Opinião – Reembolso ou receita? Desafios tributários do cost sharing no Brasil

Vitória Lopes Barros/Andrei Zielinski/Jéssica Allgayer Lazzari

A estruturação de grupos empresariais com vistas à otimização de recursos, à racionalização de custos e à eficiência operacional frequentemente implica a centralização de despesas em uma única pessoa jurídica. Nesse contexto, é comum que determinada empresa do grupo assuma a responsabilidade pela contratação e pagamento de bens ou serviços que também favorecem outras sociedades coligadas, controladas ou vinculadas.

Os serviços de backoffice (recursos humanos, controladoria financeira, marketing etc.), por exemplo, em razão de sua natureza operacional e administrativa, são os que mais comumente são compartilhados entre empresas integrantes de um mesmo grupo econômico. Por essa razão, é comum que tais atividades estejam centralizadas e sejam custeadas por uma única pessoa jurídica. Por sua natureza dinâmica e de suporte, as demais empresas do mesmo grupo, ligadas à atividade fim, se beneficiam destes serviços sem a necessidade de implementação de núcleos de trabalho para cada braço da operação global. A adoção de centros de custos ou de serviços compartilhados permite a racionalização de despesas, com ganhos de escala e especialização, sem que se configure relação jurídica onerosa entre as partes, mas apenas um acerto de contas.

O contexto operacional de compartilhamento de atividades-meio entre empresas de um mesmo grupo é formalizado juridicamente por acordos de rateio de custos e despesas, ou, em sua denominação mais técnica e internacionalmente adotada, cost sharing agreement. Tal instrumento tem por objetivo alocar em uma das empresas (centralizadora) os custos e despesas com atividades-meio que sejam comuns a todo o grupo, permitindo uma estrutura racional e proporcional de recomposição de gastos comuns.

A partir do cost sharing agreement, os grupos empresariais devem determinar a forma pela qual determinados serviços e seus respectivos custos serão compartilhados pelas sociedades, com base em critérios previamente ajustados e objetivamente mensuráveis.

A figura dos acordos de rateio se mostra relevante não apenas no âmbito do direito contratual, haja vista suas peculiaridades e requisitos de forma que surgiram a partir da prática e evolução da jurisprudência brasileira e internacional, mas também nos seus aspectos tributários, com importantes discussões acerca da forma como o fluxo de recursos devem ser contabilizado e a sua natureza para fins de apuração dos tributos empresariais.

Critérios de elaboração dos acordos de rateio

Apesar de não haver previsão legal expressa na legislação sobre a forma dos contratos de cost sharing agreement – trata-se de um contrato atípico –, a ampla utilização desse modelo por empresas nacionais e multinacionais levou o ordenamento jurídico brasileiro a adotar, com base em diretrizes internacionais, critérios que devem ser observados para a adequada formalização desses acordos e o correto enquadramento tributário das transferências de recursos entre as empresas.

No âmbito internacional, a OCDE já estabeleceu parâmetros para validação dos contratos de rateio de custos e despesas, os quais devem ser estruturados conforme o princípio arm’s length [1] – também chamado de princípio da plena concorrência. Tais diretrizes visam garantir que os reembolsos entre empresas interdependentes não sejam desvirtuados em prestações de serviços disfarçadas.

A elaboração dos acordos de rateio deve primariamente se atentar a definição precisa dos critérios de alocação dos custos, dos recursos e dos benefícios esperados a partir dos serviços e estruturas a serem compartilhadas. O desequilíbrio entre a parcela de responsabilidade de uma das partes pelos custos e a proporção de benefícios usufruído pode resultar na desconsideração pela autoridade fiscal do arranjo contratual implementado.

Exemplos práticos de critérios objetivos utilizados em contratos de rateio incluem: número de colaboradores (para áreas de recursos humanos), quantidade de contas ou lançamentos (no setor financeiro ou fiscal), número de atendimentos ou utilização de sistemas (no setor de TI), entre outros. Tais critérios devem refletir, com razoabilidade, a extensão da atividade utilizada por cada empresa envolvida.

