OPINIÃO – Receita limita ilegalmente compensação de crédito de mesmo período de apuração

Por Lucas Muniz Tormena e Pedro Henrique Fernandes de Marco

O emaranhado de normas tributárias no ordenamento jurídico brasileiro, suas lacunas e os mais diversos regimes de tributação existentes certamente tornam o sistema tributário extremamente complexo, o que acaba por afetar a rotina dos contribuintes no cumprimento de suas obrigações tributárias principais e acessórias.

Nesse aspecto, não são raras as vezes em que os contribuintes, em revisão às suas obrigações fiscais, identificam a realização de pagamentos indevidos ou a maior, levando em consideração a composição equivocada das bases de cálculo das exações tributárias.

Ao se depararem com tal situação, os contribuintes podem se valer de algumas saídas, sendo a mais comum delas o pedido de compensação dos valores indevidamente recolhidos pela via administrativa, em conformidade aos artigos 165 e seguintes do Código Tributário Nacional e 74 da Lei nº 9.430/96 [1], ou o ajuizamento de ação judicial buscando a repetição do indébito de forma pura e simples. 

O recebimento dos valores pagos indevidamente mediante ação de Repetição de Indébito, nas palavras do professor Paulo Conrado, trata-se de instrumento processual utilizado quando, ao constituir o pagamento indevido e a correspondente relação do débito do Fisco, busca-se alcançar sentença de procedência que ostenta efeito condenatório no sentido estrito do termo. De modo que, desagua em título executivo, na medida em que impõe à Fazenda Pública a obrigação de pagar a quantia correspondente ao tributo indebitamente recolhido pelo contribuinte [2].

Todavia, é certo que a morosidade do Poder Judiciário brasileiro e a dinamicidade das relações jurídico-financeiras acabam levando os contribuintes a optarem pela primeira compensação de seus débitos, a qual, nos termos do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, extingue o crédito tributário sob condição resolutória de sua ulterior homologação. É facultado à Administração, diante de compensação que repute indevida, glosá-la, suprimindo a eficácia extintiva proveniente, em princípio, daquela mesma declaração.

Nesse contexto, nova sistemática encampada pela IN RFB nº 2.055/21 tem limitado, de forma ilegal e inconstitucional, a discricionariedade dos contribuintes ao se valerem do instituto da compensação administrativa de débitos fiscais.

Isso porque, no exercício da faculdade outorgada pelo artigo 170 do CTN c/c artigo 74 da Lei nº 9.430/96, o contribuinte, ao optar por compensar créditos de pagamentos a maior com débitos vincendos de determinada exação, e tendo transmitido, para tanto, uma DCOMP, ao vê-la não homologada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, vê-se impossibilitado de, em continuidade à revisão das suas obrigações fiscais, identificar, para as mesmas competências, outras parcelas de pagamentos a maior, opondo como óbice o artigo 74, §3º, VI e §12 da Lei nº 9.430/96 e o artigo 76, IX e X, da IN RFB nº 2.055/21 [3].

Na prática, significa dizer que o simples fato de haver despachos decisórios não homologando compensações anteriores tem feito com que a RFB, quando diante de nova compensação, agora fazendo o uso de créditos distintos, mas originários da mesma competência, exare despachos sistêmicos automáticos, considerando como não declaradas tais compensações, tão somente pelo fato de terem sido utilizados créditos originários da mesma competência objeto da compensação anteriormente não homologada.

Essa limitação, consubstanciada principalmente no inciso X do artigo 76 da IN RFB nº 2.055/21, não encontra amparo legal, até porque o inciso XI do artigo 76 da Lei nº 9.430/96 prevê expressa e estritamente que o valor (crédito) de pedido de restituição ou de ressarcimento já analisado e indeferido pela RFB não pode ser objeto de ulterior compensação, nada mencionando acerca de crédito não reconhecido em compensação anterior.

Vale dizer, se o contribuinte efetuou a compensação de crédito decorrente de pagamento indevido, não obtendo a homologação, descabe nova compensação, pois todo o montante pago foi submetido ao crivo do Fisco, que atestou a regularidade do recolhimento.

De outro lado, se a compensação versa sobre crédito decorrente de pagamento de tributo a maior, apenas uma parcela do montante total pago é destacada, compensada e submetida ao crivo do Fisco. Consequentemente, nada obsta que, em caso de indeferimento deste crédito em particular, o contribuinte faça novas apurações e destaque outras parcelas do montante global pago indevidamente, que não se confundem com o crédito não acatado na primeira compensação.

Portanto, o inciso X do artigo 76 da IN RFB nº 2.055/21 não veda que o contribuinte apure diversos créditos em relação a uma mesma competência, transmitindo variadas DCOMPs em momentos diversos. O que se veda é que um crédito específico, já analisado e indeferido pela RFB, seja objeto de novo pedido de compensação.

Essa limitação, como se pode observar, é contrária às disposições da Lei nº 9.430/96, sendo suficiente para autorizar a realização da compensação via formulário. Isso porque, a RFB, ao impor sistemicamente decisões automáticas considerando as compensações não declaradas quando da utilização de crédito vinculado a uma mesma competência anterior objeto de DCOMP não homologada (mas certamente diferente desse crédito que foi objeto da compensação anterior), ao fim e ao cabo, está inviabilizando o uso do PER/DCOMP Web, dadas as graves consequências oriundas desses despachos automáticos.

Dentre as temerárias consequências dessa prática ilegal, destaca-se que a compensação considerada não declarada implica na sua inexistência jurídica, ou seja, para todos os efeitos legais, equivale a uma compensação nunca realizada.

Esse quadro gera situação gravíssima, uma vez que os débitos objeto da compensação tida por não declarada, regularmente declarados em DCTF, serão inscritos em dívida, incrementando-se seu valor em 20%, causando ao contribuinte todos os transtornos daí advindos: constrições indevidas de bens, óbices à renovação de Certidão de Regularidade Fiscal, potencial inscrição do nome da empresa no Cadin, etc. Tudo isso sem ter sido garantido o direito do contribuinte de, administrativamente, defender a higidez desse crédito, que, em flagrante violação à lei e à Constituição, foi considerado objeto de compensação não declarada.

A situação relatada é atual e demanda a atenção daqueles que trabalham na prática tributária, uma vez que tem trazido bastante entraves ao cotidiano jurídico-contábil dos contribuintes brasileiros, que se veem cada vez mais com direitos suprimidos em razão das automáticas ilegalidades perpetuadas pela Receita Federal, acarretando, como sempre, a judicialização de demandas e contribuindo para a dificuldade da prestação jurisdicional.


[1] “Artigo 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão”.

[2] CONRADO, Paulo Cesar. Processo judicial tributário. Rio de Janeiro Método 2014 (Carreiras federais). ISBN 978-85-309-5567-0.

[3] Artigo 76. Além das hipóteses previstas no artigo 75 e nas leis específicas de cada tributo, é vedada e será considerada não declarada a compensação que tiver por objeto:

[…]

IX – o valor objeto de pedido de restituição ou de ressarcimento indeferido pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, ainda que o pedido se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa;

X – o valor informado pelo sujeito passivo em declaração de compensação apresentada à RFB, a título de crédito para com a Fazenda Nacional, que não tenha sido reconhecido pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, ainda que a compensação esteja pendente de decisão definitiva na esfera administrativa;

Fonte: Consultor Jurídico

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