OPINIÃO – ‘Succession’ e o planejamento sucessório para empresas familiares

Por André Aléxis de Almeida

A trama central do seriado sensação “Succession”, vencedor de três prêmios na última edição do Globo de Ouro e cuja terceira temporada chegou ao fim em meados de dezembro, gira em torno da escolha do nome que vai comandar o conglomerado Waystar Royco, que inclui empresas de mídia e entretenimento, quando o patriarca e CEO Logan Roy sair de cena. Apesar da idade avançada e de apresentar problemas de saúde, Logan parece não ter pressa em apontar seu substituto, indefinição que movimenta todo o drama satírico.

Guardadas as devidas proporções, como o fato de “Succession” se tratar de um negócio bilionário e, obviamente, de uma obra de ficção, empresas familiares reais podem se valer de ensinamentos valiosos da produção, especialmente aqueles relacionados à sucessão da liderança, como o próprio nome da série sugere. Importante lembrar que, no Brasil, cerca de 90% das companhias possuem perfil familiar, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Muitas empresas familiares têm como característica a presença muito forte do fundador, a quem todos recorrem nos processos de tomada de decisão. Além de um gestor, ele é uma espécie de conselheiro. Planejar a sucessão, entretanto, é essencial para o futuro da empresa, a fim de transmitir a todos os stakeholders e confiança de que a transição, quando chegada a hora, não trará impactos negativos para o negócio.

O plano de sucessão busca, portanto, identificar, preparar e “passar o bastão” ao profissional que vai liderar a companhia no futuro, voltando-se a garantir a continuidade do sucesso do negócio. A execução de um bom plano sucessório é também uma prática de governança corporativa, conjunto de ações que uma companhia adota para fortalecer a organização e alinhar os interesses do negócio, sócios, lideranças, acionistas e outras partes interessadas, conciliando tais interesses com as agências de fiscalização e regulamentação.

Para que a transição da liderança da empresa, seja em razão de morte, doença ou, simplesmente, aposentadoria, ocorra de forma a não prejudicar o negócio, o ideal é que o plano de sucessão seja elaborado com antecedência, até porque momentos imprevisíveis podem ocorrer — um acidente, por exemplo. Uma sucessão forçada gera instabilidade e, consequentemente, reflete negativamente no negócio. Na série, a recusa de Logan Roy em apontar um sucessor é bastante problemática.

A elaboração de um bom plano sucessório deve contar com o auxílio de profissionais como administradores e advogados, que irão se atentar às questões legais, regulatórias e gerenciais da transição. Ainda, há algumas etapas essenciais ao processo, que terá seu cronograma ajustado de acordo com a realidade específica da companhia: definição das necessidades da organização no plano de sucessão, bem como dos cargos que irão integrá-lo; identificação de possíveis sucessores, que podem ser buscados dentro da família ou da empresa ou para os quais será necessário abrir processo de seleção; elaboração do plano de ação que vai conduzir a transição dos cargos; gestão do plano de forma a oportunizar a continuidade da atividade; e capacitação das lideranças e sucessores, por meio de ações como cursos, seminários, imersões e estágios. Ressalte-se que tanto o processo de escolha do sucessor quanto a sucessão propriamente dita devem ser realizados guiados por princípios éticos e transparência.

No processo de escolha do sucessor, é crucial levar em conta a vocação individual dos herdeiros. Não é porque se trata de uma empresa familiar que necessariamente um filho ou outro parente será a melhor escolha para exercer um cargo de liderança. É preciso que haja interesse de ambas as partes e que os talentos sejam lapidados.

Quando realizada de forma correta e efetiva, além de não desvalorizar a empresa perante o mercado, a sucessão é uma relevante ferramenta de retenção de talentos, pois evita que bons funcionários optem por se desligar do negócio por temer pela sua continuidade e sobrevivência. Além do mais, quando a empresa possui um plano de carreira interessante, as probabilidades de se encontrar um sucessor no próprio quadro de colaboradores, caso um familiar não seja a opção mais adequada, aumentam.

É comum que a empresa familiar tenha a “cara” de seu fundador, mas, mais cedo ou mais tarde, a sucessão terá de ocorrer. Diferentemente do que vemos em “Succession”, o cenário ideal é de definição de estratégias que, é claro, podem ser modificadas dependendo das circunstâncias, mas que precisam ser seguidas e levadas a sério por todos os envolvidos. O passado da companhia deve ser valorizado, mas a modernidade não pode ser deixada de lado. O foco é o futuro.

A importância da sucessão familiar também se relaciona ao patrimônio. Sem esse planejamento, muitas empresas familiares acabam ficando presas a inventários na ocorrência de morte do fundador, o que pode até inviabilizar o negócio, como nos casos em que somente o falecido detinha poderes para movimentar contas bancárias e assinar documentos. Logo, o planejamento sucessório e patrimonial pretende eliminar eventuais conflitos entre os herdeiros, manter a governança dos negócios e evitar custos e despesas adicionais.

A instituição de holding é o mecanismo mais utilizado para planejar a sucessão em empresas familiares, ocorrendo mediante a integralização do patrimônio do patriarca — ou, por que não?, da matriarca — ao capital social da holding familiar. No futuro, a divisão do patrimônio se dá pela doação de quotas aos herdeiros. Trata-se, dessa forma, de uma pessoa jurídica constituída por membros de uma mesma família, tendo como objetivo específico a administração do patrimônio dos familiares enquanto pessoas físicas.

Mas ainda que a holding seja o mais conhecido, há vários mecanismos que poderão ser utilizados no planejamento sucessório, como doações com usufruto, elaboração de testamentos, constituição de fundos de investimento, estruturação de acordo de sócios ou acionistas, entre outros. Cada caso, entretanto, deverá ser avaliado de acordo com suas particularidades. Certo é que, por mais divertido que seja assistir às confabulações dos Roy na tevê, a última coisa que uma empresa familiar deve procurar durante seu processo de sucessão é drama.

Fonte: Consultor Jurídico

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