No plano normativo interno, a Receita Federal concluiu, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 149/2021, que “são considerados reembolsos, os valores recebidos por pessoa jurídica centralizadora relativos a contratos de rateio de custos e despesas das demais pessoas jurídicas ligadas, desde que”, (1) haja a comprovação das despesas reembolsadas, (2) as despesas sejam necessárias, usuais e normais nas atividades das empresas, (3) utilização de critérios razoáveis e objetivos de rateio, (4) formalização contratual prévia, (5) compatibilidade entre os valores e os gastos efetivos de cada empresa, (6) escrituração destacada das operações, (7) inexistência de margem de lucro, e (8) não caracterização de prestação de serviços.

Para garantir que o rateio de despesas não resulte em lucro – assegurando que os valores sejam considerados reembolsos – é essencial que não seja objeto de compartilhamento a atividade principal da pessoa jurídica centralizadora, mas apenas as atividades-meio comuns entre todas as empresas do grupo. Em outras palavras, o cost sharing agreement deverá consistir no reembolso das despesas à pessoa jurídica que, inicialmente, suportou os custos de serviços comuns, conforme o efetivo aproveitamento pelas demais empresas envolvidas.

Preenchidas tais condições, os reembolsos auferidos pelas empresas centralizadoras não devem ser considerados receitas para fins de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, apurados com base no lucro presumido e submetidas à incidência cumulativa.

Apesar da Solução de Consulta Cosit nº 149/2021, a verdade é que o tratamento tributário conferido aos valores envolvidos no rateio de despesas intercompany ainda não é consenso no âmbito da Receita Federal do Brasil e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), gerando inúmeros debates.

Controvérsias tributárias

Nesse modelo de organização é fundamental ressaltar que a operação de reembolso realizada no âmbito dos contratos de rateio de custos não pode ser confundida com uma prestação de serviços. A finalidade não é a obtenção de lucro, mas a recomposição patrimonial da empresa centralizadora, que arcou inicialmente com despesas de interesse coletivo. Por essa razão, é vedada qualquer forma de remuneração ou cobrança adicional pelas atividades de centralização ou redistribuição dos gastos.

Trata-se, portanto, de instrumento jurídico voltado exclusivamente à repartição proporcional de custos relacionados a atividades-meio comuns entre empresas integrantes de um mesmo grupo econômico, não se confundindo, por sua essência, com operações mercantis ou com o exercício da atividade-fim das partes envolvidas.

A ausência de contraprestação onerosa, de margem de lucro ou de qualquer intuito remuneratório impede que os valores reembolsados sejam enquadrados como receita, afastando-os, assim, da base de cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins.

Essa distinção, entretanto, é frequentemente objeto de controvérsia no âmbito tributário, tendo em vista a recorrente tendência da administração fiscal de tributar quaisquer ingressos registrados na contabilidade das pessoas jurídicas, sob a premissa genérica de que configurariam receita, ainda que se trate, como no caso dos reembolsos, de mera recomposição patrimonial.

Sob essa perspectiva, os valores recebidos a título de reembolso no âmbito dos contratos de rateio não se enquadram no conceito jurídico-tributário de receita, uma vez que esta pressupõe o ingresso de recursos que se incorporam de forma definitiva ao patrimônio da pessoa jurídica, sem reservas ou obrigações correlatas no passivo, e que representem efetivo acréscimo de riqueza.

Em outras palavras, para que um ingresso seja qualificado como receita, é necessário que ele reflita aumento patrimonial autônomo e apto a revelar capacidade contributiva. Nos contratos de rateio, no entanto, os reembolsos não configuram entradas novas e autônomas de recursos, mas sim a devolução de valores previamente despendidos pela empresa centralizadora em benefício de terceiros, sem qualquer incremento patrimonial. Por essa razão, tais valores não podem ser considerados receita para fins de incidência do PIS e da Cofins.

Esse entendimento encontra respaldo em diversos precedentes administrativos. No Acórdão nº 9303-007.866, por exemplo, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) afastou a incidência de PIS sobre valores reembolsados relativos a despesas médicas antecipadas pela empresa a seus empregados, sob o fundamento de que não haveria, nesse contexto, ingresso de nova receita, mas mera recomposição patrimonial. De forma semelhante, o Acórdão nº 3201-004.477 consignou que o reembolso de despesas no âmbito da própria empresa configura simples antecipação de numerário, ajustada posteriormente por lançamentos contábeis, sem gerar receita tributável.

