OPINIÃO – O que podemos aprender com o recall da Tesla nos Estados Unidos

Por Luciano Benetti Timm e Jacqueline Salmen Raffoul

Em 2022, a Tesla realizou recalls por meio da atualização de software. Por não se tratar de reparo físico, passou a questionar a nomenclatura “safety recall” da National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), órgão americano responsável pelos recalls nos Estados Unidos.   

Para exemplificar os questionamentos sobre o procedimento de recall, é relevante abordar um dos recentes casos. A Tesla iniciou recall de 1,1 milhão de veículos nos Estados Unidos, em razão de possível fechamento acelerado da janela dos veículos, que poderia causar danos aos dedos dos consumidores.

recall foi determinado pelo órgão regulador americano e se refere a alguns dos seguintes modelos elétricos: Modelo 3, de 2017 a 2022; Modelo Y, de 2020 a 2021; Modelo S e Modelo X, de 2021 a 2022.

Como os veículos são elétricos, o reparo nas janelas ocorrerá por meio da atualização de software, o que levou a Tesla a afirmar que a caracterização do caso como recall estaria “ultrapassada e imprecisa”. O caso levanta questionamentos cada vez mais atuais e merece a atenção dos órgãos reguladores.

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a definição de produtos relacionados a recalls deve abranger software, como as novas tecnologias, internet das coisas (IoT) e inteligência artificial (AI) [1]. Para que haja efetividade no recall de tais produtos, a OCDE recomenda o uso de novas tecnologias, como por meio do reparo de produtos de forma remota, por meio da atualização de software [2].

Portanto, caso a diretriz da OCDE seja aplicada ao caso da Tesla, a atualização de software deve ser considerada uma forma de recall, o que significa que independentemente do meio para adequação do produto, o consumidor deve ser informado sobre o procedimento (assim como as autoridades competentes).

O caso em apreço é relevante para contribuir com reflexões sobre o contexto brasileiro, especialmente no que se refere aos instrumentos jurídicos relacionados ao recall. Ainda que a comercialização de veículos elétricos não seja popular e comum no Brasil, é razoável a expectativa de constante aumento na aquisição de tais veículos. Além disso, outros produtos poderiam ser reparados por meio de atualizações de softwares no Brasil e gerar questionamentos similares sobre a necessidade de realizar o recall.

Desse modo, os recentes recalls da Tesla nos Estados Unidos podem inspirar importantes e necessários debates sobre o recall no Brasil, especialmente voltados: 1) ao que se considera como recall, se o conceito se liga ao procedimento ou a risco ao consumidor; e 2) a relevância de desenvolver instrumentos jurídicos relacionados a recalls ligados a tecnologia, sem descurar do procedimento administrativo previsto em lei. 

Nesse cenário, os instrumentos jurídicos de recall têm sido aperfeiçoados pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Com a Portaria nº 618/2019, a Senacon tornou o procedimento de recall mais atualizado e flexível, especialmente ao permitir a utilização de novos meios de mídia, já alinhado aos padrões da OCDE.

À luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC), se produto puder causar dano à saúde ou à segurança do consumidor, não poderá ser inserido no mercado de consumo. No entanto, se for colocado no mercado em tais condições, é necessário que haja recall. Portanto, no contexto brasileiro, o critério para a determinação do que se considera como recall não está no procedimento adotado para correção do problema, sendo indiferente se o reparo ocorrerá via software ou presencialmente. O que realmente importa é seguir o procedimento legal de informação às autoridades e aos consumidores.

Nota-se, pela ausência de discussão sobre o tema, que a atenção dos órgãos reguladores brasileiros ainda não se voltou suficientemente para temas de tecnologia e recall. Com a internet das coisas e a crescente modernização de produtos, é relevante que novos instrumentos jurídicos sejam desenvolvidos para direcionar campanhas de recall relacionadas a meios eletrônicos de reparos.

Para isso, as diretrizes da OCDE são relevantes fontes para que o Brasil esteja alinhado com as melhores práticas internacionais. Assim, quando novas situações sobre tecnologia surgirem, os guias e as recomendações da OCDE podem ser relevantes nortes para a atuação dos órgãos de defesa dos consumidores.


[1] OECD. Policy guidance on maximising product recall effectiveness. Disponível em <https://one.oecd.org/document/DSTI/CP/CPS(2019)4/FINAL/en/pdf>.

Acesso em 4 dez 2022. P. 5

[2] Ibid. P. 7.

Fonte: Consultor Jurídico

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