OPINIÃO – A responsabilidade do sócio na Eireli

Por Gleydson K. L. Oliveira

No Direito Empresarial, é tradicional a lição de que a pessoa jurídica tem existência própria, distinta das pessoas físicas que a compõem, e tem, imanente, o princípio da autonomia patrimonial, de sorte a, via de regra, não permitir a confusão entre seus bens e aqueles de seus sócios.

A criação da personalidade jurídica da sociedade, distinta da dos seus sócios, se justifica como medida de incentivo ao desenvolvimento da atividade econômica, eis que propicia, em tese, uma diminuição ou limitação do risco.

Por sua vez, a teoria da desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica (disregard doctrine) foi desenvolvida sob a compreensão de que é uma medida extrema e excepcional, com vistas a impedir a fraude, o abuso de direito, e a confusão patrimonial da pessoa jurídica, de modo a autorizar a que o credor possa obter alcançar bens particulares dos sócios e administradores, quando a autonomia patrimonial fosse usada como um escudo para a prática de atos ilícitos.

Na vigência do Direito Comercial, o empresário individual que constituía empresa individual não gozava da proteção legal da separação patrimonial da pessoa jurídica da pessoa do sócio. Vigorava o entendimento de que a empresa individual era mera ficção jurídica que permitia à pessoa natural atuar no mercado com vantagens próprias da pessoa jurídica, sem que a titularidade, entretanto, implicasse distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa física titular da firma individual.

Na época prevaleceu o entendimento de que a empresa individual era mera ficção jurídica, criada para habilitar a pessoa natural a praticar atos de comércio, com vantagens do ponto de vista fiscal. O patrimônio de uma empresa individual se confunde com o de seu sócio, de modo que não há ilegitimidade ativa na cobrança, pela pessoa física, de dívida contraída por terceiro perante a pessoa jurídica (REsp 487.955, relatora ministra Nancy Andrighi).

A transformação da pessoa física ou natural, o empresário individual, em pessoa jurídica seria mera ficção de Direito Tributário, gerando efeitos no campo do Imposto de Renda apenas (cf. Rubens Requião. “Curso de Direito Comercial”. São Paulo: Saraiva, v.4, 1975, p. 55). Sendo assim, o empresário individual respondia pelas obrigações constituídas pela pessoa jurídica, de sorte que não havia a distinção entre pessoa física e jurídica.

Um tipo societário denominado de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli), que foi incorporado no Direito brasileiro pela Lei 12.441/2011, vem se tornando comum entre profissionais liberais, pequenos e microempresários, e tem as seguintes características: constituída por um único sócio; capital social não inferior a cem vezes o salário mínimo; nome empresarial deve ser formado pela inclusão da expressão Eireli; e limitação de apenas uma Eireli por pessoa física.

Mesmo que se trate de sociedade por responsabilidade limitada, várias decisões judiciais foram proferidas assentando que, no tipo societário da Eireli, o sócio respondia por dívidas da sociedade. Embora a doutrina de Direito Empresarial tenha registrado que um dos propósitos do novo tipo societário fosse justamente a limitação dos riscos do exercício da atividade individual da empresa por meio de criação de uma pessoa jurídica (cf. Alfredo de Assis Gonçalves Neto e Erasmo Valladão Azevedo Novaes França. “Tratado de direito empresarial”. São Paulo: RT, vol. II, p. 67).

Por oportuno, importa assinalar que a Lei de Liberdade Econômica, ao emprestar nova redação ao artigo 49-A do Código Civil, consagrou expressamente o entendimento de que a autonomia patrimonial da pessoa jurídica frente aos seus sócios se constitui em importante vetor de estímulo a empreendimentos, a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos, assim como se traduz em instrumento lícito de segregação de riscos.

Nesse contexto, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado no último dia 17, relatoria da ministra Nancy Andrighi, afastou a antiga orientação sobre empresário individual, passando a assentar a orientação de que o fundamento e efeito último da constituição da Eireli é a separação do patrimônio — e naturalmente, da responsabilidade — entre a pessoa jurídica e a pessoa natural que lhe titulariza. Uma vez constituída a Eireli, por meio do registro de seu ato constitutivo na Junta Comercial, não mais entrelaçadas estarão as esferas patrimoniais da empresa e do empresário.

O sócio da Eireli somente pode ser responsabilizado por obrigações da sociedade quando houver a presença dos requisitos legais autorizativos da desconsideração da personalidade jurídica em casos de prática de atos fraudulentos pelos sócios, configurado mediante desvio de finalidade ou confusão patrimonial, exigindo-se na espécie a prévia constituição do incidente de desconsideração de personalidade jurídica (AgInt no AREsp 1503932, relator ministro Raul Araújo).

Por conseguinte, constituída regularmente a pessoa jurídica como Eireli, os bens da sociedade não se confundem com os bens do sócio individual, não se podendo alcançar os bens da pessoa física do sócio antes da instauração do incidente de desconsideração de personalidade jurídica, exigindo-se, de qualquer modo, a demonstração da prática de atos ilícitos ou fraudulentos, mediante desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

Fonte: Consultor Jurídico

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