A análise técnica dos contratos de compartilhamento de custos e despesas evidencia distinções relevantes entre o rateio de despesas e os contratos de prestação de serviços. Nos contratos de rateio, não há contraprestação ou remuneração — elemento essencial para a configuração da prestação de serviços, nos termos da legislação tributária.

A partir desses precedentes, verifica-se que a administração tributária reconhece que a presença de remuneração é condição indispensável para a caracterização do contrato como prestação de serviços. Assim, os contratos de rateio de custos, quando desprovidos de finalidade lucrativa e estabelecidos mediante critérios objetivos e previamente formalizados, não configuram hipótese de incidência das contribuições ao PIS e à Cofins, tampouco de tributos como o IRPJ e a CSLL.

Nessa linha, para fins de qualificação tributária, a correta interpretação das quantias recebidas a título de reembolso — sobretudo no contexto de contratos de rateio — exige a verificação de elementos como a natureza jurídica da relação contratual, a ausência de lucro, a clareza nos critérios de rateio e a devida escrituração contábil. Atendidos tais requisitos, os valores em questão devem ser tratados como recomposição patrimonial, e não como receitas tributáveis.

Todavia, esse entendimento não é pacífico no âmbito do Carf [2] No Acórdão nº 9303-012.980, a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) decidiu que os valores recebidos em razão de contratos de rateio de despesas caracterizariam receita decorrente de prestação de serviços pela empresa centralizadora, estando, portanto, sujeitos à incidência das contribuições ao PIS e à Cofins.

O cenário se mostra ainda mais desfavorável aos contribuintes quando a empresa centralizadora está sediada no exterior. Nesses casos, a Receita Federal tem reiterado a compreensão de que tais reembolsos se submetem à incidência de IRRF, Cide-Remessas e PIS/Cofins-Importação, posição recentemente reafirmada na Solução de Consulta Cosit nº 39/2025.

A Receita Federal, ao concluir pela incidência dos tributos, desconsidera o propósito do cost sharing agreement, defendendo que as remessas resultariam em acréscimo patrimonial à empresa centralizadora, como se estivesse sendo remunerada pela prestação de um serviço. A existência de eventual acordo de não bitributação entre o Brasil e o país onde está sediada a empresa centralizadora pode ser uma forma de reduzir os custos tributários envolvidos na operação a partir da possibilidade de compensação de IRRF. A cobrança da Cide-Remessas, a depender do resultado do julgamento do Tema RG 914, também poderá ser questionada e afastada.

Todavia, considerando a grande controvérsia jurisprudencial administrativa que permeia o debate tributário dos valores envolvidos nos contratos de cost sharing agreement, a palavra final ainda costuma ser do Poder Judiciário.

Cost sharing na reforma tributária

A reforma tributária [3], introduzida pela Emenda Constitucional nº 132/2023, regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, trará impactos relevantes para a estruturação e a operacionalização dos contratos de cost sharing agreement.

Entre as alterações, destaca-se o disposto no artigo 12, §2º, inciso IV, que determina que apenas os reembolsos cujas operações estejam devidamente documentadas em nome do terceiro não integrarão a base de cálculo do IBS e da CBS. Este novo parâmetro impõe às empresas uma atenção redobrada quanto à formalização das operações e emissão dos documentos fiscais, sob pena de sujeição à tributação sobre valores até então considerados, em regra, meros reembolsos patrimoniais.

Dessa forma, a adoção ou a manutenção de estruturas de cost sharing agreement demandará uma análise estratégica aprofundada, considerando não apenas o fluxo operacional e financeiro, mas também os reflexos tributários no novo sistema de IVA. A correta identificação dos custos partilhados, a emissão adequada dos documentos fiscais e a gestão dos créditos de IBS e CBS assumirão papel central na otimização das estruturas empresariais e na mitigação de riscos fiscais no cenário pós-reforma.

Em conclusão, a compreensão técnica do cost sharing agreement, aliada a uma visão estratégica das mudanças introduzidas pela reforma tributária, será essencial para garantir a conformidade, a eficiência operacional e a sustentabilidade financeira dos grupos empresariais no novo ambiente tributário brasileiro.

Fonte: Consultor Jurídico

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