NA PRÁTICA – Para corrigir dívidas civis pela Selic, será preciso redesenhar sistema

Danilo Vital

Para permitir a aplicação da taxa Selic na correção de toda e qualquer dívida civil, conforme decidiu a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, o sistema erigido pelo Poder Judiciário para essa cobrança terá de ser adaptado ou até redesenhado.

Essa necessidade existe porque, apesar de o tribunal ter precedentes desde 2008 indicando que a taxa do artigo 406 do Código Civil é mesmo a Selic, os tribunais brasileiros simplesmente não a utilizam nos cálculos após as condenações.

Advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico mostraram que, nesse sentido, o país vive uma completa falta de uniformidade.

Cada corte tem o poder de escolher qual será o índice da correção monetária, entre IPCA, IGP-M, INPC e outros. Esses índices servem para a correção monetária. Os juros de mora são convencionados em 1% ao mês.

Esse método alheio à Selic foi o proposto pelo ministro Luis Felipe Salomão, relator dos recursos em julgamento na Corte Especial do STJ. Para ele, é inviável obrigar a adoção da taxa fazendária em determinadas causas.

Quando a indenização é decorrente de relação contratual, por exemplo, isso não é um problema, pois é praxe que as partes convencionem os índices de correção monetário e juros.

Quando o caso é de responsabilidade extracontratual, como ações sobre danos morais, a Selic é um problema porque ela, enquanto instrumento monetário de controle de inflação, carrega de uma só vez índices de correção do valor e juros de mora.

Nessas causas, frequentemente esses encargos correm a partir de momentos distintos. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, segundo a Súmula 54 do STJ. Já quanto à correção monetária, o termo inicial é a data da prolação da decisão que fixou o seu valor, como diz a Súmula 362.

Existem maneiras mais ou menos complexas de fazer incidir a Selic nessas situações, segundo os advogados consultados. Eles são unânimes ao dizer que esse tema precisa ser abordado pelo STJ.

Esse conflito foi destacado no voto do ministro Salomão. Após a divergência inaugurada por Raul Araújo vencer a votação, o relator propôs questão de ordem para, primeiro, anular o julgamento e, segundo, dar resposta a essa questão.

A questão de ordem já foi integralmente rejeitada por três dos 15 ministros da Corte Especial. A análise foi interrompida por pedido de vista do ministro Mauro Campbell.

O que podemos fazer

Como mostrou a ConJur, a definição do índice previsto no artigo 406 do Código Civil é uma discussão que se mantém há 20 anos e tem impacto astronômico na economia brasileira.

E não se restringirá à Justiça comum, já que a Justiça do Trabalho utiliza, por analogia, a atualização de valores das causas cíveis de forma supletiva e subsidiária, nos casos em que a lei processual trabalhista é omissa.

O voto vencedor do ministro Raul Araújo afirma que em nenhum momento o Código Civil exige que sejam previstos em índices oficiais separados e distintos. E apontou que eles só precisam ser separados quando se tem inflação galopante, o que não é mais o caso do Brasil.

Isso indica, para alguns advogados, a possibilidade de o tribunal simplesmente abandonar as duas súmulas vinculantes e unificar a incidência de juros de mora e correção monetária.

Outro deles cita a possibilidade de fracionar a Selic, incidindo a partir do evento exclusivamente para fins de juros de mora e unificada a partir da data da sentença condenatória.

Uma terceira linha já está em prática em alguns tribunais e no próprio STJ: impor juros de mora de 1% ao mês até a data do arbitramento da indenização e, a partir daí, a Selic. A 4ª Turma do STJ fez isso no REsp 1.518.445.

Essa última posição preservaria as Súmulas 54 e 362 do STJ, mas aumentariam a complexidade do cálculo. Nenhuma dessas possibilidades chegou a ser concretamente discutida no julgamento.

Quando termina?

O ponto mais importante, na visão de quem atua diariamente em causas como essa no Judiciário, é chegar a uma definição de uma vez por todas.

Inclusive em um ponto também destacado pelo ministro Luis Felipe Salomão: saber qual Selic será a usada para corrigir as dívidas civis: a que usa o método dos juros compostos ou a da soma dos acumulados mensais.

A primeira tende a ser a mais benéfica ao credor, já que pelo menos recompõe a perda do valor da moeda.

Análise exposta pelo ministro Salomão indicou que, no período entre janeiro de 2002 a fevereiro de 2021, a variação total da Selic pelo método dos juros compostos representaria juros mensais de 2,29%.

A segunda seria drasticamente benéfica para o devedor. No mesmo período, a Selic pela soma dos acumulados mensais registrou variação de 219%, abaixo da inflação no período, que foi de 237% conforme o IPCA.

Para o advogado Ricardo Vicente de Paula, o principal é uniformizar. “Quando isso ocorrer, vai prejudicar alguma parte, credor ou devedor. Temos que colocar na balança. Nesse caso, o que pesa mais é a segurança jurídica. Essas situações prejudicam todo o sistema econômico.”

Lucas Mayall, do escritório Maneira Advogados, avalia que o entendimento do STJ deve alterar substancialmente a realidade experimentada atualmente nos tribunais, influenciando o valor a ser recebido pelos credores em incontáveis ações de natureza cível.

“A verdade é que ambas as posições são juridicamente defensáveis e há também relevantes argumentos de ordem prática a favor dos dois lados. O fundamental é que haja um posicionamento firme e vinculante a respeito, eliminando, assim, a insegurança jurídica que paira em torno desse tema tão sensível.”

O advogado Leonardo Roesler, do RMS Advogados, afirma que a adoção da Selic como incide unificado para correção de dívidas civis representa um avanço na busca por uma reparação adequada aos prejudicados em questões contratuais ou extracontratuais.

“No entanto, essa mudança requer uma reflexão profunda sobre os princípios que norteiam a responsabilidade civil e a atualização de débitos, bem como uma adaptação da jurisprudência do STJ para harmonizar a aplicação da Selic com os marcos temporais estabelecidos para a incidência de juros e correção monetária.”

Diego Herrera de Moraes, do Mattos e Filhos Advogados, lembra que o ministro Salomão é o relator do anteprojeto de atualização do Código Civil. A resolução dessa questão pela via legislativa, “se aprovado e promulgado, passaria a viger com força de lei”.

Já Maricí Giannico, do Mattos e Filhos, defende que julgamento da Corte Especial não acarreta a necessária superação de nenhum de nenhuma súmula. “A aplicação da Selic já vinha ocorrendo, em concomitância com a vigência dos enunciados 54 e 362 do STJ.”

Fonte: Consultor Jurídico

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