e mais dura), ausência de autoridade centralizadora e risco de custos elevados. E, ao consumidor, é garantido o direito de conversão imediata para o dólar pelo valor nominal, como proteção legal prioritária. Em suma, uma regulação clara e de caráter de licenciamento e supervisão.
Na União Europeia (UE) por sua vez, temos a Markets in Crypto-Assets Regulation (MiCA), com a mesma tendência de uma abrangência de alcance maior para abrigar todo o mercado europeu com suas particularidades, bem como um “passaporte europeu” que permite às empresas licenciadas atuarem na União Europeia.
Algumas particularidades diferem a MiCA da Genius Act, como: abrangência em quase todos os criptoativos (os EUA focam somente em stablecoins); abertura para empresas internacionais (os EUA autorizam ou licenciam entidades federais ou estaduais); não há uma exigência do detalhamento dos ativos, havendo somente segregação patrimonial e reservas adequadas (os EUA tem uma fiscalização mais restrita); existem limitações e restrições mais severas, como limites de transações e proibição de stablecoins algorítimicas (nos EUA essas limitações ou restrições não existem) e enquanto a MiCA busca ênfase na transparência e prevenindo a manipulação de mercado, os EUA reforçam no compliance e marketing restritivo.
E na Ásia? Com enfoque do nosso panorama especialmente em Cingapura e Hong Kong, enquanto os EUA busca inovação e liberalização (buscando posicionar o EUA como líder e o dólar digital como referência) e a UE busca prudência e soberania monetária (protegendo o mercado interno de stablecoins privadas), existe uma postura mais pragmática e pró-negócio para atrair hubs financeiros globais e incentivar a integração com outros mercados. Cingapura e Hong Kong, por exemplo, adotam um licenciamento, mas com regras de solvência e compliance. Quanto ao lastro, há uma colaterização total e auditorias regulares, mas com flexibilidade na composição dos ativos. Isto causa, por consequência, pouca limitação e restrição rígida, mas com compliance estrito e testes regulatórios (sandbox).
E o Brasil? Observando os três cenários (os EUA em avanço rápido, a UE perdendo competitividade e a Ásia com polo regulatório ágil) podemos identificar elementos que o Brasil poderia levar como acertos a repetir, bem como práticas que devem ser evitadas.
Lições e potencialidades no Brasil
O Brasil tem uma forte adesão popular e um grande potencial regulatório. As recentes normas e discussões (consultas públicas e projetos legislativos) buscam trazer segurança jurídica e causar a inovação, enquanto países como EUA e UE já criaram ambientes regulados que atraem capital institucional, porém, ainda existem desafios como: a infraestrutura local ainda é fragmentada, sem interoperabilidade entre bancos, fintechs e sistemas globais, o que restringe casos de uso reais; há um foco excessivo em arbitragem tributária: hoje, o crescimento do mercado brasileiro está mais ligado à economia de IOF do que a uma estratégia consistente de inovação financeira, algo que pode se tornar insustentável diante de eventuais ajustes fiscais.
Ao olhar para modelos internacionais, há lições importantes. Inspirando-se nos EUA, o Brasil poderia criar previsibilidade regulatória para atrair emissores legítimos e reduzir riscos sistêmicos, dando segurança a bancos e fintechs. Seguindo a UE, seria possível evitar fragmentação regulatória e alinhar-se a padrões globais, garantindo interoperabilidade jurídica. Já com as práticas da Ásia, especialmente em Cingapura e Hong Kong, poderíamos oferecer segurança jurídica, atrair hubs regionais de emissão e custódia e implementar testes regulatórios com critérios robustos como meio de viabilizar um mercado predominantemente inovador.
Por outro lado, também, é essencial evitar equívocos cometidos no exterior, nesses ambientes. Nos EUA, a fragmentação regulatória é um dos pontos de fragilidade. Na UE, limites excessivos e processos burocráticos dificultam a inovação. Na Ásia, a flexibilidade sem limites claros, mesmo com adoção de regras de compliance, podem gerar riscos e criar uma falsa percepção de governança segura.
O Brasil tem uma base sólida de usuários e demanda real, mas precisa evoluir de um modelo por muito tempo reativo — focado somente a partir da movimentação de outros países – para um modelo estruturado e protagonista. Este panorama apresenta mudança significativa com a implementação recente das Resoluções BC nº 519, 520 e 521, publicadas em novembro de 2025, que buscam fortalecer o país e se alinhar a padrões globais, quanto à prestação de serviços de ativos virtuais e regras claras de governança, transparência, combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo e segurança.
Tais normas resolvem aspectos importantes, como estrutura regulatória centralizada, foco em provedores de serviços, com proteção ao cliente, integração entre câmbio e cripto, em relação a pagamentos e internacionalização e limites prudenciais, de acordo com a realidade do risco Brasil. Avançamos muito com essas normas, em que pese ainda se tenha muitas discussões, por exemplo, em relação à existência ou não de fato gerador para a cobrança do imposto sobre operações financeiras (IOF), o que poderia gerar um impacto de início aos clientes potencialmente viáveis para este tipo de negócio.
No entanto, o mais importante é que vemos no horizonte a possibilidade de um sistema mais previsível e bem estruturado, com a utilização das stablecoins como meio de possibilitar aos usuários um mercado mais ágil e atrativo.
Fonte: Consultor Jurídico


