RECUPERAÇÃO DE DIVIDENDOS – Capítulo 15 permite a credores processar acionistas da Americanas nos EUA

Por João Ozorio de Melo

O pedido da Americanas de extensão de seu processo de recuperação judicial no Brasil para os EUA, já aceito por um juiz de Nova York, irá beneficiar a empresa, que terá seus ativos no país também protegidos contra credores. No entanto, o Capítulo 15 do Código de Falências dos EUA (U.S. Bankruptcy Code), que viabilizou essa estratégia, pode ter um efeito colateral indesejável: os acionistas da Americanas podem ser processados por credores nos EUA.

O professor de Direito da Universidade da Califórnia Bruno Meyerhof Salama advertiu, em artigo para o site Law360, que “o trio de bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Hermann Telles, sócios da 3G Capital e principais apoiadores e acionistas da Americanas, têm razões jurídicas e não jurídicas para ficarem preocupados”.

O Capítulo 15 foi adicionado ao Código de Falências dos EUA em 2005, como parte da Lei da Prevenção do Abuso da Falência e Proteção ao Consumidor, para proteger os ativos de empresas estrangeiras em processo de falência em seu país de origem, contra ações de credores nos EUA — até certo ponto.

Isto é, a proteção não é 100% garantida. O juiz tem certa “latitude para tomar medidas tutelares sob medida e aceitar pedidos específicos para proteger a massa falida”, segundo o professor Bruno Salama.

“Isso abre as portas para ações de anulação e outros procedimentos que buscam recuperar transferências feitas pela empresa insolvente antes do pedido de falência”, diz o professor, e — aqui mora o perigo — “recuperar dividendos pagos aos acionistas”.

Entretanto, recuperar dividendos dos acionistas não é uma ação fácil, diz Bruno Salama. A capacidade dos credores de cobrar os dividendos pagos a acionistas pela empresa estrangeira depende de alguns fatores, que variam da interpretação dada por um juiz nos EUA a um caso em particular, às proteções (safe harbor) garantidas pela Seção 546(e) do Código de Falências e, ainda, ao teor específico dos acordos entre a empresa falida e seus credores.

“Casos de falência transnacionais são inevitavelmente complexos”, escreve o professor. “O reconhecimento e a execução de sentenças e ordens originadas em um país, para serem cumpridas e outro país, podem estar sujeitas a várias contestações jurídicas e práticas.”

“No entanto, há um tópico recorrente nessas ações: os pagamentos aos acionistas podem ter sido feitos em violação da regra da prioridade absoluta, segundo a qual os credores têm de ser pagos antes que fundos sejam distribuídos aos acionistas”, observa o professor.

E há um agravante. Como as investigações indicam que a falência da Americanas está envolvida em fraudes — e está sendo tratada como escândalo — a responsabilidade dos acionistas é maior — e esse parece ser o caso, na opinião do professor.

“Embora recuperar dividendos de acionistas é teoricamente possível no Brasil, de acordo com a Lei de Falências e com o Código Civil do país, a tramitação de ações no território nacional pode ser demorada. Por isso, há interesse dos credores em recorrer a cortes dos EUA, onde a recuperação é possível quando os dividendos foram pagos por uma empresa tecnicamente insolvente.”

Defesa dos acionistas

O autor do artigo entende que os acionistas têm algumas opções de defesa, tais como a relativa à boa-fé e outras considerações previstas na legislação brasileira. Mas prevê que a defesa vai levantar questões como a teoria do alter ego (a sociedade é o alter ego do sócio) e, portanto, a personalidade da sociedade pode ser desconsiderada (piercing the corporate veil).

Além disso, “há a questão sobre se as cortes dos EUA podem estabelecer jurisdição pessoal sobre acionistas não americanos de uma empresa não americana, como a Americanas”, ele diz.

Isso vai depender de uma análise sobre se há contatos suficientes com os EUA e se os sócios da 3G Capital podem razoavelmente esperar que estejam sujeitos à jurisdição de uma corte nos EUA.

“Isto é, será preciso examinar se têm negócios ou contatos com os EUA, que sejam relevantes no contexto da ação judicial, bem como se têm propriedades, escritório ou empregados nos EUA e, ainda, se fazem negócios regularmente com entidades ou indivíduos dos EUA, que possam ser fatores relevantes.”

Enfim, a tramitação do processo da Americanas “pode ser decisiva para a resolução de um dos casos mais intrigantes da legislação corporativa nos últimos anos”. E, mais que isso, “pode exercer um impacto relevante no desenvolvimento de contenciosos baseados no Capítulo 15 do Código de Falências dos EUA”, na opinião do professor Bruno Salama.

Fonte: Consultor Jurídico

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