Justiça Tributária – A exportação de jogadores de futebol e preços de transferência

Fernando Facury Scaff

Hoje é Carnaval e falarei de futebol, duas paixões nacionais.

Li na coluna Painel S.A., assinada por Júlio Wiziack, na Folha de S.Paulo de 15 de março de 2025, que a transferência de jogadores brasileiros para o exterior antigamente reforçava o caixa dos times brasileiros, porém, com o domínio de grandes conglomerados globais no mercado isso pode deixar de ocorrer. Menciona o empresário John Textor, proprietário da empresa Eagle Football Holdings, dona do time de futebol do Botafogo, do Lyon e de outro, e informa que o craque botafoguense Luiz Henrique foi remanejado do Botafogo para o Lyon, embora tivesse propostas de clubes italianos e britânicos.

A palavra-chave está na palavra remanejado, pois não houve nem venda, nem empréstimo (que seria oneroso, claro). Como faz parte do mesmo conglomerado esportivo, o craque foi remanejado para outra “empresa” do grupo, deixando de dar expediente no time do Botafogo, no Rio de Janeiro, e passando a bater ponto no time do Lyon, na França. Desse modo, a operação financeira foi igual à zero. De outro modo, vendido ou emprestado, o Botafogo receberia algum dinheiro na operação – o que não ocorreu segundo a notícia, deixando o caixa do time brasileiro a ver navios.

Consta ainda que um consultor de marketing esportivo, Amir Somoggi, da empresa Sports Value, comentou a estratégia, mencionando que o craque em ascensão será valorizado pela vitrine do Lyon e seu preço no mercado será catapultado em euros para outro clube que não faz parte do conglomerado. Com isso, a “mais valia” não irá para o brasileiro Botafogo, mas comporá a receita da empresa, cuja sede fica algures, talvez até mesmo em algum paraíso fiscal.

Será verdade? Isso ocorrerá? Não se sabe. As incertezas nesse mercado são enormes. O craque pode não apresentar o mesmo rendimento, tal como ocorreu e ainda ocorre com muitas outras promessas esportivas que, ao mudar de local ou de clube, perdem performance. Além disso, podem ocorrer lesões ou coisas assemelhadas, próprias de esportes como o futebol – vide o caso do Neymar.

Dois aspectos chamam atenção no fato noticiado

O primeiro é planejamento desportivo global, com o esvaziamento dos clubes nacionais, que podem passar a ter seu centro de decisões estratégicas deslocado para outro ponto, com a montagem de times mais competitivos no local onde a prática do esporte se tornar mais rentável. Em 2024 o Botafogo, com o auxílio de Luiz Henrique, venceu o Brasileirão e a Libertadores, colocando mais de R$ 260 milhões em seu caixa apenas nessas premiações. Será que o campeonato francês e o da Liga dos Campeões pagam prêmios maiores? Essa pode ser uma das possíveis estratégias globais a serem perseguidas pelos conglomerados esportivos.

Outra, seguramente, é a do planejamento tributário acima desenhado, com o esvaziamento do caixa dos clubes locais e a exportação de craques. Deixaremos de ter os jogadores e os recursos, seja nas agremiações, seja nos cofres públicos, pois o fisco também ficará a ver navios, se as informações noticiadas forem verdadeiras. Caberia aplicar a regra de preços de transferência para essas operações? Qual método seria aplicável? Exportação de craques de futebol equivale a exportação de mercadorias? Bom debate para os tributaristas de plantão neste carnaval.

O certo é que grande parte do time foi desmontado, por meio de remanejamentos ou transferências – não se sabe ao certo – e, embora continue a se chamar de Botafogo em 2025, não é o mesmo Botafogo de 2024. Lembra outro navio, o barco de Teseu – aquele que, com o passar dos anos, foi sendo restaurado até que nenhuma de suas peças fosse a original, o que gera a seguinte pergunta: será o mesmo?

Boa folia aos raros leitores e leitoras desta coluna.

Fonte: Consultor Jurídico

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